Projeto Tanto Mar: Troá entrevista Linda Martini

por Rafael Monteiro

Com mais de 15 anos de música, turnês bem sucedidas e elogios da crítica especializada, a Linda Martini é uma dessas bandas que podem ser consideradas referência quando pensamos na produção moderna da música portuguesa. Apesar da longa estrada, o quarteto lisboeta ainda se mantém inquieto e produtivo. Em 2018 lançou seu quinto álbum de estúdio (sem contar uma coletânea delicada encartada na revista Blitz), o homônimo “Linda Martini”, e recentemente anunciou que está trabalhando no próximo disco.

O conjunto português foi entrevistado pelas cariocas Troá, uma das bandas mais interessantes da nova safra do cenário independente do Rio de Janeiro. A banda, na verdade uma dupla, é formada pela baterista Manuella Terra e pela baixista/ multi-instrumentista Carolina Mathias e acabou de lançar seu primeiro álbum, o excelente “Eu Não Morreria Sem Dizer”, via PWR Records, um disco que mostra uma sonoridade que vai do blues rock ao triphop.

O Linda Martini já é conhecido dos leitores do Scream & Yell. Publicamos uma entrevista de Pedro Salgado em 2013, eles foram citados numa coluna do editor, Marcelo Costa, em 2015, e, neste ano, integraram o projeto Roque da Casa, de Bruno Capelas. Ainda assim, apesar de estarem em momentos bem distintos da carreira musical, os dois grupos tem mais em comum do que poderíamos supor ao analisar apenas suas biografias. Assim como a já veterana Linda Martini, a dupla carioca tem como marca registrada os arranjos intensos e viscerais e a busca por caminhos que fogem do óbvio.

Nas respostas abaixo, os quatro integrantes da Linda Martini resolveram participar engrandecendo a conversa. Pedro Geraldes (guitarra e voz), André Henriques (voz e guitarra), Cláudia Guerreiro (baixo e voz) e Hélio Morais (bateria e voz, também integrante da PAUS) falaram sobre o processo de composição, inspirações das letras e até a influência de outras manifestações artísticas neste terceiro capítulo do projeto Tanto Mar. Segue o bate papo:

Vocês trabalham convenções e rítmicas variadas de uma maneira muito interessante. Como é o processo de formulação dos arranjos de vocês?
Pedro – O nosso processo de composição vive, por um lado, de uma abordagem muito intuitiva, numa procura de entrecruzarmos cada um dos nossos instrumentos de uma forma que nos pareça interessante. Contudo, também é bastante pensado e discutido, visto que, a grande maioria das vezes, é feito a quatro cabeças na nossa sala de ensaios e passa pela troca de ideias num processo de tentativa e erro até chegarmos a um resultado final. Talvez esta forma de compor contribua para que algumas das nossas soluções não sejam as mais óbvias, mas é algo que não é premeditado. Acaba por nascer da vontade de nós quatro querermos sentir entusiasmados com a música que fazemos e de procurarmos trazer algo de novo a cada pequeno momento que vamos acrescentando às nossas composições.

As letras são bastante viscerais e conectam com sentimentos que são gerais no imaginário de jovens adultos e adultos, além de todas terem uma identidade muito clara. Quem geralmente escreve as letras e como é o processo de composição de vocês?
André – Sou eu. Normalmente as letras surgem no final, salvo algumas exceções. Temos um instrumental muito intrincado, onde muitas vezes as duas guitarras e o baixo desenham melodias diferentes. Prefiro trabalhar a voz e a letra quando o instrumental já está maduro. Assim já sei que espaço tenho e o meu trabalho é complementar a canção, passar para as palavras a emoção que os instrumentos me transmitem. Muitas vezes a letra e a melodia surgem simultaneamente. Estou ouvindo a gravação do ensaio e cantando por cima e alguma frase, palavra ou ideia me chama a atenção. A partir daí é tentar perseguir a ideia e tentar realizar todo o seu potencial.

Os cenários que vocês trabalham nas letras são bastante múltiplos e densos. Vocês têm referências imagéticas específicas, seja de histórias, filmes, pinturas? Como outros tipos de arte interferem no trabalho musical de vocês?
André – O cinema e a literatura podem ser inspiradores, assim como outras artes visuais e performativas, mas a inspiração pode vir de qualquer lugar. Às vezes da mais simples conversa de café ou de uma notícia no jornal. Muitas vezes são expressões ou palavras que ninguém liga e que me prendem. Por exemplo, em Portugal chamamos “mulher a dias” às empregadas domésticas e ninguém aqui questiona esse nome, mas uma vez ao pensar nisso reparei na ironia – mulher a dias – como se ela só fosse mulher em alguns dias. É um trabalho constante, quando menos esperas encontras algo que te faz ter vontade de escreve.

Qual a motivação pra a capa do disco mais recente de vocês? A gente achou linda.
Cláudia – E acharam muito bem, porque é mesmo a Linda (Martini) que lá está representada. Decidimos que este disco seria homónimo e que nesse caso apenas faria sentido usar uma foto dela na capa. A Linda Martini é uma amiga italiana do Pedro, a quem, há 16 anos, pedimos emprestado o nome e finalmente decidimos revelar ao mundo quem ela é. Na capa está uma cópia a óleo de uma fotografia que lhe foi tirada há cerca de 6 anos. Geralmente sou eu que faço as capas, mas neste caso decidimos que seria uma equipe de designers amigos nossos (os Dobra) que tratariam de todo o artwork. E decidimos muito bem!

Agora uma pergunta mais social: a ida de artistas brasileiros para Portugal nos últimos anos tem interferido na cena alternativa da arte e da música no país?
Hélio – Eu tenho sentido uma energia muito boa. Sou parte do HAUS, espaço multidisciplinar gerido pelos PAUS, e quer via-agenciamento, quer via estúdio de gravação, ou mesmo nas salas de ensaios, a quantidade de artistas brasileirxs que nos têm procurado é enorme. E é algo que me agrada bastante, porque se criam pontes, aprende-se outra forma de fazer e estar na música. A partilha gera coisas boas. Olhas para a forma como xs outrxs operam e refletes sobre a tua. Para mim, isso é a base da evolução. O questionamento e a reflexão. E daí têm saído também inúmeras parcerias. Assim de repente consigo lembrar-me d’O Terno e Capitão Fausto, dos PAUS com Kastrup, Dinho (Boogarins), Maria Beraldo, Edgar e Grassmass, dos Boogarins com Capitão Fausto, Legendary Tigerman e PAUS. E por aí adiante.

– Rafael Monteiro (fb/rafael.monteiro.7902) é professor, músico e responsável pelo Projeto Tanto Mar.

PROJETO TANTO MAR:
01) Terceiro Mundo Bom (Brasil) entrevista Tipo (Portugal)
02) Mini Box Lunas (Brasil) entrevista Madrepaz (Portugal)

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