Entrevista: A nova fase de Aíla

entrevista por Renan Guerra

A cantora paraense Aíla está preparando seu terceiro disco, o sucessor do elogiado “Em Cada Verso um Contra-Ataque” (2016), e para isso escolheu novos processos de produção. Ela lançou o single “Treme Terra” recentemente, está em ensaios para um novo show e segue produzindo outros singles que devem sair logo, logo. A ideia da artista é realmente buscar outros formatos e novas formas de comunicação popular, para assim formatar um disco mais vivo, construído de forma mais ousada e com mais espaços para testes e experimentações.

“Treme Terra” é uma parceria de Aíla com João Deogracias e o músico pernambucano Barro. A faixa ganhou um clipe dirigido pela própria artista ao lado de Roberta Carvalho, que explora de forma forte as cores e as vibrações típicas do tecnobrega. Esse novo som é classificado pela própria artista como “pop-brega-eletrônico” e segue numa trilha já aberta pelas explorações sonoras de “Em Cada Verso um Contra-Ataque”, disco que lhe deu projeção nacional ancorado em canções como “Lesbigay”, “#Nãovoucalar” e “Tijolo”, entre outras.

Baseada em beats eletronicos, percussão e muitos sintetizadores, essa nova fase de Aíla busca seguir uma intensa viagem pelos gêneros populares e periféricos do Norte. Para entendermos mais sobre esse momento, conversamos com Aíla via Whatsapp, enquanto a artista trabalhava em seus ensaios do novo show. No bate papo, claro, falamos sobre o Pará, São Paulo, a política nacional, os incentivos culturais e a arte brasileira. Confira:

Dessa vez você está trabalhando um novo processo de lançamento e de construção do seu disco: você lançou um single, vai estrear o show e prepara outros singles mais para a frente. Como surgiu a ideia de experimentar esse processo?
Eu gosto de me mover, sair do lugar. A ideia com esse novo single era a de experimentar mesmo: novos formatos de produção musical, fazer quase tudo em casa, experimentar novos sons, novos cruzamentos de referências, adentrar os ritmos periféricos do brasil: arrocha, pagodão baiano, tecnobrega… “Treme Terra” é o resultado de tudo isso, e a ideia é lançar até o final do ano uma série de singles, que apontam nessa direção mais pop do meu trabalho, como “Lesbigay”, parceria minha com Dona Onete, do meu último disco, pop porém sem perder a essência de cutucar o pensamento (risos). A nova turnê é um espaço de experimentação também, tirei a bateria e a guitarra do show, que durante a última turnê, sempre foram protagonistas dos arranjos, davam essa “pegada rockeira” pro show (que eu amo!), porém agora queria arriscar novos resultados: beats eletronicos, percussão e muitos sintetizadores. Acho que o processo de construção do novo disco já começou, tudo faz parte do que virá.

Essa exploração de gêneros mais pops então será o norte dos próximos lançamentos? Você já está produzindo os próximos singles ou eles serão construídos conforme o processo for acontecendo?
Acho que o norte para os próximos singles é esse diálogo com ritmos pops que surgem na periferia, e que são a cara da música pop brasileira também. Mas para além disso, além do som, a ideia é ter feats desde as composições, como “Treme Terra”, que é um feat com o Barro e o João Deogracias, ambos nordestinos do meu coração, até na hora da gravação, vamos ter participações especiais nos próximos singles, e o que posso adiantar é que são flertes com artistas que super dialogam comigo, seja na origem (Pará), seja nas causas (LGBT, feminismo…) seja no amor que liberta. Já tô pré produzindo o próximo single, quero lançar entre agosto e setembro!

Você está produzindo esses singles em São Paulo ou em Belém? E falando nisso, como as as duas cidades te inspiram e te tensionam de alguma forma?
Essa conexão Belém-São Paulo é sempre inspiração pra mim, dois extremos que revelam muito do Brasil. Eu adoro ter nascido na Terra Firme, uma das maiores periferias de Belém, e hoje estar em São Paulo, conectando a minha arte com o resto do país. É difícil estar no Norte e conseguir circular, precisei me mudar de Belém para alçar novos caminhos mesmo, ir além. São Paulo me mostrou muito do que eu não conhecia, as coisas chegam sempre primeiro por aqui, e quando se fala em arte, essa sensação é ainda maior. Eu sinto falta do ar de Belém, do oxigênio, da mata, da comida, do verde, do calor. Mas por outro lado, Sampa reverbera a minha música para além do Norte, e isso é importante também. Meus novos singles revelam um pouco disso, esse cruzamento de referências. Tenho produzido essa primeira leva de músicas por São Paulo, mas quero ter um feat “bem Pará” em uma das novas músicas, aguardem que vem coisa boa já, já!

Falando em sua música reverberar para além do Pará, o “Em Cada Verso um Contra-Ataque” já está completando três anos de lançamento. Como você enxerga esse trabalho hoje em dia? Ele te levou a muitos lugares e se conectou a muitas pessoas, não?
Sim, esse disco foi muitíssimo especial, é um álbum onde me coloquei também como compositora pela primeira vez, falei tudo que queria, é um disco que foi feito com muita vontade de mover as coisas, de escancarar, de debater, de fazer dançar e pensar. Circulamos bastante com ele, e sinto que a mensagem chegou forte em muitas pessoas, isso é então bom, perceber que as pessoas se conectaram com a sua obra, que aquilo fez/faz sentindo pra alguém. Eu amo esse álbum, e tudo o que ele me trouxe.

No “Em Cada Verso” você tinha o apoio da Natura Musical e nesses novos lançamentos você tem o patrocínio da Vivo, via Lei de Incentivo à Cultura Semear, Fundação Cultural do Pará e Governo do Estado do Pará. Num momento em que o governo federal vem questionando a legitimidade dessas leis de incentivo e busca cada vez mais cercear o que pode ou não ser produzido, acho fundamental que a gente fale sobre a importância desses subsídios, não?
A arte é um bem comum. E o estado tem o dever de incentivá-la por vários meios sim, seja por leis de incentivo, seja por fundos de cultura, bolsas artísticas, ou por qualquer outro caminho legítimo. Os países mais desenvolvidos do mundo entendem a arte como um dos seus maiores bens, um vetor de transformação social, de significação daquele lugar, daquela história, daquele momento, daquelas pessoas. Cercear a produção artística brasileira, querer frear vozes, formas de pensar, visões diversas de mundo, é obviamente um grande equívoco. Ninguém segura a arte. A arte é uma necessidade, uma força humana que sempre existiu, e sempre existirá. A arte é também a marca de uma civilização.

Você fala em “arte como um vetor de significação daquele lugar” e você acabou se tornou uma das vozes de uma nova cena que reverbera a cultura paraense para o Brasil, de diferentes formas, e isso é algo bastante importante…
Fico bastante feliz em ser hoje uma dessas vozes. Eu nasci em uma periferia de Belém. Minha arte reverbera a Terra Firme, reverbera a garra e a coragem de um povo do Norte que não desiste fácil. Sou de uma geração inquieta, que quer transformar, mudar as percepções sobre a Amazônia, sobre a música que vem do Pará. Eu, particularmente, quero mostrar um Norte que faz dançar, mas que é consciente, que pensa, que move as coisas do lugar. E esse é só o começo.

Neste primeiro single, “Treme Terra”, você fez a direção do clipe ao lado da Roberta Carvalho, que é sua esposa. Ela já havia trabalhado também na sua turnê. Como funciona essa relação de troca profissional entre vocês?
Sim, esse é o primeiro videoclipe que eu assino a direção. E que bom que assino ao lado de Roberta, nós temos uma troca intensa na vida e no trabalho. Estamos sempre atentas, uma a outra. A Roberta é uma grande artista visual, com um trabalho premiadíssimo. Ela já fez a direção de arte e design de vários trabalhos meus: discos, fotos, assinou o cenário multimídia da minha última turnê e também já dirigiu alguns clipes (“Rápido” e “Será”), nossas trocas são diárias, trocas de ideias, de sonhos, de desejos. Eu também tô sempre “me metendo” na carreira dela (risos), nos processos criativos, nas parcerias, no planejamento. Temos tantas trocas artísticas que abrimos até uma produtora cultural juntas: a “11:11 ARTE”, lá a gente realiza projetos como o Festival Amazônia Mapping e o Festival MANA, eventos que já tem uma história no Pará. Por sermos artistas, e acreditarmos na arte como plataforma de transformação do mundo, isso nos aproxima ainda mais. É muito bom, um encontro instigante.

Falando em mulheres artistas, quais são as suas referências atualmente? O que tem escutado de bom nesses últimos tempos?
Existem mulheres que nunca saem dos meus ouvidos, como as incríveis Mercenárias e Dona Onete. Mas da galera nova, artistas contemporâneas a mim, tenho ouvido os discos novos da Livia Nery, que inclusive tá maravilhoso, ótimo pra pegar uma estrada e sentir todas as camadas do som, o novo da Keila também, ex-vocalista da Gang do Eletro, minha amiga querida que é um voz super potente do tecnobrega, e o novo da Karina Buhr, que é uma multiartista foda, que eu sempre tô ligada, e o disco novo tá demais.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

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