Faixa a faixa: “Caroço”, Abacaxepa

Introdução por Assucena Assucena

Caroço é signo de vida e morte; de princípio e fim, simultaneamente. Dualidades inseparáveis do caráter da semente. Talvez metáfora de outros binômios até duma cancerígena conotação. “Segredo que morre semente”, mas se morre semente, há de se ter um segredo muito bem guardado, pois ali subjaz a vida. Caroço é palavra, e também o jeito popular e poético que o sertão encontrou para cantar esse mistério. Contraditoriamente, “Caroço” é o nome do primeiro álbum da Abacaxepa, a banda que tem o “abacaxi de fim de feira” por nome, a fruta sem caroço, mas coroada. Eis a criação: misturar abacaxi, mais xepa, mais caroço.

Me encantei, a priori, pela imagem de uma banda composta por meninas e meninos, e que trazem uma beleza radical do humano quando de cara a androginia é zelada nos lábios, nos olhos, no corpo, na voz, na sexualidade talvez, apesar disso não vir ao caso agora. A imagem foi um encanto, mas a música, a música é de arrebatar. Abacaxepa é um grupo que se encontrou artístico musicalmente na Escola Superior de Artes Célia Helena, em São Paulo. Traz à tona um trio de vocal poderoso, Carol Cavesso, Bruna Alimonda e Rodrigo Mancusi, além de serem compositores de mão cheia, são consciente das notas e das declarações melódicas que o grupo propõe. A divisão de vozes exala modernidade, longe de uma harmonização cafona, o trio timbra pra valer, além da beleza e personalidade de cada canto.

Na instrumentação vem um quarteto sensível à canção: Juliano Veríssimo (bateria e percussão), Ivan Santarém (buitarra e violão), Fernando Sheila (baixo), Vinícius Furquim (teclado). A canção brasileira requer de qualquer músico, uma sensibilidade aguda com a palavra. Não adianta apenas o virtuosismo técnico harmônico e rítmico, há de se entender a onda marota e cantada que ecoa da boca. Parabéns menines, vocês são genuínos cancioneiros populares e ainda tiveram o privilégio de ter o auxílio luxuoso de Ivan Gomes, que assina a produção do álbum.

Escrevo esse texto, sabendo que “Caroço” é um mistério que ainda não decifrei, é ironia, rock e paródia: “Meu bem você me dá afta na boca”. Quem ousa tocar em uma canção de Rita, senão para fazer jus à sua obra? E fizeram. “Caroço” começa com sabor, com rock, com ironia, romance e paródia: “Eu vou comer um abacaxi azedo pra lamber a tua boca”. Depois daí existe um abismo poético a ser desvendado, que vai do câncer rock-manguebeat-brega-bossa-nova sonoro, ao remédio de “um povo que reza e não sabe que o efeito é colateral”.

A canção popular brasileira tem dimensões continentais, que de tão vasta se reinventa engolindo as sonoridades que nos atravessa de fora pra dentro. Abacaxepa apresenta um mosaico colorido à brasileira desse planeta sul-americano. Pós-tropicália, só um gênero daria conta daquilo que seria indefinível por conter tantos ritmos em si, por ser um caldeirão pós-moderno de sonoridade, a MPB. Abacaxepa nos apresenta um disco de Música Popular Brasileira, e que disco senhoras e senhores!

Faixa a faixa: “Caroço” comentado pela banda Abacaxepa

“Abacaxi Azedo” é a faixa piloto do álbum. Com um tom escrachado e de maldade, ela funde amor e ódio, o doce e o azedo, ora num dance rock, ora num sambinha malaco. Ela praticamente caminha por tudo q acontecerá no disco: o escracho, a irreverência, a sofrência e o balanço. Abacaxi Azedo tem como compositores Bruna Alimonda, Fernando Sheila e Ivan Santarém.

– “Olhos da Cidade” é a segunda faixa do álbum “Caroço”. A canção fala sobre a necessidade e saudade inevitável de estar perto do mar. A composição é uma parceria entre duas recifenses Bruna Alimonda (vocal) e Luiza Raboni, amiga da banda e grande compositora. A rotina das megalópoles pode levar a uma grande confusão mental e essa musica representa esse manifesto. A sonoridade da canção se apresenta como uma das faixas rock n roll do álbum.

– “Xepa” foi criada num dos ensaios da banda, onde o encontro de um riff de guitarra e um acontecimento do cotidiano acabou nesse repente elétrico. Uma musica de composição coletiva – apesar da letra ter sido escrita por Rodrigo, Bruna e Carol – que propõe contar essa historia de uma tarde na xepa com um arranjo irreverente e agudo, e com sua acida narrativa poesia.

– “Piracema” é o primeiro single lançado do álbum “Caroço” e o segundo clipe da banda. Piracema é o nome dado ao período de reprodução dos peixes, onde eles se deslocam até locais mais seguros pra poderem desovar, e muitas vezes esse deslocamento os leva a ter que atravessar correntezas e arriscar as próprias vidas em função disso. Esse foi o nome escolhido para intitular a canção porque ela se trata de um romance que testa a zona de conforto, testa os riscos e as certezas, não necessariamente numa relação entre duas pessoas. Só é possível surpreender-se completamente despido de todas as certezas. Essa canção foi escrita por Bruna Alimonda, Carol Cavesso e Rodrigo Mancusi, tendo a primeira proposta harmônica feita por Ivan Santarém.

– “Pimenta” nasceu de uma inconformação, de uma revolta íntima e sarcástica perante o viver, fazendo menção às vivências pessoais em relação à conduta social. Esse discurso vem vestido num ritmo que brinca com o funk carioca, o rock e o samba-canção. É composta por Carol Cavesso, Bruna Alimonda e Fernando Sheila.

– “Semente Cadáver”, sexta música do álbum, é considerada pela banda uma das músicas de maior importância de “Caroço”. Além de ter sido a música que influenciou a escolha do nome do álbum, ela traz uma letra densa, uma melodia e harmonia dramática e um arranjo intenso porém dançante, representando um caminho/resultado de composição das músicas desse primeiro disco. “Semente Cadáver” é uma poesia do livro “Elas Estão Quietinhas”, de Liana Ferraz, uma grande escritora e amiga da banda. A música nasceu da vontade de Rodrigo Mancusi (vocal) de dar voz a esse texto. Compôs a melodia e harmonia e apresentou a Liana, que disse estar realizando uma grande vontade de ver sua escrita virar canção.

– “Crudo”, que tem em seu nome o sentido da palavra “cru“, nasceu literalmente no meio do mato. Desnuda e repentina, a música fala sobre a falta de pertencimento perante a vida em sociedade longe da natureza e o encantamento da sensação de respiro de olhar para um arredor verde. Partindo dessa ideia do cru como algo sem tanto requinte, a música foi processada em gravador analógico de fita, contrapondo assim a toda sonoridade proposta pelo resto do álbum e trazendo a referência do que fomos e do que seremos. Letra por Bruna Alimonda e música por Ivan Santarém.

– “Por Enquanto É Chuva” foi a primeira composição da banda e a canção que alavancou o trabalho autoral. No entanto, foi também uma das últimas a ser finalizada, justamente por ter acompanhado todo o processo de amadurecimento coletivo. Ela traz melancolia, saudade, explosão. Ela aponta o dentro e o fora de um sentimento, ou de um conjunto de sentimentos. É composta por Carol Cavesso e musicada por Abacaxepa e Ivan Gomes.

– “Picadinho” conta a perspectiva da parte abandonada do fim de uma história de amor. Fragmentações melódicas e vocalizadas brincam em fazer referência ao movimento artístico vanguardista, o cubismo, trazendo à tona o sentimento de rompimento e desamparo. Em contraponto a um canto de desespero, a música é regida por um bolero / brega, afinal, toda tristeza pode e deve ser dançada. Letra por Bruna Alimonda e música por Ivan Santarém.

– “Remédio pra Gente Grande”, última música do álbum e segundo single pré álbum, nasceu em meio a digestão de notícias indigestas, da observação das relações mal estabelecidas e da reflexão de acontecimentos entristecedores. Nasceu da inconformidade de sentir-se angustiado, olhar para os lados e ver tanta indiferença, comodidade e aceitação da realidade. A composição é de Rodrigo Mancusi, um dos vocais, e Ivan Gomes, produtor musical do álbum “Caroço”.

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