Entrevista: James Lollar, do Gost, do metal extremo ao eletrônico

entrevista por Homero Pivotto Jr.

Fazendo uma ponte, musical e estética, entre as cenas do metal extremo e da música eletrônica emergiu o Gost. Não, a grafia não está errada e não estamos falando do conjunto sueco Ghost. Se você gosta de sonoridades intempestivas, que misturam elementos do barulho, e que transitam por temáticas sombrias, é possível que já tenha ouvido falar ou lido sobre a banda — o Gost, no caso, só para deixar claro. É nesse clima trevoso — tanto na parte lírica quanto em relação ao momento que vivemos no que se convencionou chamar de realidade — que o projeto de um homem só lança o novo álbum, “Rites of Love and Reverence”. E a data que trouxe à luz o sexto trabalho foi condizente com a proposta da iniciativa: sexta-feira 13 de agosto.

Seguindo com referências de filmes de horror e versando, principalmente, sobre feitiçaria, caça às bruxas e medo do diferente, o registro flerta com a ficção e a vida como a conhecemos hoje. “Vivemos tempos difíceis e desconfortáveis, globalmente. Parece que estamos em um estranho conflito entre superstição, religião e ciência. Então, penso que tem relação com o que estamos passando”, explica o idealizador, mente criativa e responsável por todos os vocais e instrumentos no estúdio, James Lollar (ou Baalberith).

O novo material segue a tendência de seu predecessor, “Valediction” (2019), ao incorporar, ainda mais, elementos de post punk, industrial e até black metal (em algumas vozes). Se em “Skull” (2013), “Behemoth” (2015), “Non Paradisi” (2016) e “Possessor” (2018) mal se ouvia a voz de Lollar, agora ele mostra que está confiante para soltar o gogó em momentos mais góticos e até em gritos desesperados — como na segunda faixa, a nervosa ‘Bound by the Horror’.

“Eu estou mais à vontade em como meus vocais se encaixam, como eu canto. E, estando mais confiante, arrisco algumas coisas”, revela o músico estadunidense que passou por várias bandas de metal antes de explorar novas alternativas musicais. A segurança para ousar nas composições, é possível, seja resultado dos oito anos de trajetória e dos inúmeros shows, alguns ao lado de nomes importantes como Perturbator, 3TEETH, Mayhem, Carpenter Brut, Power Trip, The Black Dahlia Murder, Midnight e Pig Destroyer.

Outros três clipes foram liberados antes de o disco ser disponibilizado oficialmente nas plataformas e formatos físicos. Trata-se de “Coven”, “A Fleeting Whisper” e “Burning Rhyme”. Esta, a canção derradeira de “Rites of Love and Reverence”, uma espécie de balada para inferninho. Algo mais ameno, mas não menos lúgubre — tanto que mais da metade do vídeo é em um cemitério.

Trocamos uma ideia com Lollar, via áudio no Zoom, sobre o atual momento da sociedade e da carreira, inspirações e potência da arte.

Nos últimos 10 anos, talvez mais um pouco, houve um revival de estilos musicais que ficaram conhecidos nos anos 1980, trazendo à tona novamente a estética sonora e visual dessa época. Você se sente parte dessa cena com o Gost?
Certamente. Eu era mais parte da cena synth wave quando comecei. Mas sim, continuo me considerando como parte da coisa toda.

Acredito que essa estética dos 1980 tem um forte apelo visual, além do som. Uma aura que considera não apenas o que se ouve, mas também o que vê. Há um lance de imagem ligado a isso. O que fisgou sua atenção para esse contexto?
Está tudo bastante ligado aos filmes de horror dos anos 1980 e coisas do tipo. Acho que no início da minha carreira, ouvir comentários de algumas poucas pessoas me dava nos nervos. Então, eu parei de fazer metal e descobri que isso estava acontecendo e que era possível fazer de casa. Foi o timing perfeito, acredito.

Num passado não muito distante, o metal extremo não era tão, digamos, acolhedor com outros gêneros. Mas graças ao universo, isso tem mudado no decorrer dos anos. E o Gost é um exemplo que mostra isso. De onde acredita que vem essa ligação entre o metal e as produções mais ligadas ao universo da música eletrônica?
Não sei, cara. É meio que um quebra-cabeça. Acho que muitos de nós que gostamos de metal extremo também apreciamos filmes de terror. Então, vejo uma conexão aí. Tem ainda a questão que envolve o que é sombrio, numa visão genérica. Isso permeia minha música. Mas na real não sei dizer. Eu realmente espero que a cena eletrônica esteja ciente da nossa existência, nos aceite. Assim como a galera do metal

Você veio da cena metal, certo?
Sim! Antes do Gost havia tocado apenas em bandas de metal.

O Gost é sua primeira incursão com a música eletrônica então?
Sim! Antes eu tinha apenas feito algumas doideiras com eletrônico. Mas foi só com esse projeto que eu entendi o processo a ponto de lançar músicas.

Desde o começo da banda, rolaram algumas nuances no som do Gost. Primeiramente era mais synth wave, mas pelo menos os dois trabalhos mais recentes acrescentam elementos do post punk e do industrial. Foi intencional?
Intencional em algum sentido, mas foram mudanças que rolaram naturalmente. Apenas por estar tentando novas maneiras de lançar músicas mantendo, de algum jeito, a estética sonora original. Descobrir como manter a coisa interessante é parte do processo criativo. Ao menos no meu.

Gosto de dicotomias, como uma que consta no release do disco novo, “Rites of Love and Reverence”, que diz: “música para eletrificar pistas de dança e fazer cabeças baterem com a mesma ferocidade”. Diria que essa frase sintetiza o trabalho do Gost atualmente?
Penso que sim, principalmente em ambiente ao vivo. Desde o começo participo de festivais de metal e sempre há mosh pits. Então, acho que resume bem sim.

A pandemia, com suas incertezas, teve influência nas composições de “Rites of Love and Reverence”?
O conteúdo do álbum, no geral, é baseado em feitiçaria. Mas com a pandemia, especialmente em meu país (Estados Unidos), com negação da ciência e outras situações, foi uma fonte de inspiração. Foi um tipo de abordagem social pegar a feitiçaria e mostrar como se perseguia as pessoas por pensarem diferentes ou à frente do seu tempo. Pensar que isso pode estar acontecendo novamente realmente foi uma influência lírica no novo trabalho.

Na sua perspectiva, como esse novo trabalho difere dos anteriores em relação ao processo de criação e a vibe das faixas?
Eu estou mais à vontade em como meus vocais se encaixam, como eu canto. E, estando mais confiante, arrisco algumas coisas. O álbum anterior polarizou alguns fãs, mas trouxe gente nova. Estou mais confortável em como as coisas acontecem. Desde que naturalmente sem uma noção pré-concebida de como soar.

As letras de “Rites of Love and Reverence” têm referência à feitiçaria, como você comentou. Por que abordar esse tema? Pensa que tem apelo com os tempos que vivemos hoje?
Foi meio que natural enquanto eu pensava sobre as letras. Eu queria me afastar um pouco do lance satã e coisas que já havia explorado desde o começo. Queria algo novo, mas que mantivesse um elemento sombrio agregado. E a feitiçaria tem a ver com isso. E tem ainda a questão de como o mundo está, todo mundo crucificando todo mundo on-line. Então, acho funcionou bem.

Pensa que estamos chegando cada vez mais perto de uma caça às bruxas, de julgamentos tendenciosos, dada a polarização política e as pessoas com informações apenas vindas de suas próprias bolhas?
Creio que sim, cara! Vivemos tempos difíceis e desconfortáveis, globalmente. Parece que estamos em um estranho conflito entre superstição, religião e ciência. Então, penso que tem relação com o que estamos passando.

Você se considera preocupado com pauta da agenda feminina e suas implicações na sociedade, já que a bruxa evoca a figura da mulher? O quão inclusivo pensa que o metal e a cena eletrônica são, para elas e outros grupos que não se enquadram no status de brancos classe média?
É um trabalho que precisa ser feito. Não se vê muitas garotas no circuito de música ao vivo, especialmente. Acredito que deve ser diferente para cada região no mundo. Mas creio que falo de como deve ser para mulheres aqui (EUA). Tem a ver com como você cria suas filhas. Você não as estimula a esses tipos de campos, então é um pouco mais masculino. Eu sei que as mulheres querem fazer esses trabalhos. É parte de nossa existência como humanos tornar tudo mais inclusivo, mais fácil para quem não se enquadra nesse padrão que você falou — que é a regra nos EUA. Acho que dá para fazer isso sem polarizar as pessoas.

“A Fleeting Whisper”, um dos singles do disco novo que ganhou clipe, tem a ver com o fato de “simplesmente ser humano”, conforme release. Mas como ser humano e curtir a vida no plano real em tempos nos quais mal conseguimos tirar a cara do celular?
Boa pergunta! Acho que ainda somos jovens com a tecnologia. Acho que ainda estamos aprendendo a lidar. Talvez daqui uns 10 anos vamos fazer essa conexão de uma forma melhor, assim espero. É importante nos afastarmos um pouco da tecnologia e estarmos presentes no mundo, pois é isso que é real. É aqui que respondemos aos estímulos, fisicamente. Olho no olho. Tem de haver formas de nos desconectarmos e percebermos que o que rola on-line não é necessariamente mais importante.

Acredita que a arte, música neste caso, pode ajudar as pessoas em tempos difíceis como o que vivemos? E até mesmo nos auxiliar a evoluir e a ter algo em que acreditar?
Sim. Tem sido algo nesse sentido para mim durante toda a vida. É um bom amortecedor para pessoas que chegam junto e não concordam umas com as outras em temas como política e religião. Abre portas para que pessoas de diferentes formas de pensamento se comuniquem. Então sim, é importante e realmente pode ajudar.

Como a música faz parte de sua rotina? Qual o papel dela na sua vida?
A música permeia todas as coisas mundanas que faço. Seja limpar a casa, tocar em turnê ou o que for. Faz a vida um pouco mais desejável para mim.

Quais bandas citaria como influência?
Eu trago muitas influências de bandas desde a minha infância, como Depeche Mode, Skinny Puppy, Nine Inch Nails. Até mesmo o material antigo do Suicidal Tendencies. É algo bem variado de influências antigas. Mas tem também artistas mais modernos, tipo Deafheaven, pelo jeito como eles vão além dos limites, e Drab Majesty. Coisas assim.

Alguma dica para sermos humanos menos piores?
Apenas tente entender o outro. Estamos todos procurando navegar o fato de quão estranho é ser humano, e nos conectarmos com outras pessoas. Passar pela pandemia fez isso ainda mais óbvio que temos de nos permitir mais do que talvez pensamos.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

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