Entrevista – Cris Braun: “Ser feliz é O ato de resistência”

entrevista por Marcelo Costa

Toda vez que converso com Cris Braun esbarramos em Sex Beatles, sua primeira e incrível (cult) banda, lá nos anos 90 (quem viveu, lembra). Dessa vez era inevitável, afinal “Quase Erótica” (2021), seu delicioso quarto álbum solo da carreira, abre e fecha com canções do Sex Beatles, aqui retrabalhadas e apropriadas pela artista, que vive um eterno relacionamento feliz com sua ex-banda: “Tem um Q de saudades dos tempos, saudades de mim. Mas não é melancólico, é feliz. É da ordem da beleza”, explica na conversa abaixo.

Felicidade também é uma das palavras que circundam o universo de “Quase Erótica”, com Cris tirando da gaveta algumas canções, pescando de seu repertório outras, e contando com os parceiros Dinho Zampier (que assina os arranjos ao lado de Cris além de tocar teclados, baixo e programar a bateria) e Billy Brandão (violão e  guitarra, que, inclusive, também está de disco solo novo na área) além de Jam da Silva na percussão e Jair Donato (mixagem e masterização).

As conversas de Cris Braun com o Scream & Yell sempre são recheadas de frases deliciosas. “Tenho um comportamento rock’n’roll e uma alma MPB”, ela disse em 2007. “Faço ‘música livre brasileira’”, definiu em 2012. “89% de meu tempo ouço música clássica. Talvez seja o meu Rivotril. Pela beleza, pela grandeza, por tudo que tem contido ali”, explicou em 2017. Agora, avisa: “Ser feliz é O ato de resistência – não é uma felicidade boba, é a força de acordar e tentar gerar energia de vida (Eros) diante destes tempos insanos onde tudo é Tanatos”.

No release assinado pelo grande Arthur Dapieve, ele começa perguntando: “Oi, Cris, tudo bem com vocês todas?”. E se estende: “’Quase Erótica’ é parte o que seu título anuncia. Não, meninas e meninos, não se animem muito, o lance aqui é quase erótico. Porque quase todas as oito faixas narram os tremendos 0 a 0 do dia a dia, do noite a noite, narram as relações que não se consumam plenamente”. E narram isso convidando a dançar, azarar, ser livre, ser feliz, resistir.

Na conversa abaixo, Cris Braun fala como surgiu “Quase Erótica” (“Eu andava brincando de aprender a gravar. O resultado era sempre pop e lúdico”), relembra os tempos de Sex Beatles (“O universo criado pelo Alvin, para ‘a persona cantante’ (que era eu), é do nosso entorno íntimo, sempre inspirado em noitadas, conversas”), conta que valoriza o conceito-roteiro dos álbuns e sonha, desde já, a levar o disco para os palcos, estando “Louca para dançar e fazer o que parece que faço de melhor: pop rock!”. Com você, Cris Braun!

É inevitável para mim não começar assim: na nossa última conversa no Scream & Yell, em 2017, você me dizia: “Tenho vontade e vou fazer um Sex Beatles Cover, onde eu serei a cover de mim mesma”. Dai “Quase Erótica” começa e termina com Sex Beatles (e ainda tem “Aprender”, do Alvin, que é uma peça poética deslumbrante). Como é pra você lidar com o Sex Beatles na sua vida musical, uma banda amada por nós e desconhecida por muitos?
Tem um Q de saudades dos tempos, saudades de mim. Mas não é melancólico, é feliz. É da ordem da beleza. O universo criado pelo Alvin, para “a persona cantante” (que era eu), é do nosso entorno íntimo, sempre inspirado em noitadas, conversas. Renato Russo, Zezito, um amigo que morreu que protagonizou o “nua com uma arma na mão”; aquilo foi verdade, num carro da polícia no carnaval. Eu e Alvin azarando na noite: “Quero você e seu namorado também”.

Gostaria que você falasse sobre o título “Quase Erótica” e como surgiu esse desejo de fazer um disco dançante, alegre, jovial (no meio de uma pandemia, de uma menopausa e de um governo genocida)… Ser feliz é um ato de resistência?
Ser feliz é O ato de resistência – não é uma felicidade boba, é a força de acordar e tentar gerar energia de vida (Eros) diante destes tempos insanos onde tudo é Tanatos. Não só a pandemia, evidentemente, mas o surreal criminoso que vivemos neste desgoverno. A menopausa veio muuuito antes, rsrs. Mas a constatação deste “neo-erotismo” foi a sacada. Eu ia colocar neo erótica, e o Arthur Dapi disse: “Cris, ele não é exatamente erótico, é sensual, irônico, e tals”. Aí eu gritei rindo: “Quase Erótica”. Lembrando de histórias engraçadas de estar com preguiça de sair a cata de romance. Considerei isto, liberdade!!

Para construir o repertório do disco você buscou canções engavetadas e faixas antigas. Como funcionou para você e para Dinho esse processo de atemporalizar os arranjos, de trazer essas canções para 2021? E como foi pra você essa busca “na gaveta” pelas canções? Algumas, o público que te acompanha já conhecia. Outras, não…
Eu andava brincando de aprender a gravar. O resultado era sempre pop e lúdico. Atemporalizar foi desde sempre uma intenção, quando decidi revistar. E também me apropriar, dar vida ao personagem. As referências foram em geral 60ts e 70ts, pois as canções tem o formato muito 80,90. Eu as quis mais vintages e assim acho que conseguimos todas estas décadas juntas. As gavetas aqui estão sempre abertas, esperando seu tempo. Rsrs.

“Quase Erótica” é um disco de 8 faixas e 25 minutos. Dá pra dar uma festa no meio da madrugada com ele e terminar de ouvir antes da polícia chegar. Vocês chegaram a testar mais canções? Ou desde o início era a ideia ter um disco curto e rápido?
Que ideia ótima a festa acabar antes da polícia chegar. Marcelo, eu acho que repertórios muito grandes podem as vezes esvaziar o conceito-roteiro. Gosto de álbuns. E se não tenho mais o que falar, não falo. A gente ainda tirou uma que vai para o show.

Como era pra você cantar “…Eu e Seu Namorado Também?” aos 22 anos, no disco de estreia do Sex Beatles, e agora aos 59 em “Quase Erótica”? Como é pra você esse olhar das relações na juventude e na maturidade?
Perde-se emoções intensas, ganha-se liberdade, tranquilidade. (rsrs) Uma troca justa, o coração precisa de calma. Eu sou uma observadora constante, gosto de ver e curtir as pessoas. Elas – Eles elxs e seus namorados também!! É vida!!!

Sonoramente, sinto muito a presença de Rita Lee, no disco, principalmente a Rita & Roberto da virada dos anos 70 para o 80. Foi uma inspiração?
Rita é inspiração introjetada – um forever! Não foi consciente – naturalmente foi.

“Quase Erótica” é, para mim, um dos seus discos mais felizes, pra cima. Mas se olharmos com lupa, há vários paradoxos poéticos, essa coisa do “Dancei pra príncipes e feras/ e nada vi”. Ou seja, é um disco para palco. Agora que os shows estão voltando será que teremos a chance de ver Cris Braun ao vivo? E com um repertório estendido na mesma vibe?
SIM !!! Louca para dançar e fazer o que parece que faço de melhor: pop rock!

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