Entrevista: Pedro Pastoriz jogando “Pingue-Pongue com o Abismo”

por Marcelo Costa

“Vim (de Porto Alegre para São Paulo) sem conhecer ninguém, naquele querer ingênuo de viver de música, atrás de uma novidade. (…) Depois de um ano, numa dieta de água da torneira, banana, pipoca e arroz com ketchup, com 63Kg e com os mesmos 1.88m, eu morava em uma pensão e tinha algumas músicas novas. Já conhecia uns caras que moravam em Perdizes. Fiquei sabendo que eles procuravam alguém pra alugar um quarto na casa deles. Eram os Mustache e os Apaches”, conta Pedro Pastoriz, na entrevista abaixo, sobre a banda que ele passou a integrar e o revelou no cenário da música (e que ele deixou logo após essa entrevista ir ao ar).

Além banda, Pedro mantém uma carreira solo em franca ascensão, que começou com um disco gravado em um take só, “1” (2015), ganhou contornos de banda no segundo disco, “Projeções” (2016), que trazia André Vac na guitarra, o Arthur Decloedt no baixo e Tim Bernardes na bateria, e agora registra uma nova fase, com o excelente recém-lançado “Pingue-Pongue com o Abismo” (2020), que traz Charles Tixier na bateria (no lugar de Tim). “’Pingue-Pongue com o Abismo’ tem muito da produção do Charles e do Arthur, das ideias e conversas que fomos encontrando nos shows, e referências em comum que trouxemos pro estúdio”, revela Pedro no papo abaixo.

“‘Pingue-Pongue com o Abismo’ é um lugar imaginário, uma metrópole de papelão, uma tarde ensolarada numa paisagem cinzenta, um brinquedo sério. Como em seus discos anteriores, Pedro Pastoriz condensa sensações e situações em canções que soam como crônicas, contos ou conversas, que descrevem relacionamentos, memórias e ansiedades”, conta o jornalista Alexandre Matias no release do novo disco – segundo Pedro, Matias participou bastante das ideias fora do estúdio. Na entrevista abaixo, feita por e-mail, Pedro fala sobre a teimosia de lançar o disco em meio a pandemia, crowdfunding, Carl Solomon e a experiência de uma turnê na Alemanha, entre outras coisas. Papo bom!

Primeiramente, eu gostaria de saber como você está passando esse período de pandemia, se você está bem e como toda essa loucura em que se transformou 2020 mexeu com você, afinal lançar um disco novo já não é algo fácil em tempos normais, que dirá nesse caos que estamos vivendo?
Nesses últimos meses tenho aprendido e repensado bastante coisa. Como o público interage com um disco, como pensar um disco, o que é um show, enfim, vejo quase tudo de um jeito um diferente. Comecei a trabalhar nesse álbum assim que finalizei o anterior, e foi um caminho que durou dois anos. Começa com a contribuição dos parceiros que pegaram junto o desafio, Charles Tixier e Arthur Decloedt. Eles formam a banda e também produziram o disco, gravado no Estúdio Canoa, a convite do amigo Gui Jesus Toledo. É um lançamento do Selo Risco, parceria que tinha começado no meu trabalho anterior, o “Projeções” (2016). E no pré-pandemia já tínhamos vários desafios, normais pra quem está acostumado a trabalhar com música autoral: gravar, finalizar, promover e excursionar com um disco novo. Nesse momento eu tinha datas do lançamento e primeiros ensaios já marcados, e tudo parecia mais ou menos tranquilo. Bom, foi tudo cancelado por motivos óbvios. E restou o que pode se chamar teimosia de lançar esse disco. Entrei num processo de financiamento coletivo, e o público que me acompanha pegou junto na ideia. Essa conversa com o público foi a parte mais importante do trabalho. E foi bem atípico, com toda a comunicação nas redes sociais. Antes as redes sociais funcionavam praticamente só pra divulgar os shows, que eram o lugar pra esse encontro com o público acontecer. Ainda assim não vejo a hora de apresentar o show ao vivo, até porquê tenho conversado com pessoas que não me conheciam antes desse disco, que ouvem agora os discos mas nunca assistiram o show.

“Pingue-Pongue com o Abismo” é fruto desse crowdfunding, e eu queria saber como foi essa experiência de trabalhar com financiamento coletivo?
Foi intenso, com emoção. Produzi esse financiamento sozinho. Já tinha lançado o disco anterior por financiamento coletivo também, e acredito nesse formato. Aproxima o trabalho do público, é uma maneira de contar mais do processo, de como foram as etapas, e também de se criar materiais que não existiriam fora desse processo. Como no caso do zine com os diários da gravação, onde eu conto sobre como foram as diárias, de onde vieram as composições, e tem algumas listas de filmes e livros, piadas, desenhos. É uma organização dos diários que eu escrevi no estúdio, nessa época de gravação. Uma outra contrapartida são demos do disco, da fase de pré-produção, gravadas em casa. Já estou na última etapa desse processo, momento de entrega dessas contrapartidas. Abrir o financiamento no início da pandemia me rendeu alguns conselhos pessimistas, talvez bem sensatos, mas só fez aumentar a satisfação de quando recebi a notícia de que tinha sido aprovado. Às vezes ajuda não ter o plano B, e foi a solução pra lançar o disco físico, pôsteres, camisetas, que farão parte da lojinha logo depois de finalizar essa etapa da entrega pras pessoas que participaram do financiamento.

Como “Uivo” e Allen Ginsberg entraram na sua vida e como foi trazê-los, de alguma forma, para o disco?
O “Uivo” talvez seja o maior poema Beat, ou o mais conhecido, e é dedicado pra esse amigo do Allen Ginsberg, o Carl Solomon. Tem uma passagem que diz: “Estou contigo em Rockland / Onde você grita numa camisa-de-força que está perdendo o jogo do verdadeiro pingue-pongue com o abismo”. Eu conheci o livro do Carl Solomon, “De Repente Acidentes”, com 18 ou 19 anos, um pouco antes de vir morar em São Paulo. Tinha começado a morar sozinho, trabalhava em comércio, e fazia bicos em bares, tentando fazer algum dinheiro. Foi uma época tipo aquela carta do Tarot do Enforcado, o cara que vê com clareza um mundo de cabeça pra baixo. E esse livro me marcou, foi a primeira vez que eu reli um livro várias vezes. Ficava andando com ele debaixo do braço por aí. Foi um livro que me abriu pra coisas novas. A vida continuou, dei falta desse livro. Achei o livro em algum sebo, li novamente e não senti o mesmo êxtase, mas foi uma janela pra esse outro período da vida. Reencontrar um livro ou música tem esse poder, de transportar no tempo, pra percepções que tínhamos quando descobrimos aquilo, etc. Quase acabando de reler o livro, recebi a ligação de que minha mãe tinha falecido. Isso foi em Março de 2018. Peguei o primeiro avião pra Porto Alegre e me dei conta quando cheguei por lá, que estava de novo com o “De Repente Acidentes” debaixo do braço, caminhando em Porto Alegre. Muitas associações rolaram. E esse disco fecha alguns ciclos e repetições, não tive muita dúvida, era o “Pingue-Pongue com o Abismo”.

No que as mudanças de sua banda, principalmente com a saída do Tim Bernardes (que tocou no álbum e na turnê do “Projeções”) e a entrada de Charles Tixier, influenciaram na sonoridade de “Pingue-Pongue com o Abismo”? Como você o vê em comparação com o “Projeções”?
O disco anterior teve um cuidado maior na fase de produção em relação ao meu primeiro disco, o “1”. No caso do “1” (2015) eu gravei todo álbum em único take, uma diária. E mais do que tudo eu queria gravar, sem pensar muito nos desdobramentos disso. Convites de show apareceram, consegui cumprir uma ideia de turnê do primeiro disco e parti pro segundo. No “Projeções” eu curtia muito tocar com aquela banda, com o Tim Bernardes na bateria, André Vac na guitarra e o Arthur Decloedt no baixo. Tinha um entrosamento, um senso de humor em comum que rolou fácil com os caras. Mas no caso dessa banda também pensávamos em gravar o disco, e não muito na continuidade daquilo, Tim e o Vac já tinham compromissos com outras bandas. Daí logo que finalizamos as gravações do “Projeções” (2016-17), eu já trouxe algumas músicas novas pro repertório, numa ideia de continuar o trabalho. Os shows continuaram e começaram a rolar trocas na banda, até que o Charles Tixier entrou na bateria e a banda firmou, ganhou um entrosamento interessante com a combinação de MPC e Synths /Baixo/ Guitarra. Ali sentimos que tinha uma cara legal pra um novo trabalho. Em 2018 a gente tinha a ideia de gravar um disco novo, e tudo parou por conta dessa perda inesperada da minha mãe, e fiquei meses depois disso concentrando forças pra conseguir fazer a barba e coisas profissionais do tipo. Em 2019 retomei a ideia, e o som do “Pingue-Pongue com o Abismo” tem muito da produção do Charles e do Arthur, das ideias e conversas que fomos encontrando nos shows, e referências em comum que trouxemos pro estúdio. Foi um processo entre composição, produção e gravação um pouco mais longo.

Como surgiram as ideias das vinhetas? Foi algo no processo que despertou o interesse e levou vocês para esse caminho ou já era uma coisa planejada desde o início?
As sessões de gravação foram espaçadas no segundo semestre de 2019, e em algum momento senti que faltava alguma coisa. Como quem cozinha mesmo, estava faltando algum outro gosto pra equilibrar com essas primeiras músicas. E conversando com um amigo que participou bastante das ideias fora do estúdio, o jornalista Alexandre Matias, marcamos um “Show Teste” no Teatro Centro da Terra em São Paulo. Um pouco pra testar o repertório e ideias que não sabia como iriam funcionar. Esse show foi o primeiro de 26. Tomei gosto e queria repensar mais coisas sobre o repertório, nessa relação direta com o público, que era uma coisa que estava sentindo falta. Lá por 2011/12 com os Mustache e os Apaches, a gente tocava dias inteiros nas ruas, e muito material novo pinta quando tem essa interação viva com o público. Coisas boas ficam pro próximo show, outras vão mudando. Então marquei mais alguns shows teste e a cada novo que eu fazia, mais shows pintavam. Veio o convite de um amigo cantor sueco, Adam Evald, pra abrir 15 shows dele em uma turnê na Alemanha. E eu fui com “Esse show é um teste – Diese Show ist ein Test”. Tinha participações especiais a cada edição, foi ganhando uma cara de show de variedades, com histórias, piadas, etc. Voltei pro estúdio e trouxe bastante ideia nova, algumas que tinham mais a ver com as músicas que já tinham sido gravadas entraram, como as vinhetas. Algumas não entraram, ligações telefônicas e outras coisas que ficaram guardadas.

Me fala mais dessa experiência na Alemanha? Como foi desde o entrave da língua até a percepção do público local e da própria emoção em estar tocando em um país diferente?
Foi uma experiência incrível. Eu gosto de tocar todo dia, acho que traz entrosamento, naturalidade, mesmo tocando sozinho. Esse show de abertura dos shows do Adam Evald, meu amigo sueco que me convidou pra entrar na turnê, foi aos poucos virando uma coisa só. Espero que a gente possa retomar em algum momento esse show conjunto aqui no Brasil. Ele tem um show muito bom, com histórias, conversas e momentos improvisados entre as músicas, e a gente foi bastante pra esse lado. A gente ficou muito íntimo, cruzamos a Alemanha tocando todo o dia, o Adam dirigiu o tempo todo. Em alguns lugares como Munique, Hamburgo e Stuttgart tocamos pra um público de universitários, a recepção foi muito boa. E muita coisa nova pintou desses shows, eu falava todos os textos em inglês, e me senti compreendido. Uma parte da turnê aconteceu em cidades do interior. Na Alemanha parece que existe uma tradição de apresentações caseiras, em salas e jardins, onde cada pessoa traz uma comida, e tu se apresenta pra 20, 30 pessoas que estão confortáveis, atentas, interessadas. E algumas apresentações como em Dresden foram assim, pra pequenos públicos. E a gente quebrava o gelo com essas conversas, com histórias dos shows anteriores e da turnê, e histórias nonsense inventadas sobre o Brasil e a Suécia. Tivemos alguns shows muito inesperados, como em Senden, onde apresentamos em um show beneficente, abrindo uma programação com bandas folclóricas alemãs e um cover italiano do Michael Jackson. Esse foi um dos shows mais engraçados que eu fiz na minha vida, fui pro hotel com câimbras de tanto rir. Ainda tenho o diploma que nos foi entregue, dizendo que contribuímos com o bem estar das criancinhas de Senden. E muita coisa do tipo rolou. Foi foda.

Você ainda está morando em São Paulo? Queria saber como foi essa mudança de Porto Alegre para cá e como você se sente hoje nessa cidade maluca?
Sim, não tô conseguindo curtir o lado bom da cidade nesses últimos meses, mas me sinto bem aqui. Sobre a chegada, vim sem conhecer ninguém, naquele querer ingênuo de viver de música, atrás de uma novidade. Eu era bem teimoso, me ajudou a seguir fazendo planos por aqui. Depois de um ano, numa dieta de água da torneira, banana, pipoca e arroz com ketchup, com 63Kg e com os mesmos 1.88m, eu morava em uma pensão e tinha algumas músicas novas. Já conhecia uns caras que moravam em Perdizes. Fiquei sabendo que eles procuravam alguém pra alugar um quarto na casa deles. Eram os Mustache e os Apaches. Chegando lá eu já tinha o plano feito na cabeça de fazer uma banda de Skiffle com eles, e eles já tinham o hábito de inventar números de improviso pra tocar nos bares. Daí começou a banda. É uma banda bem paulista, conheci muita gente legal a partir daí. Em algum momento vim pro Centro, me apaixonei, fiquei mais realista, e sigo com planos na cidade.

Caetano em sua live causou certa comoção no público ao ter Moreno tocando prato e faca. Como é ter um solo de liquificador e um tocador de taças no álbum? Como essas coisas entram no processo de arranjo?
Queria muito a participação do Tomás Oliveira, meu companheiro de Mustache e os Apaches, que inventou esse instrumento, a Harpa de Vidro. São taças que ele toca com os dedos molhados, e tem um som muito interessante. Gravamos bolhas de sabão, liquidificador e outras coisas do tipo, procurando sons que estavam na cabeça, e quase tudo entrou. Foi bem livre.

“Pingue-Pongue com o Abismo” também tem uma forte ligação com a partida da sua mãe, e achei muito bonito a maneira que você expressou isso para explicar “Alzira” no faixa a faixa que o Tenho Mais Discos Que Amigos publicou. Como era sua relação com ela e como foi lidar com todos esses sentimentos no meio da produção do disco?
Não consegui pensar de forma muito racional e controlada no processo de composição dessas músicas. Muitas das músicas vieram de imagens que tive em sonho, e meu inconsciente traduziu o dia a dia em cenas improváveis. Fui por esse lado. E sei que pessoas que fazem parte da minha história tem dificuldades em ouvir o disco.

O que você está planejando para os próximos meses? O disco saiu e, acredito, você não conseguiu nem fazer shows para mostra-lo. Os clipes, felizmente, estão saindo. O que vem mais por ai? Qual o futuro de “Pingue-Pongue com o Abismo”?
Conforme as semanas foram passando nessa quarentena eu pensei em novas formas de me apresentar, em uma ideia de show, de diálogo com o público a partir da internet. E tenho feito um programa quinzenal caseiro, em uma ideia de show. É o Comitê, tem 10 minutos em média por episódio, misturando coisas que invento na semana, pequenas esquetes, curtinhas em stop motion, músicas em versões caseiras, conto histórias, respondo perguntas do público, etc. O programa já teve 8 episódios, e eu faço tudo no programa, edição, roteiro, filmagem, etc. É uma ideia de “show” que tô curtindo fazer no momento. Participei também de algumas lives, músicais ou bate papos com amigos, e outras virão. Espero que shows presenciais aconteçam ainda nesse ano, estou com saudade de tocar ao vivo.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina o blog Calmantes com Champagne

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