Ao vivo: Antonio Cicero e Arthur Nogueira compartilham respeito em belo show no Sesc Av. Paulista

Texto por Renan Guerra
Fotos por Carol Vidal / Sesc Av. Paulista

A parceria musical e poética entre Antonio Cicero e Arthur Nogueira é, de certo modo, longa. Iniciou-se com uma espécie de amizade virtual, com trocas de e-mail entre o jovem compositor Arthur e seu ídolo Antonio, um dos imortais da Academia Brasileira de Letras. No final das contas, acabou se tornando parceria artística, em que as palavras de Cicero ganham novas formas e forças na voz grave de Nogueira.

No Sesc Avenida Paulista, a dupla apresentou um formato mínimo, com os dois sentados em cadeiras pretas, dois microfones e o violão de Arthur. O encontro faz parte do projeto “Poema Canção”, em que artistas fazem as costuras entre poesia e música de forma bastante íntima. Neste caso, as relações são bastante intrigantes, uma vez que Cicero é filósofo e poeta, porém também é dono de algumas das mais belas canções pops dos últimos 30 anos de MPB, incluindo aí clássicos como “Fullgás”, “À Francesa”, “Inverno” e “O Último Romântico”. Cicero não compõe música, apenas escreve letras para seus parceiros, nomes como o de sua irmã Marina Lima e amigos como Adriana Calcanhotto e Lulu Santos.

Arthur Nogueira é o mais recente parceiro do poeta, em encontro bastante profícuo, que tem rendido canções inúmeras, novas releituras e também o lançamento do livro “Antonio Cicero por Antonio Cicero” (2012), de entrevistas do poeta, com organização de Nogueira. Em 2016, Arthur lançou “Presente (Antonio Cicero 70)” (Joia Moderna), espécie de songbook que relia composições clássicas de Cicero e que trazia novas colaborações. Essas canções é que permearam a tarde de show dos dois amigos, com Arthur cantando faixas como “Inverno”, “O Último Romântico”, “Onda”, “Antigo Verão” e “Sem Medo, Nem Esperança”, essa última composta pelos dois especialmente para Gal Costa e gravada em seu disco “Estratosférica” (2016).

Entre as canções, Cicero declamou poemas, às vezes até mesmo acompanhado pelo violão do jovem paraense. Esse encontro poderia ser chamado de show ou ainda de sarau, mas há uma solenidade nas duas palavras que não contempla o que vimos no palco. No pequeno espaço do Sesc Avenida Paulista, o que se viu foi um encontro de amigos, como uma conversa de botequim, ao vermos ambos contarem histórias, reviverem momentos e discutirem temas tão complexos que só ficam simples quando ditos por Cicero.

Isso talvez seja o mais belo dessa parceria entre os dois, que é como Arthur cria um espaço para que nós, os leitores e ouvintes de Cicero, possamos conhecer a figura simples e delicada que há por trás do epíteto de “imortal”. Cicero ri, conta histórias simples e cita mitos gregos e romanos como quem conta histórias de antigos amigos – e até quando conta histórias de antigos amigos é sempre um deleite, pois surgem nomes como Cazuza, Marina, Calcanhotto, Suzana de Moraes, Waly Salomão, entre outros.

Se a figura de Cicero é, por si só, extremamente cativante, é sempre muito instigante ver a força que há no canto de Arthur Nogueira, talvez um dos artistas mais interessantes de sua geração. Com uma delicadeza ímpar, o cantor apresentou suas canções como que numa roda de amigos e deu novo olhar para canções já conhecidas. A letra complexa de “Inverno” ganha destaque com a dicção precisa do cantor. Já “O Último Romântico” ganhou final a capella, com acompanhamento da plateia, a cantar quase que baixinho, sem qualquer exagero.

Esse encontro de mentes criativas de diferentes gerações é estimulante e belo, pois há um respeito mútuo entre os artistas e há uma naturalidade em compartilhar isso com o público de forma encantadora. A tarde foi gravada por Murilo Alvesso em projeto que deve se tornar um documentário sobre Cicero, ainda sem previsão de lançamento – de todo modo, isso já é um alento, pois assim sabemos que esses momentos de despojamento do poeta estão registrados. Para além disso, é de se torcer que o projeto “Poema Canção” siga a existir, a propiciar outros encontros e outros momentos como esse, em que música e poesia conversam com naturalidade.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz

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