Na Califórnia: Três dias mergulhado na cultura Lagunitas (cerveja, música, cachorros e cannabis)

Texto por Marcelo Costa

A californiana Lagunitas Brewing Company, uma das cervejarias responsáveis pela difusão da cerveja artesanal nos Estados Unidos e a fixação do estilo American IPA no mercado mundial, está com planos gigantes para o Brasil a partir do segundo semestre de 2019, que inclui produção local, a abertura de um tap room exclusivo em São Paulo (que será abastecido com a Lagunitas IPA nacional e também com barris importados de outros rótulos da marca) e a defesa ferrenha de, ao menos, três dos quatros lemas da marca: cerveja, cachorros e música (maconha, a quarta bandeira da marca, ainda não está liberada para ser consumida no Brasil).

Para mostrar que os planos são sérios e de longo prazo, o time da Lagunitas Brasil reuniu um grupo de brasileiros que atuam em algumas das três bandeiras da marca para, em três dias, mergulhar na história da Lagunitas na Califórnia, começando o passeio com um pub crawl em São Francisco e, depois, dois dias em Petaluma, no condado de Sonoma, cidade da Costa Norte da Califórnia a cerca de uma hora e meia de São Francisco que, desde 1994, abriga a sede da marca, que hoje também está com uma fábrica ainda maior em Chicago e, nos planos de expansão, com uma equipe local em Amsterdã, na Holanda (uma cidade que honra os quatro lemas da cervejaria) – e distribuição em mais de 25 países.

Old Western Saloon, em Point Reyes Station

A turma da Lagunitas Brasil reuniu um divertido grupo de pessoas com um pouco de cada um dos três lemas permitidos no país e, além de Marcelo Costa, editor do Scream & Yell, foram Barbara Fonseca (Hypeness), Edson Carvalho Jr. (Viajante Cervejeiro), Jayro Neto (vencedor do Campeonato Brasileiro de Sommelier de Cervejas 2019), Jessica Lopes (Femme Fatale By Jeh), Jo Machado (Chicken or Pasta), Julia Reis (Sinnatrah Cervejaria Escola), Livia Marra (Bom Pra Cachorro), Lucas Silveira (Fresno) e Raphael Rodrigues (All Beers), “escoltados” pela querida Mari Puebla, da agência Lema.

HISTÓRIA
Fundada em 1993 na pequenina cidade de Lagunitas, com menos de 2 mil habitantes, a Lagunitas Brewing fincou sua sede a partir de 1994 na vizinha Petaluma, cidade 30 vezes maior em população e com mais estrutura e potencial para crescimento, segundo os planos do músico (“E um excelente músico”, reiterou Karen Hamilton, relações públicas da marca e irmã de Tony em conversa na cervejaria) e cervejeiro Tony Magee, fundador da Lagunitas. Todo o império nasceu de um presente: o irmão de Tony lhe deu de natal em 1992 um kit caseiro para produzir cerveja artesanal, e isso deu a Tony o start para investir na cervejaria.

Brindando com Lucas Silveira e o team Lagunitas Brasil: Renata, Diogo e Mauro!

Com 35 mil dólares (reunidos de empréstimos, hipotecas e economias), Tony abriu a cervejaria e imprimiu na Lagunitas uma marca própria, baseada em seu próprio bom humor (até hoje ele assina os textos e as artes de cada novo lançamento da Lagunitas) e na defesa ferrenha dos lemas da marca (a propósito, em 2005 a cervejaria foi investigada pela polícia, que queria verificar se havia venda de maconha nas instalações: “Agentes disfarçados tentavam comprar maconha de nossos funcionários e ninguém vendia: eles ofereciam de graça”, comentou Tony em uma entrevista impagável para a Fortune em 2018), o que concedeu a Lagunitas um status de personalidade forte, que a diferenciou de outras concorrentes do mercado.

Com Mary Nowak (cervejeira da Lagunitas), Edson (Viajante Cervejeiro), Jeremy Marshall (cervejeiro da Lagunitas), Julia (Sinnatrah) e Raphael (All Beers)

Em 2013, a Lagunitas era uma das cinco maiores cervejarias artesanais dos Estados Unidos. Em 2015, Tony decidiu conversar com a Heineken, e da conversa nasceu uma sociedade, com cada um detendo 50% do capital da empresa. “Em 1999, no auge do boom das pontocom, angariei 600 mil dólares para aumentar a cervejaria. Nossos investidores incluíam meu senhorio, um professor, um capelão e outras pessoas comuns. Um veterinário me deu 15 mil dólares, e quando finalizamos a venda para a Heineken anos depois, eu devolvi US$ 7 milhões. Mas de 1999 a 2015, nenhum dos investidores viu retorno algum”, contou Tony à Fortune.

Encontrando alguns vinis no incrível loft da cervejaria, em Petaluma

PETALUMA
Á primeira vista, o clima na cervejaria em Petaluma é o melhor possível. Os funcionários têm um loft dentro da cervejaria para passar o tempo e descansar. Torneiras com algumas das estrelas da casa, uma geladeira com rótulos sazonais e muita quinquilharia nonsense permeiam o ambiente, com foco em música (garrafas das cervejas feitas para o Wilco e Frank Zappa, entre outros, podem ser vistas) e maconha (o “código” 4:20 pode ser visto em vários pontos do local). Cachorros (que decoram as tampinhas das cervejas Lagunitas assim como o estilosos copos da marca) também trafegam pelo ambiente que ainda traz discos de vinil, um velho piano e outros badulaques. É nesse local incrível que o tour brasileiro tomará café da manhã com bloody mary (e, claro, muita cerveja) nos dois dias em Petaluma.

Hambúrguer com extra bacon e IPA, uma combinação matadora

Outro local inesquecível é o bier garden da cervejaria, que oferece uma extensa variedade de pratos (com foco nos hambúrgueres e saladas carregadas de bacon e frango) e cervejas da casa. Há um pequeno palco onde acontecem apresentações musicais, e o clima (como você pode assistir neste vídeo) é dos melhores possíveis, com pequenos bebês acompanhando os pais e muitas crianças se divertindo com a música. Há, ainda, um anfiteatro para shows gratuitos no que é conhecido como Live at Lagunitas, e a programação caprichada já recebeu de Charles Bradley a Tune Yards, de Fantastic Negrito a BadBadNotGood, de Mavis Staples a Dan Deacon. Em julho, a programação destacava Thundercat e Antibalas (o que nos deixa de antena ligada para a veia musical da Lagunitas Brasil).

A fábrica em Petaluma é de um tamanho médio para os padrões da indústria mainstream, mas enorme para os padrões artesanais. Em um passeio para conhecer as instalações na companhia do divertido mestre cervejeiro Jeremy Marshall, é de impressionar tanto o tamanho dos tanques e da produção tanto quanto a disponibilidade de um piano na sala dos profissionais que coordenam tudo que está acontecendo em cada imenso barril. O clima ali, como em todo território Lagunitas, é o melhor possível, e o cheiro de lúpulo no ar é o perfume que seguirá na camiseta pelo resto do dia. Uma Session IPA leve e refrescante.

Perfumando-se com dry-hopping de lúpulo californiano

AS CERVEJAS
A Lagunitas IPA é a grande estrela da casa, e esteve presente todos os dias em todos os eventos, com fartura (e logo, muito logo, estará disponível no Brasil). Ela recentemente ganhou lançamento em lata nos EUA, o que aqueceu ainda mais as vendas de uma das IPAs mais vendidas no país. Porém, muita coisa boa passou pelo radar e pelo paladar do pessoal da tour. Da DayTime IPA, uma Session IPA leve e refrescante, passando pela A Little Sumpin’ Sumpin’ Ale (Wheat Ale), pela Summer Lager e a 12th of Never Ale APA além das deliciosas pancadas Hop Stoopid e Super Cluster, outra duas (Imperial) IPAs icônicas da casa.

Os californianos fazem pouco caso da escola New England IPA (da turma do lado do Atlântico), mas se renderam e produziram a ótima A Little Sumpin’ Hazy Ale. No território das “cervejas fora da casinha”, destaque para a deliciosa Phase Change, uma das IPAs diferentonas dos caras ao lado da Citrusinensis, uma APA com adição de blood orange (conhecida como laranja sanguínea por sua polpa vermelha, seu sabor fica no meio do caminho entre a toranja e a tangerina). Minhas favoritas foram a sour Aunt Sally e sua incrível versão com cassis (que não consegui encontrar pra trazer na mala, mas queria), a Secret Agenda (uma Pale Bock Lager feita em colaboração com a Moonlight Brewing) e a Imperial IPA Maximus (que como o nome diz, é Máximo de tudo na receita).

Há ainda outras que vieram na mala (boas surpresas, aguardem), porém, um dos xodós da turma cervejeira foi a Lagunitas Hoppy Refresher, uma água lupulada bem próxima de um refresco feita com os lúpulos Citra, Equinox e Centennial, assim como alguns sabores naturais e uma levedura de cerveja. Zero álcool, zero carboidratos, zero calorias. Deve ter sido o que mais bebi, pau a pau com a Lagunitas IPA, em toda a viagem. Torço para que esteja plugada nas torneiras do vindouro tap room paulistano. Já a Lagunitas Hi-Fi Hops, a versão turbinada que foi outra das fixações dos viajantes, ainda não pode ser vendida no Brasil devido a sua concentração de THC. Conto mais abaixo…

Um brinde a Kerouac

O PASSEIO
Do pub crawl em São Francisco, destaque para o aconchegante Vesúvio, pub boêmio lar dos beatniks vizinho da icônica livraria City Lights Booksellers & Publisher, e para o agradabilíssimo Pier 23, no píer de São Francisco, com Alcatraz ao fundo e um cardápio incrível de frutos do mar (o fish and chips é delicioso e as ostras, inesquecíveis). Já em Petaluma, destaque para o quase centenário Volpi’s, restaurante com pegada italiana, mas também com muitos frutos do mar no cardápio, e um speakeasy nos fundos, aqueles bares lendários que vendiam bebida na época da Lei Seca, e que tinham até uma saída secreta para os consumidores fugirem caso a polícia baixasse no local.

Bebida com infusão de THC “da melhor cannabis cultivada ao sol”, segundo Tony Magee

Já o tour secreto Lagunitas, conhecido internamente como Dip Day, é daqueles para constar numa lista de desejos. Com um Beer Tour Bus a disposição, e tendo como roteiro pontos importantes na história da Lagunitas, o Dip já começa intenso com garrafas de uísque bebidas no gargalo, caneta vaporizadora e as badaladas Hi-Fi Hops da Lagunitas, bebida com infusão de THC “da melhor cannabis cultivada ao sol” que, segundo Tony, “é uma bebida espumante inspirada na IPA feita usando tudo o que sabemos sobre lúpulo, mas com zero de álcool, zero calorias e zero carboidratos”. E em versões 5 THC para amaciar o corpo e 10 THC para festejar a mente. Vou dizer que a bebida (vendida apenas em coffeeshops na Califórnia) promove um delicioso relaxamento (e mata a sede no escaldante sol de inverno californiano).

A turma toda em Dillon Beach

Entre os pontos turísticos, um passeio nas areias Dillon Beach onde Tony forjou a ideia da cervejaria entre baforadas de baseado, uma parada na garagem em que ele produziu suas primeiras cervejas, uma sinuca num dos primeiros clientes da Lagunitas, o Old Western Saloon, em Point Reyes Station e mais uma rodada de Lagunitas IPA no Papermill Creek Saloon, “Best dive bar in Marin County”, segundo o site do local, com direito até a “Evidencias” na Jukebox. E o melhor local de toda a viagem: a Hog Island Oyster, uma fazenda de ostras em Marshall com local para você levar a família e preparar seu próprio churrasco de ostras (assista ao vídeo e coloque já este lugar na sua lista de “tenho que ir antes de morrer”). Absolutamente imperdível. Como sobreviver a tudo isso? Tem gente que não se lembra de alguns episódios, mas nada que a turma não rememore com muito bom humor.

Aprendendo a abrir ostras no Hog Island Oyster

Esse mergulho de três dias na história da Lagunitas mostrou aquilo que a arte vintage, o bom humor dos nomes e dos rótulos e a irreverencia da marca já antecipavam: a Lagunitas é uma cervejaria para ser notada, e, pelo jeito, isso não será diferente no Brasil (e nem poderia). A estratégia prevê preços competitivos e muito trabalho nos pilares da marca, ou seja, um olhar especial para o universo canino e, especialmente, para o cenário da música independente. Na conversa que teve com os “turistas brasileiros” em Petaluma, Laura Muckenhoupt, Senior Music Marketing Manager da cervejaria, pontuou que mais do que a maneira como a cervejaria apoia um artista (“Gravando um disco? Marcando um show? Fazendo um clipe?”) importa “construir uma história juntos”. E essa história logo passará a ser construída no Brasil. Fique de olho.

Em Redwood Grove, um floresta administrada pela Lagunitas

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. Viajou para a Califórnia a convite da Lagunitas Brasil. A grande maioria das fotos é de Will Bucquoy.

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