Boteco: 15 cervejas nacionais

por Marcelo Costa

Abrindo essa série com duas cervejas do 4Pack do clube Ultrafresco (mês dezembro) da cervejaria paulistana Trilha. A primeira delas é a Mangalô, uma Double New England IPA com os lúpulos Mosaic, Galaxy e o experimental HBC472 além de adição de manga. De coloração amarela amplamente turva, juicy com um suco, e creme branco espesso de boa formação e retenção, a Trilha Mangalô apresenta um aroma que oferta uma pancada de frutas amarelas, com manga destacada. É possível perceber também a intensidade da levedura. Na boca, frutado intenso remetendo a manga no primeiro toque e, dai, um oceano de harsh arrasta tudo para a vala dos comuns, atropelando fruta e qualquer outra nuance que a receita pudesse oferecer, e deixando para trás um rastro intenso de amargor e picância, que marcará o traçado da bebida dai em diante (ou seja, aumentará a intensidade conforme o líquido amarelo for descendo a garganta). A textura é cremosa, picante e adstringente. Dai pra frente, a sensação de desiquilíbrio segue em frente, e tudo que poderia resultar numa cerveja incrível acaba num conjunto mediano, que é ok, mas é apenas uma pálida ideia do que poderia ser. No final, manga e harsh. No retrogosto, harsh, picância de levedura, adstringência e manga.

 A segunda do 4Pack do clube Ultrafresco (mês dezembro) da cervejaria paulistana Trilha é a Colheita 19, uma New England IPA que tenta se beneficiar da colheita da nova safra de lúpulos nos EUA para entregar uma cerveja com adjuntos mais frescos ao cliente. Nessa receita, lúpulos Mosaic e Galaxy safra 2019. De coloração amarela turva escura, feia e fora do padrão da casa, com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Trilha Colheita 19 apresenta um aroma que combina delicadas notas frutadas com doçura de lactose (ainda que o rótulo não informe a presença do adjunto) numa paleta aromática que remete a um Yakult rebelde. Na boca, Yakult lupulado no primeiro toque seguido de leve doçura, efervescência de levedura e delicada pêssego. O amargor é comportado (ainda mais perto do desequilíbrio do harsh da anterior), com um harsh levezinho que não chega a incomodar. Já a textura sobre a língua é intensamente picante, mostrando uma aspereza que pode passar batido pelo bebedor. Dai pra frente, uma NE IPA abaixo do padrão da Trilha, com defeitos aparentes, mas muito mais bebível do que a anterior, que requeria mais dedicação e coragem. Essa até desce macia com um final doce e levemente picante. No retrogosto, iogurte e Yakult.

De Minas Gerais para Valinhos, no interior de São Paulo, com mais um da cigana Mafiosa, que produz suas receitas em Várzea Paulista, na fábrica da Dádiva. As duas próximas são da série Leave The Gun, de cervejas sobremesas inspiradas na fala clássica do filme “O Poderoso Chefão”, série que foi aberta com a maravilhosa RIS Leave The Gun, Take the Cannoli, e que segue agora com a Double Milk Stout Leave The Gun, Take the Giandúia, que recebe adição de avelã, chocolate e lactose. De coloração marrom escura, praticamente preta, e creme bege de ótima formação e retenção, a Leave The Gun, Take the Giandúia apresenta um aroma delicioso que remente a Amandita, com o avelã perfumando o ambiente e tomando conta de toda paleta aromática, deixando um pequeno espaço para os 8.4% de álcool, que dão as caras de maneira sutil. Na boca, avelã no primeiro toque, com sugestão de chocolate ao leite na sequencia, e álcool bem sutil. O amargor é muito mais comportado do que os 60 IBUs descritos na lata sugerem, e a textura é sedosa. Dai pra frente, um conjunto saboroso, com o avelã se destacando de maneira incrível. No final, avelã e álcool sutil. No retrogosto, calor alcoólico, chocolate e avelã.

A segunda da turma de Valinhos é a Mafiosa Leave The Gun, Take the Tiramisú, uma Double Milk Stout que recebem adição de lactose, café, cacau e baunilha. De coloração marrom escura, praticamente preta, e creme bege de ótima formação e retenção, a Leave The Gun, Take the Tiramisú apresenta um aroma com delicada sugestão de café em destaque sobre uma base de cacau. Ainda é possível perceber levemente sugestão de nozes e de baunilha, além dos 8.4% de álcool, que dão as caras suavemente – principalmente quando a cerveja aquece na taça. Na boca, maior equilíbrio entre cacau e café desde o primeiro toque, que surge dividido. Essa divisão é exibida na sequencia, com a baunilha aparecendo com bastante suavidade, e o álcool não incomodando nem um pouquinho. Assim como na anterior, o amargor é muito mais comportado do que os 60 IBUs descritos na lata sugerem, e a textura é sedosa. Dai pra frente, um conjunto bastante equilibrado entre café e cacau, com a baunilha sutil dando um belo colorido. No final, café e cacau. No retrogosto, mais café, menos cacau e leve amargor residual.

Do interior de São Paulo para Belo Horizonte, em Minas Gerais, com mais duas cervejas do clube MadLab, da Wäls, abrindo (após duas boas Pastry Stouts da Mafiosa) com um arremedo do estilo, pois a receita base lembra exageradamente uma Belgian Dubbel, o que foge completamente da ideia original das “Pastrys Stouts”. A receita recebe adição de baunilha e lactose, e a ideia da casa foi tenta emular o clássico doce de leite mineiro. De coloração marrom escura, ainda que translucida nas bordas, e creme bege de boa formação e retenção, a Wäls MadLab Dolce traz sugestão de caramelo tostado no aroma com leve presença de café e também de açúcar queimado. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque seguida de leve sugestão de chocolate amargo e de café além de açúcar queimado e caramelo tostado. O amargor bate os 40 IBUs, sendo mais acentuado do que espera de uma receita que busca emular doce de leite. Já a textura é leve e picante, deixando a desejar no quesito cremosidade. Dai pra frente, a sensação é de uma boa Belgian Dubbel condimentada, o que não tem nada a ver com a proposta. No final, caramelo tostado. No retrogosto, mais caramelo tostado e açúcar queimado. Decepção.

A segunda do clube MadLab, da Wäls, exibe outro equivoco de denominação: a White Coffee Dubbel é uma Double Belgian Blonde que recebe adição de baunilha, café de torra arábica, uva passa e coco, ou seja, corretamente é uma Belgian Strong Ale e não uma Belgian Dubbel, como o nome se equivoca e confunde o bebedor. De coloração amarela dourada levemente translucida com creme bege claro quase branco de boa formação e retenção, a Wäls White Coffee Dubbel apresenta um aroma com muito café em destaque além de percepção de doçura de caramelo e sugestão de banana e frutas cristalizadas. Na boca, a banana chega antes no primeiro toque e é atropelada na sequencia pelo café, que domina completamente o paladar – é possível sentir a doçura de caramelo e baunilha bem de leve. Os 35 IBUs de amargor adiantados pela casa parecem excessivos, pois a doçura do conjunto impera e faz imaginar, com boa vontade, uns 10 IBUs. A textura é suave e levemente picante (de álcool, 8.3%). Dai pra frente, uma boa Belgian Strong Ale com café sacrificada numa denominação equivocada. No final, café e banana. No retrogosto, mais café, doçura e frutas cristalizadas.

De Minas Gerais para Itupeva, no interior de São Paulo, casa da cervejaria Blondine, que retorna ao site com duas novidades. A primeira delas é a Hallo, uma rara Berliner Weisse brasileira pura, sem adição de frutas ou sucos para amaciar a acidez (tradicional do estilo berlinense). De coloração amarela palha com discreta turbidez e creme branco de boa formação e rápida dispersão, típica do estilo, a Blondine Hallo apresenta um aroma que remete a padaria, com sugestão de pão e fermento em destaque. Ainda é possível perceber sutilmente a acidez (grande marca do estilo) e também derivados campestres, como feno e palha. Na boca, acidez leve em meio a azedinho no primeiro toque, que ganha intensidade na sequencia, sem assustar demais paladares desavisados. O álcool é baixinho (3.8%), amargor não entra aqui (em território dominado pela acidez e pelo azedume) e a textura é levemente frisante. Dai pra frente, uma Berliner bastante provocante e agradável, que combina com o calorão brasileiro. No final, acidez e salivação. No retrogosto, mais um tiquinho de adstringência e de refrescancia. Boa!

A segunda da cervejaria Blondine também é a segunda da linha Tropical Catharina Sour a passar por aqui: primeiro foi a Jabuticaba, agora é a vez da Cajá, uma cerveja de coloração amarela mais para o dourado do que para o palha (embora apresente as duas nuances) e creme branco de média formação e rápida dispersão (tradicional do estilo). No aroma, frutado sutil remetendo a cajá e sugestão amena de acidez, mais comportada do que na versão com jabuticaba. Na boca, cajá bem leve no primeiro toque, e com a mesma leveza marcando a sequencia de um perfil bastante leve, quase um suquinho de cajá com pouco álcool (3.8%) e o azedume tradicional da fruta – nem tanto assim também. Amargor não tem vez aqui, e a textura é leve com quase nada de frisância e picância. Dai pra frente, a sensação de suco de cajá azedinho permanece, e vai até o final… azedinho. No retrogosto, azedinho e refrescancia.

De volta à capital paulista com três cervejas produzidas no taproom da Dogma, no bairro de Santa Cecilia. A primeira é a Murk, uma American Pale Ale que destaca a combinação de lúpulos Calista, Ariana e Citra. De coloração amarela, turva, juicy como um suco de laranja, e creme branco espesso de bela formação e longa retenção, a Dogma Murk apresenta um aroma que combina deliciosas notas frutadas cítricas (laranja lima, lichia e tangerina) com leve sugestão mineral e de anis. Na boca, o frutado cítrico chega completamente límpido no primeiro toque como se o bebedor estivesse pegando uma laranja do pé. Na sequencia, mais frutado cítrico, leve mineral e a sutil presença de sugestão de anis, que dá um colorido delicado ao conjunto, sem tirar o brilho cítrico. O amargor é comportado para os 50 IBUs adiantados pela casa (carrega um pouco na garganta conforme a lata vai “secando”, mas nada que atrapalhe o drinkability) e a textura, cremosa e picante. Dai pra frente, uma APA incrível, de baixo álcool (4.9%) e muito sabor. No final, laranja e casca de laranja (principalmente após “descansa-la na língua). No retrogosto, laranja, tangerina e anis.

A segunda da série é a Dogma Lux, uma New England IPA fermentada com a levedura exclusiva Vermont Spirit. De coloração amarela turva, juicy como um suco de laranja, e creme branco espesso de boa formação e retenção, a Dogma Lux apresenta um aroma espetacular com notas frutadas cítricas remetendo a suco de laranja, manga e também lichia num perfil bastante tropical. Há sutil remissão a doçura e condimentação. Na boca, frutado tropical saboroso remetendo a laranja que se abre de forma sutil acrescentando manga e doçura mediana. O amargor é baixo (na casa dos 25 IBUs), a textura é pinicante e frisante. Dai pra frente, com uma (várias) mãozinha(s) da levedura, a condimentação toma a dianteira deixando o frutado cítrico na retaguarda enquanto risca céu da boca e desce garganta abaixo. Ainda assim, o final começa docinho, e vai ficando deliciosamente torto. No final, condimentação suave marcando presença e carregando o palato para o retrogosto, que ainda recebe frutado tropical, doçura e resina delicada. Deliciosa!

Fechando a série com a terceira Dogma, e uma porrada que atende pelo nome Pineapple Dream, uma Double IPA com abacaxi e 10% de álcool produzida no taproom da cervejaria na Santa Cecilia. De coloração dourada com creme branco espesso de boa formação e longa retenção, a Dogma Pineapple Dream apresenta um aroma com abacaxi altamente perceptível, e álcool praticamente nulo (apesar de seus 10%!). Há, ainda, remissão a frutas amarelas e também leve toque de anis. Na boca, doçura e abacaxi praticamente juntos no primeiro toque seguidos de mais abacaxi, algo como uma calda, meladinha e adocicada, e leve percepção da pancada alcoólica. O amargor deve bater na casa dos 60 IBUs, embora ninguém perceba muita coisa com o abacaxi e esse álcool todo inebriando a atmosfera. A textura sobre a língua, porém, é quase uma calda de abacaxi alcoólica, “fritando” álcool – aqui se percebe o que o paladar normalmente deixa passar. Dai pra frente, uma Double IPA incrível, pancada, frutada, deliciosa e altamente alcoolica. No final, abacaxi e “calorzim”. No retrogosto, mais abacaxi… e alegria. Cuidado. : )

Trilha Mangalô
– Produto: Double New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3.19/5

Trilha Colheita 19
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3.32/5

Mafiosa Leave The Gun! Take The Giandúia
– Produto: Double Milk Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.4%
– Nota: 3.70/5

Mafiosa Leave The Gun! Take The Tiramisú
– Produto: Double Milk Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.4%
– Nota: 3.67/5

Wäls MadLab Dolce
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3.00/5

Wäls MadLab White Coffee Dubbel
– Produto: Belgian Dubbel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8.3%
– Nota: 3.25/5

Blondine Hallo
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.8%
– Nota: 3.40/5

Blondine Tropical Cajá
– Produto: Catharina Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.8%
– Nota: 3.26/5

Dogma Murk
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 4.01/5

Dogma Lux
– Produto: New Engladn PA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7.2%
– Nota: 4.00/5

Dogma Pinneaple Dream
– Produto: Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 4.01/5

Leia também
– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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