Literatura: “Paz, Amor e Sgt. Pepper: os bastidores do disco mais importante dos Beatles”

Texto por Paulo Pontes

No final de 1966, a maior banda da história do rock decide que não fará mais turnês, abre mão das apresentações ao vivo e se concentra exclusivamente na criação daquele que se tornaria seu mais importante e impactante disco. É para esse momento tão relevante da história da música que somos transportados ao ler as páginas de “Paz, Amor e Sgt. Pepper” (1994/2017). O produtor — e “quinto Beatle” — George Martin nos coloca dentro do estúdio Abbey Road e revela os bastidores da maior obra dos Fab Four.

Relançado no Brasil em 2017 pela Sonora Editora, com 196 páginas e tradução de Marcelo Fróes — que na verdade já havia trazido a obra ao Brasil em 1995 através da editora Relume Dumará —, o livro “Paz, Amor e Sgt. Pepper: Os bastidores do disco mais importante dos Beatles” foi escrito pelo produtor musical George Martin com auxílio precioso do jornalista e historiador William Pearson. Em suma, trata-se de um livro de memórias de quem esteve à frente das gravações do álbum “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band” e viveu intensamente os cinco meses que envolveram sua criação.

George Martin destaca como foi gratificante, porém difícil, realizar as gravações do disco, além de revelar algumas atitudes que tomou juntamente com seus auxiliares, Geoff Emerick e Ken Townsend, para colocar em prática as ideias de cada um dos integrantes dos Beatles, principalmente John Lennon e Paul McCartney. Martin sempre ressalta as limitações técnicas da época — e elas eram inúmeras.

Na obra, o produtor intercala a narrativa dos bastidores de “Sgt. Peppers” com outros momentos da sua carreira ao lado do quarteto de Liverpool. Tudo para demonstrar o progresso musical dos Beatles, ora descrevendo seu primeiro contato com o grupo, ora lembrando-se de alguma gravação contida em outro álbum. Um exemplo é o registro da faixa “Tomorrow Never Knows”, presente no disco “Revolver” (1966), na qual John Lennon queria que o vocal soasse “como se eu estivesse cantando do alto de um vale; quero soar como um monge budista, cantando do alto de uma montanha. Como o Dalai Lama”.

As histórias dos bastidores de músicas como “A Day in the Life”, ‘Lucy in the Sky with Diamonds”, “Good Morning, Good Morning”, “With a Little Help From My Friends”, além da faixa título do disco, são saborosíssimas e valem a leitura, mesmo que para alguns possa ser um pouco cansativo George descrevendo detalhes como, por exemplo, o posicionamento de um microfone, em qual canal da mesa de gravação cada instrumento e voz foi registrado, entre outros pormenores técnicos. Mas vale salientar que George Martin o faz sempre com leveza e certo bom humor, o que torna a leitura fluida, direta e cativante.

O produtor rememora também os bastidores das duas faixas lançadas anteriormente ao disco “Sgt. Peppers”, os dois singles duplo A side “Penny Lane” e “Strawberry Fields Forever”, deixando clara a sua predileção pela segunda, cantada por Lennon. Martin a descreve como “a faixa mais original e inventiva da música pop até hoje”.

É claro que os bastidores da icônica capa de “Sgt. Peppers Lonely Heart Club Band” também aparecem no livro, não podia ser diferente. Os detalhes da fotografia, a busca pelas autorizações de cada personagem presente na arte, os mitos. Eles sabiam que um disco repleto de músicas propensas a mexer com o imaginário das pessoas teria que ter uma capa com o mesmo poder; e conseguiram.

Ao final, “Paz, Amor e Sgt. Pepper” é uma leitura prazerosa, que flui com facilidade e nos mostra, mesmo que não tão profundamente, um pouco da genialidade envolvida no trabalho dos Beatles. Uma leitura que vale a pena não somente para fãs dos Fab Four, mas também aos apreciadores da música em geral. Não é sempre que você terá a oportunidade de se sentir dentro do Abbey Road, em contato direto com a criação de um dos maiores discos de todos os tempos.

**

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash, assina a Kontratak Kultural e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.

PREFÁCIO PARA A EDIÇÃO BRASILEIRA, por George Martin em 1995
Nunca paro de imaginar como é possível que aquela música que os Beatles criaram comigo, há mais de 30 anos, ainda desperte tantas emoções em tanta gente. É claro que fico orgulhoso e agradecido por ter participado daquele conto de fadas, e sei que foi uma sorte para mim trabalhar toda a minha vida com tantos artistas brilhantes. Imagino também que muita gente tenha curiosidade sobre os bastidores daqueles discos, e por isso realizei um especial de televisão a respeito de Sgt. Pepper, que deu uma ideia do que fizemos durante aqueles dias nos estúdios da Abbey Road. Este livro é sobre Sgt. Pepper, mas é também sobre a época extraordinária que possibilitou que tanto talento acabasse coroando um tempo maravilhoso. Ouvir recentemente as velhas fitas de quatro canais — com George, Paul e Ringo — foi uma ótima experiên­cia, que me fez voltar aos nossos tempos com muito carinho e nostalgia. Tenho também um grande carinho pelo Brasil, por sua música e por sua gente. A combinação de ritmos latinos com o jazz sempre me atraiu muito e um de meus primeiros trabalhos como produtor iniciante, na EMI dos anos 50, foram os discos de Roberto Inglez para o mercado sul-americano. Então conheci a Bossa Nova e a gloriosa música de Jobim. Não esperava ter a chance de visitar o Brasil, mas meu sonho de infância realizou-se em 1993. Conheci Marcelo Fróes e a seguir fui convidado a fazer um concerto de músicas dos Beatles no Rio de Janeiro, no Projeto Aquarius. Robertinho de Recife, que liderava a banda que me acompanhou, tornara popular minha “Pepperland”, uma peça feita para o filme Submarino Amarelo. O Coral e as Meninas Cantoras de Petrópolis cantaram como anjos, enquanto músicos maravilhosos davam um emocionante pulsar às canções. As condições do tempo, contudo, revelaram-se um forte inimigo. Mesmo que chegue aos cem anos de idade, jamais esquecerei daquela noite. O calor da acolhida de vocês foi inacreditável. Senti uma verdadeira onda de carinho e amor, não apenas pelos Beatles e por sua música, mas também por mim e por minha família. Um país maravilhoso, com uma gente admirável. Vocês sempre terão um lugar especial em meu coração.

PREFÁCIO original, por George Martin, 1994
Livros sobre os Beatles devem compor uma pilha tão grande hoje em dia que talvez devesse existir algum tipo de lei contra isso. A maioria foi escrita por gente que chacoalhou, espetou, catalogou e criticou a história dos Fab Four sem na verdade ter sido parte dela. Já vi erros em todas essas narrativas.Meu próprio livro pode não ser muito diferente, porque estou me baseando no menos confiável dos recursos: minha memória. Alguém disse certa vez que qualquer um que alegasse lembrar-se dos anos 60, na verdade não pôde ter estado lá. Eu sei exatamente o que quis dizer. Alguns relatos escritos que conheço tampouco são confiáveis: todos olhamos a vida através de nossos óculos de diferentes cores. Portanto, o que segue é uma visão pessoal, baseada principalmente em minhas lembranças particulares.Há alguns anos estava nos AIR Studios com Paul, comentando como nos tornáramos velhos esquisitos. De repente nos vimos discordando de um detalhe insignificante. Eu disse que George fizera algo; “Não, foi o Ringo”, discordou Paul — os dois absolutamente seguros de si. E então caímos na risada. “Meu Deus!”, exclamei, “se não pudermos acertar, quem diabos poderá?” Henry Ford tinha razão quando disse que história é tarimba. Mas então, como diz a música, “it really doesn’t matter if Fm wrong I’m right…” (“na verdade não importa se estou errado, pois estou certo…”).Gostaria de agradecer a muitas pessoas. Se alguém merece o título impossível de “Quinto Beatle”, essa pessoa é Neil Aspinall. Sempre longe dos holofotes, Neil servia fielmente os rapazes desde o início, ajudando-os em suas vidas complicadas. Quero agradecer-lhe por me ter ajudado a navegar naquele mar de advogados, entre os dois lados do Atlântico, quando estava produzindo The Making of Sgt. Pepper para a televisão, em 1992.Esse filme foi o ponto inicial para Paz, Amor e Sgt. Pepper. Devo muito a Rupert Perry, da EMI Records, por ter acreditado no potencial de um programa de televisão que mostrasse ao espectador o processo criativo de um disco especial dos Beatles. Agradeço também a meu co-produtor, Nick de Grunwald, por sua paciência e persistência, e por ter encontrado nosso diretor, Alan Benson, cujo olho talentoso moldou The Making of Sgt. Pepper, filme que ganhou prémios em muitos países. Melvyn Bragg nos apoiou sempre que necessário, e nos garantiu espaço na televisão inglesa, em seu excelente programa South Bank Show. O filme não poderia ter sido feito sem o apoio de Etienne de Villiers, presidente da Buena Vista International. Etienne não só deu sua bênção ao projeto, mas também convenceu a Disney Corporation a bancá-lo.Sendo um quase desconhecido no temido mundo da literatura, criei Paz, Amor e Sgt. Pepper aos arrancos. Devo agradecer a Charles Armitage por me ter convencido de que o livro fosse publicado antes de meu registro no obituário. Muito obrigado a William Pearson, que lucida­mente ativou minha memória com perguntas devastadoras, e me fez trabalhar duro junto com ele. Também apreciei a ajuda e a orientação de nossa editora, Georgina Morley.Em Abbey Road, meu velho chão, meus amigos Ken Townsend e Alan Rouse deram ajuda irrestrita e muito de seu tempo, pelo que lhes sou bastante grato. Mark Lewisohn foi fantástico, ajudando a manter minha memória ligada. Devo muito também a Ann Denvir e a Tommy Hanley, da Apple, por sua ajuda com as ilustrações, e tanto William como eu gostaríamos de agradecer a Andy Davies e a Richard Free por reunir a memorabilia dos Beatles.Mais pessoalmente, minha boa amiga e assistente de longo sofri­mento Shirley Burns deu-me uma força encorajadora. E estaria em maus lençóis sem a ajuda carinhosa de minha esposa Judy, que lembrou e relembrou comigo os altos e baixos, os dias bons e os maus, sempre me fazendo rir quando eu ficava de baixo astral. Finalmente, muito obrigado e todo amor para quatro fascinantes, impossíveis, enormemente talentosos, enfurecedores e adoráveis jo­vens, que mudaram as vidas de todos nós, uns trinta anos atrás. Esta é a história deles. 

Leia também:
Beatlemania no cinema em seis tempos, por Karina Lacerda
– “Os Reis do Iê Iê Iê“, por Marcelo Orozco e Manuela Martini Colla
Beatles, Beatles e mais Beatles, por Marcelo Orozco
A HQ “O Quinto Beatle – Brian Epstein”, por Adriano Costa
A HQ “Baby’s in Black, o Quinto Beatle”, por Adriano Costa
– “O Pequeno Livro dos Beatles”, de Hervé Bourhis, por Adriano Costa
O filme “Eight Days a Week – The Touring Years”, por Marcelo Costa
“Beatles – Antologia”, para iniciados ou não, por Tatiana Tavares
Cinema: “Yesterday” oferece leveza, amor e belas canções, por Marcelo Costa
“Não confie na coletânea ‘1’, dos Beatles”, avisa Alexandre Matias

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.