Faixa a faixa: “Sendeiros”, de Sendeiros, por Arthus Fochi

introdução por Diego Albuquerque
Faixa a faixa por Arthus Fochi

Sendeiros, palavra aportuguesada do castelhano que significa trilhas, caminhos, foi a escolhida para nomear uma banda formada pelo músico latino brasileiro Arthus Fochi e alguns amigos no ano de 2007. Eles tinham como objetivo criar uma espécie de laboratório musical de ritmos latino-americanos.

“Sendeiros era Pedro Pajé na bateria, Miguel Fortunato no baixo e violão 7 cordas, eu no violão / viola caipira e vocal, e Ziza Sales na flauta transversal, pífano e vocais. A primeira formação também tinha Stella Maiques no violão, Thiago Amaral na flauta transversal e Fernando Pozzobon no violão. Éramos quatro violões, dentro de uma proposta de orquestra típica cisplatina de violões. Tocamos no circuito universitário do Rio de Janeiro, vários centros culturais e eventos de rua da cidade”, comenta Arthus Fochi.

O álbum homônimo começou a ser produzido e gravado em 2011, com a banda ainda na ativa, mas só no final de 2020 foi concluído, com o projeto numa pausa desde o final de 2015. A Sendeiros atualmente conta com os mesmos vocalistas Arthus Fochi e Ziza Sales, ambos radicados na Europa e trabalhando na pré-produção de um novo disco e na apresentação que reúne as novas canções e canções compostas durante os primeiros seis anos do projeto – presentes neste trabalho.

Sendeiros”, o álbum, conta com a participação especial de grandes músicos da cena carioca como Ayran Nicodemo (membro da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal RJ), Felipe Chernicharo (AfroJazz, Sexteto Sucupira), Aline Gonçalves (da banda de Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal), além da participação em duas canções de Tita Parra, neta da icônica artista e compositora chilena Violeta Parra. Abaixo, Arthus comenta o disco faixa a faixa com exclusividade para o Scream & Yell.

01) “Seu você”: Música que escrevi em 2007 na cidade de Guayaquil, Equador. Na época eu viajava com Waldo Huerta, nome artístico de Eduardo Briones, compositor e trombonista chileno. Fazíamos uma viagem de 4 meses tocando pelas ruas, restaurantes, e bares das cidades que passavam, saímos de Lima (Peru) e fomos até Caracas na Venezuela, passando pelo norte do Peru, Equador, Colombia e pelos llano venezuelanos. A viagem foi também investigativa, onde aprendemos a tocar diversas músicas populares e ritmos folclóricos. O samba “Seu você” remonta ao momento de liberdade que vivi, como a letra diz: “Ir de carro ou a pé, com destino qualquer. E aprender a voar…” Na música temos a participação de Waldo Huerta no trombone.

02) “Tango em Xambudo”: Foi uma música escrita durante os estudos sobre orquestra típica de violões, um arranjo orquestral de violões muito comum no Uruguai e na Argentina, fruto da forte amizade com os violonistas do Cuarteto Ricacosa. A música fala de uma desilusão amorosa e remete a uma interpretação dramática seguindo a profundidade poética e narrativa do tema, com um pouco de humor. Fernando Pozzobon, da primeira formação do grupo Sendeiros, toca o violão base.

03) “Cena”: Montada como um blues / rock com adornos cheirando a jazz. A letra escrita por Ziza Sales remete a uma situação pessoal, que após os ensaios acabou se encaixando dentro de uma performance clichê: “A discussão de um casal”.

04) “Cidade Vil”: Uma das quatro canções da poeta Liv Lagerblad em parceria comigo. A canção remete a relação dicotômica de se viver numa cidade como o Rio de Janeiro, e do cansaço de suas contradições. Tal contradição é bem expressa em versos como “…há de cantar um degredo”. A música possui arranjo de duo de violão, com a participação de Renan Montuno no clarinete, e nos efeitos sonoros Bruno Qual (artista que acompanha Elza Soares no projeto “A Voz e a Máquina”).

05) “Assuada”: Escrita por mim durante as aulas de Brasil II na faculdade de História da UNIRIO. No final do curso, apresentei à professora a canção como forma de recuperar uns pontos perdidos num exame. A música relata um período do Brasil colonial onde a disputa territorial pela exploração e monopólio de exploração das Minas Gerais gerava conflitos constantes. Essa tensão culminou no episódio conhecido como “Guerra dos Emboabas”. Nesta música, a harmonia da viola caipira e o solo de viola são o ponto alto que traduz essa tensão, junto a um violão enferrujado e trastejando que Miguel Fortunato usou durante o refrão.

06) “Ceará”: Música composta por Ziza Sales e por mim no ônibus durante uma viagem para um encontro nacional de História em Fortaleza, CE. A viagem de dois dias passava pelo sertão baiano. A harmonia que modula naturalmente entre os versos é ponto marcante da música, que tem seu refrão baseado numa frase que circulava na minha cabeça durante aqueles meses: “Pa trás ni pa coger impulso”. A faixa tem a participação de Ayran Nicodemo (Membro da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal RJ) que também participa do tango “Educação Samurai”, trazendo o violino numa simulação de rabeca.

07) “Educação Samurai”: Tango de Bruno Penna Firme. Bruno chegou a fazer parte do grupo Sendeiros logo após a primeira cisão do grupo em 2011, fazendo alguns concertos e introduzindo o acordeon. Dessa relação, “Educação Samurai” permaneceu no repertório. A música, poeticamente, fala de um homem que vive dentro de uma prisão moral e de uma decadência a partir da rigidez do espírito.

08) “Lacraia”: A mais poética das composições do álbum, feita por mim e pela Liv Lagerblad, fala de forma singular sobre amor, juventude e rebeldia. Muito influenciada por Sergio Sampaio. A canção conta com a participação de Gabriel Pontes (sax/flauta) e é a única que reúne em parte do arranjo um coro dos quatro integrantes da formação principal do disco em uníssono: Miguel Fortunato, Pedro Pajé, Arthus Fochi e Ziza Sales.

09) “Pequeno Rei”: Um rock xote de letra ácida. Participação na guitarra de Felipe Chernicharo (Afrojazz, Sexteto Sucupira). O arranjo de sopros foi escrito por Fernando Bastos Gajo (Rats) e executado por Sérgio Castanheiras e Italo Moreno, no trombone e trompete, respectivamente.

10) “Levanta”: Canção composta por muitas mãos, numa tarde de amizade. É uma das canções que tem participação de Tita Parra, compositora chilena e neta da icônica artista chilena Violeta Parra. A canção é dividida entre português e espanhol, e é uma ode ao orixá Iemanjá.

11) “Puerto Montt Está Temblando”: Música de Violeta Parra sobre o terremoto que provocou grande catástrofe na cidade de Puerto Montt no sul do Chile no ano de 1960. O terremoto ficou conhecido como Sismo de Valdivia, cidade que foi a mais afetada pelo tremor. A música foi composta em décimas, estrutura poética muito usada por Violeta Parra. Tita Parra, sua neta, participa dessa canção. Participam da faixa também a flautista Aline Gonçalves (Hermeto Pascoal , Egberto Gismonti) e o percussionista Lucho Barrueto.