Netflix: “O Que Ficou pra Trás” tece retrato aterrorizante sobre culpa e xenofobia

Texto por Eduardo Juliano

Não existem horrores mais efetivos do que os que vivemos no mundo real, assim como também não há nada mais assustador do que morar em uma casa vazia, que não represente nosso verdadeiro lar.

Partindo destas percepções, os roteiristas estreantes em longas metragens, Felicity Evans e Toby Venables, bem como o diretor Remi Weekes, também estreante em filmes de longa duração, entregam em “O Que Ficou pra Trás” (“His House”, 2020) uma história que, apesar de lidar com aspectos sobrenaturais, coloca em destaque também o terror real pelo qual passam os refugiados.

Na trama, uma família africana foge da guerra no Sudão e após sofrerem vários percalços, inclusive a morte da filha adolescente, são capturados no mar pela guarda britânica que os prende em um reformatório.

Algum tempo depois, a assistência social oferece uma espécie de liberdade condicional, na qual eles são realocados em uma casa escolhida pelo governo e devem obedecer a uma série de condições para que não sejam extraditados.

O sonho do recomeço em um novo país, começa a ruir quando, além de ter que lidar com uma vizinhança nada acolhedora e xenofóbica, a casa parece estar amaldiçoada por uma força sobrenatural que não os quer ali.

Enquanto a esposa, vivida pela excelente atriz nigeriana Wunmi Mosaku, parece aceitar e tentar entender aqueles fenômenos, o marido, interpretado com garra pelo ator inglês Sope Dirisu, quer expurgar a maldição a todo custo para poder ficar com a “sua casa” (tradução literal do título original do filme).

Importante destacar o impressionante trabalho da fotografia, que usa truques de luz e sombra de maneira genial. Toda a mise en scène, com a casa cada vez mais em ruinas e o bairro sujo e sempre desolado, contribui com a sensação de que algo muito podre está no ar.

Este filme integra o seleto grupo de produções de terror com crítica social/racial embutida, da qual fazem parte os excelentes filmes do diretor Jordan Peele, “Corra!” (2017) e “Nós” (2019). Sua força reside em combinar temores da vida real com os horrores sobrenaturais, fazendo com que a existência de um esteja intrinsicamente ligada à do outro.

O inferno que os protagonistas enfrentam, são resultado também das culpas, escolhas e pecados que eles carregam e tomar consciência disso talvez seja o primeiro passo pra o tão sonhado recomeço, pelo qual milhares de imigrantes em situação desesperadora passam se martirizam todos os dias.

Como a linguagem proposta, principalmente no segundo ato, se baseia em surrealismo, sonhos e metáforas, o filme talvez não agrade ao publico que prefere uma abordagem mais direta e simplista, porém este é o tipo de filme que faz com que seus significados e entendimentos sejam constatados até mesmo após o seu término.

Nota: 8

Eduardo Juliano é administrador e cinéfilo. Também escreve no Urge :: A Arte nos conforta

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