Em noite histórica, Black Flag enlouquece fãs em São Paulo

Texto por Daniel Abreu
Fotos de Drico Galdino

Formado no final dos anos 70 na Califórnia, o Black Flag é considerado por muitos como umas das principais bandas de hardcore do mundo. Com sete discos de estúdios nas costas, os caras são responsáveis por influenciar um caminhão de bandas que surgiram nos anos subsequentes, como Red Hot Chili Peppers, Metallica, Slayer, Mudhoney e Green Day, para citar algumas. Misturando punk, blues, jazz, heavy metal, free jazz, entre outros estilos, a banda até hoje é reverenciada.

Com mais de 40 anos de carreira, a banda nunca tinha vindo para o Brasil, mas isso teve um fim no último domingo (08) na cidade de São Paulo. Na verdade, o show deveria ter ocorrido no começo de julho do ano passado, mas por motivos que até agora não ficaram muito bem esclarecidos, pelo menos publicamente, o show foi remarcado para o último dia 8 de março. Mas isso não impediu os fãs de comparecerem ao Carioca Club para uma noite histórica.

A ausência do grupo em solo tupiniquim é facilmente explicada. O auge da banda foi nos anos 80, mais ou menos na primeira parte daquela década, com a entrada de Henry Rollins nos vocais em 1981. Até então, a banda havia lançando alguns singles e EPs, mas é com Rollins à frente que o grupo lança os seis discos de sua discografia clássica (três deles paridos em 1984 e dois em 1985). Em 1986, o guitarrista Greg Ginn decide sair da banda, e os demais membros entendem que sem seu fundador, o Black Flag não tinha razão de existir e o grupo encerra as atividades.

De lá pra cá, Greg Ginn reuniu a banda (sem Rollins) em 2003 e tentou uma sobrevida em 2013 com direito a um disco de inéditas, “What The…”, e uma turnê que se encerrou em 2014 com muita confusão nos bastidores (principalmente jurídica). Cinco anos depois, em 2019, o Black Flag anunciou que voltaria para a estrada, e desta vez o Brasil estaria incluso. Na formação, além do (único) membro fundador Greg Ginn na guitarra, o skatista e músico Mike Vallely surge nos vocais acompanhado dos novatos Joseph Noval no baixo e Isaias Gil na bateria.

Com um Carioca cheio, o logo da banda apareceu no fundo do palco, era um sinal de uma noite histórica. O desenho que foi concebido pelo irmão de Greg, Raymond Ginn, talvez seja uma das artes mais icônicas que existem no mundo da música. Pessoas até os dias atuais tatuam as quatro barras, que emulam uma bandeira tremulando, em homenagem a banda.

Com cerca de 40 minutos de atraso, o Black Flag subiu ao palco com “Depression”, música do primeiro disco de estúdio da banda, o clássico “Damaged” de 1981. Mesmo com o atraso, o público enlouqueceu quando Mike Valley começou a cantar os versos da música, “Right here, all by myself, I ain’t got no one else”. O show continuou com mais uma pedrada, “No Values” do EP “Jealous Again”, o segundo lançamento do grupo em 1980 que ainda contava com Ron Reyes como vocalista, um dos tantos caras que fizeram jus ao posto, assim como Mike.

Além de Henry Rollins, que com seu estilo agressivo e maníaco-depressivo de cantar, além de geralmente vestir nos shows ao vivo apenas uma sunga, como se estivesse numa prancha de surfe, marcou época, a banda californiana tem em sua história alguns vocalistas icônicos, como Keith Morris, que depois de sair da banda no fim dos anos 70 fundou o Circle Jerks, outro grupo fundamental do hardcore americano.
Com tanta responsabilidade nas costas, Mike parece entender o legado que o acompanha no posto de vocalista do Black Flag. Ele tem seu próprio estilo, não tenta imitar aqueles que já estiveram no lugar dele, mas mesmo assim parece encaixar e fazer jus a músicas como “Rise Above”, “Six Pack” e “Gimmie Gimmie Gimmie”. Além disso, o cara era simpatia pura. Brincou com o público, cumprimentou os fãs entre uma música e outra, enfim, ganhou aqueles fãs mais desconfiados.

A banda de Greg Ginn tocou por quase uma hora e meia, seguindo o mesmo setlist das apresentações na Colômbia, Chile e Argentina, recheado de músicas dos dois primeiros EPs (“Nervous Breakdown” e “Jealous Again”) e do primeiro disco (“Damaged”). Ver o cara tocando ao vivo é insano. Influenciado por tantos estilos de música, desde a improvisação do free jazz de John Coltrane, passando pelo proto-punk dos Stooges, Greg Ginn tem uma técnica apurada, mas mesmo assim parece tocar de forma simples e descompromissada. Faz sentido ele ter influenciado uma geração de guitarristas que não queriam ser Jimmy Page ou Jeff Beck. Sem falar que ele era outro na banda que era só sorrisos com o público. Antes do show, extremamente simpático, ele estava tirando fotos e cumprimentando os fãs, algo que se repetiu quando a apresentação terminou.

Com uma versão estendida e recheada de improvisos de “Louie Louie”, o Black Flag terminou o show de forma memorável. Mais de quatro décadas de espera que valeram a pena. Com Joseph Noval no baixo e Isaias Gil na bateria, emulando de forma honesta e segura a cozinha que já teve Chuck Dukowski e Robo, essa formação da banda tem como principal objetivo celebrar toda a carreira de um dos gigantes do hardcore.

Depois de uma noite como essa, catártica, resta torcer para que Ginn tenha entendido o amor do Brasil pelo Black Flag e que eles não demorem muito para voltar, ou, quem sabe, o FLAG, banda formada por ex-integrantes do grupo, como Morris e Dukowski, se animem para uma visita. Quem sabe, né?!

– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Whiplash.

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