entrevista de Luiz Mazetto
Apesar de uma existência curta, entre 1979 e 1988, o Hüsker Dü continua sendo considerada uma das bandas mais importantes da música alternativa dos EUA. E não é para menos. O trio de Minneapolis formado por Bob Mould, Grant Hart e Greg Norton começou fazendo um som mais rápido e agressivo, em clássicos como o debute “Everything Falls Apart” (1983) e o EP “Metal Circus” (1983), mas acabou expandindo o som para além dos elementos mais associados ao punk e hardcore em discos como “Zen Arcade” (1984) e “New Day Rising” (1985), que misturavam a fúria dos primeiros anos com um tom mais sentimental e melódico.
No ano do aniversário de 40 anos de “Zen Arcade”, o baixista Greg Norton tem outros motivos para comemorar: o músico acaba de lançar o segundo disco da sua mais recente banda, UltraBomb, um power trio que também conta com outros nomes experientes da cena: Finny McConnell, vocalista e guitarrista mais conhecido por ser o frontman da banda punk canadense The Mahones, e Jamie Oliver, baterista inglês que tocou por muitos anos no UK Subs. Assim como o disco de estreia “Time to Burn” (2022), o mais novo trabalho da banda, “Dying to Smile” (2024), foi gravado em poucos dias na Europa e traz a mesma urgência do primeiro registro.
Na conversa abaixo, feita por telefone cerca de uma semana antes do lançamento do disco, que aconteceu no início de junho, Greg fala sobre como é o dia a dia de uma banda em que cada integrante vive em um país diferente, comenta sobre a felicidade de voltar a cair na estrada após vencer o câncer, explica como vê o legado do Hüsker Dü, os 40 anos de “Zen Arcade” e relembra sua amizade com Grant Hart, entre outras coisas. Confira a seguir!
Você está prestes a lançar o segundo disco do UltraBomb, “Dying to Smile” (2024), que chega cerca de dois anos depois de “Time to Burn” (2022), um álbum que foi escrito e gravado em poucos dias. Por isso, queria saber se vocês seguiram uma abordagem similar aqui, já que o novo disco soa tão urgente quanto o trabalho de estreia da banda?
Greg: Sim. Nós gravamos o “Dying to Smile” em Londres no início de dezembro (de 2023), logo antes de cairmos na estrada com o Bar Stool Preachers (banda punk de Brighton, na Inglaterra). E, mais uma vez, nós tínhamos apenas quatro dias. Nós escrevemos e gravamos 12 músicas nos primeiros dois dias e finalizamos as guitarras e vocais nos outros dois dias.
E você sente que essa agilidade faz com que as suas músicas soem de forma mais natural e direta, como “a primeira ideia é a melhor”? Como vocês abordam esse processo criativo juntos?
Ahh, sim, há uma urgência nesse processo. E você também tem um pouco de caos envolvido nisso. A única coisa que eu não gosto particularmente é ter de gravar todos os vocais em dois dias. Como nós fizemos os nossos primeiros discos de maneira parecida, o objetivo é ter o material já consolidado quando formos gravar o terceiro disco. E também ter um pouco mais de tempo para trabalhar nas coisas.
E como foi para você, já que esses dois primeiros discos foram gravados em lugares diferentes na Europa – primeiro em Berlim e depois Londres? Você sentiu que foi melhor no sentido de poder focar mais, sem coisas do dia a dia? Como foi esse processo?
Acho que, quando você tem tempo no estúdio, não importa realmente onde o estúdio fica, desde que seja um estúdio bom e você tenha um bom engenheiro de som para trabalhar. Nós três já fazemos isso há bastante tempo, então o nosso “vocabulário musical” é bastante extenso, o que eu acho que nos ajuda a escrever essas músicas com a velocidade com que temos feito. Quando você tem um estúdio agendado, você chega pela manhã, vai embora à noite e depois vai dormir, onde quer que esteja ficando. E repete isso ao longo de quatro dias. É algo intenso.
E vocês se falaram antes de ir para o estúdio, sobre ideias e direções que gostariam de seguir juntos? Ou deixaram para decidir quando os três estivessem juntos no estúdio?
Nós falamos um pouco sobre isso, o Finny (McConnell) conseguiu ver as letras com antecedência, mas não conseguimos realmente “encaixá-las” antes disso. Nós gravamos as músicas e colocamos as letras nelas depois. O Finny encaixou as letras no primeiro disco e eu basicamente fiquei encarregado disso para o novo disco. E tudo acabou saindo muito bem.
E você e o Finny foram os responsáveis pelas letras deste disco? Como foi essa parte de criação?
O Finny escreve os riffs de guitarra e então nós escolhemos um riff e trabalhamos nos arranjos para uma música, decidindo onde irão os versos, a ponte, qual será a duração, se vamos fazer uma intro ou um outro, se teremos algo no meio. Aí tocamos a música algumas vezes e, se estivermos satisfeitos e acharmos que temos algo muito bom, então gravamos. Eu escrevo todas as letras, então posso ter uma melodia ou algo em que esteja pensando enquanto estou escrevendo. Então pegamos essas letras e tentamos combinar com o que temos em termos musicais, para juntar as duas coisas.
Como esse é o segundo disco de vocês, mesmo fazendo tudo em poucos dias mais uma vez, imagino que tenha sido algo um pouco mais familiar, tanto em termos de processo quanto do ambiente. Por isso, queria saber se você acha que foi mais fácil fazer esse segundo disco em tão pouco tempo, em comparação com o primeiro?
Como foi logo no início de uma turnê, foi o que conseguimos fazer, nós realmente só tínhamos quatro dias para gravar antes de sair para fazer os shows. Então o objetivo para o próximo disco é ter mais tempo, para que não seja tão frenético. Mas posso garantir que a intensidade musical não ficará em falta pela falta de urgência do processo.
Aliás, como é para vocês estar em uma banda internacional, vamos dizer, com as pessoas vivendo em diferentes países? Com qual frequência vocês se falam para falar sobre os planos, planejar turnês, etc? O quanto isso é diferente das suas bandas anteriores?
É um desafio em termos logísticos. Eu estou no fuso horário Central Time dos Estados Unidos, o Finny vive em Toronto e está uma hora na minha frente, enquanto o Jamie (Oliver) está seis horas na nossa frente. Então muitas vezes quando eu e o Finny podemos estar disponíveis, o Jamie talvez não esteja – porque é muito tarde ou porque ele está fazendo um show, por exemplo. E, às vezes, quando ele pode estar disponível e é cedo para ele, é realmente muito cedo para nós. Então é difícil conseguir reunir os três em uma ligação, mas tentamos nos falar com a maior frequência possível.
Vocês fizeram uma turnê nos EUA há pouco tempo e também estão planejando fazer mais shows e nos EUA e na Europa. Queria saber como tem sido para você voltar a cair na estrada com uma banda punk de forma consistente tanto tempo depois, em relação à rotina na estrada e também pela sua saúde, já que você recentemente passou por um tratamento contra câncer? Como você está se sentindo?
Eu tive a minha próstata removida há dois anos e estou saudável desde então. Me sinto ótimo e minha saúde está ótima. Todos nós somos veteranos em turnês e sabemos o que isso envolve, a quantidade de tempo. Então para gerenciar o tempo de forma eficiente, você chega para descarregar os equipamentos na hora certa, há pessoas lá para te ajudar, você está pronto para fazer a passagem de som. É muita correria e muita espera, é apenas a natureza da coisa toda. Mas nós realmente gostamos, adoramos tocar ao vivo para as pessoas e é isso que queremos fazer. Então esperamos fazer o maior número de shows possíveis no restante deste ano e fazer coisas ainda maiores e melhores em 2025. Nosso próximo show é no dia 27 de junho, vamos tocar na noite de abertura do Hellfest, na França. E, depois disso, vamos tocar nos EUA, mas essa turnê ainda está sendo planejada, então ainda não tenho as datas e as cidades exatas.
Vi o setlist de alguns shows recentes em que vocês tocaram, obviamente músicas do UltraBomb, além de clássicos do Hüsker Dü, músicas do Mahones e também um cover do Dead Boys, “Sonic Reducer”. Como foi para vocês escolher as músicas para esses shows e como tem sido a resposta do público?
Bom, a resposta do público tem sido ótima. Sobre a “Sonic Reducer”, todo mundo realmente ama essa música. Nós a gravamos no fim da sessão em Berlim, porque ainda tínhamos um pouco de tempo no estúdio e tínhamos falado sobre talvez gravar um cover. A “Sonic Reducer” era uma música que todo mundo concordava em fazer, gosto bastante da nossa versão. Nós tocamos “Don’t Wanna Know if You’re Lonely”, que muita gente acredita que é uma das melhores músicas já escritas pelo Grant Hart (baterista/vocalista do Hüsker Dü). Acho que é um tributo legal da minha parte tocar essa música, já que o Grant não está mais entre nós (nota: o músico faleceu em 2017). E a “New Day Rising” é apenas uma música para todo mundo gritar. Do lado dos Mahones, a música que nós costumamos incluir no set é uma composição do Finny de muito tempo atrás chamada “Punk Rock Saved My Life”. E nós todos sabemos disso. Quer dizer, o punk salvou a minha vida pelo menos duas vezes, se não mais. A versão do UltraBomb para essa música é um pouco mais pesada e rápida do que a maneira como os Mahones tocavam, mas é uma música muito boa e que é muito bem recebida.
Falando nisso, além do UltraBomb e do Hüsker Dü, você também tocou em um outro power trio há alguns anos, o Porcupine. Por isso, queria por que você acha que esse lineup de três pessoas te agrada mais enquanto baixista e músico de forma geral?
Bom, obviamente eu amo tocar em power trios. E o lance que realmente sustenta um power trio é ter um baterista muito bom para tocar. Você também precisa de um ótimo guitarrista, que basicamente consiga fazer soar como se estivesse tocando duas guitarras ao mesmo tempo, base e lead. E acho que as minhas linhas de baixo conseguem somar nessa base também, então sempre gostei dessa formação.
E teve alguma banda que te fez querer tocar em um power trio? Ou talvez um baixista que você admirasse quando estava começando a tocar?
Hmm, acho que nenhum em especial. Uma banda muito boa precisa de um baixista muito bom. Mesmo que você olhe para uma banda como o The Who, eles são um power trio, mas contam com um vocalista principal na frente. A mesma coisa o Led Zeppelin, um power trio com um vocalista principal. Obviamente o John Entwistle (baixista do The Who) e o John Paul Jones (baixista do Led Zeppelin) são dois baixistas incríveis e muito influentes. Também fui muito influenciado por baixistas de jazz, como Stanley Clarke, e baixistas clássicos do funk, como Larry Graham e George Clinton. Não é algo específico do estilo deles na maneira como eu toco, mas você acaba pegando algumas coisas melódicas. O Bruce Foxton com o The Jam é um outro ótimo exemplo de power trio. O Clint Conley, do Mission of Burma, aqui nos EUA. O Mike Watt, do Minutemen. Não sei, todos esses nomes me influenciaram.
2024 marca o aniversário de 40 anos do “Zen Arcade” (1984), do Hüsker Dü, que é considerado um dos discos mais importantes de todos os tempos do punk e da música alternativa de forma geral. Como você vê o disco hoje em dia, depois de tanto tempo? Você acredita que o legado do álbum talvez tenha crescido nessas últimas décadas?
Quer saber? Eu acho que sim (que o legado cresceu). Esse é um disco que ainda se segura muito bem. Nós escrevemos esse álbum como uma ópera rock, você tem toda uma história que atravessa o disco. É basicamente sobre alguém descobrindo quem é para a sua vida e sobre ser livre para ser você mesmo. Sobre a ideia da civilização de conformidade, do que é esperado que as pessoas façam – e elas precisam se libertar e serem verdadeiras com elas mesmas.
E quando vocês estavam escrevendo o disco, sabiam que estavam fazendo não apenas algo grande e que podia marcar época, mas também algo arriscado e que podia receber muitas críticas negativas?
Nós não estávamos realmente preocupados com uma possível reação negativa das pessoas. Era uma declaração ousada, uma banda de hardcore lançar um disco duplo com uma música acústica e algumas coisas experimentais. Apenas fizemos o disco da forma que queríamos. Não estávamos necessariamente pensando algo como “Ah, esse disco vai mudar a música” ou “Esse álbum vai influenciar muita gente no futuro”. Mas o fato de isso ter acontecido é incrível, um tanto incompreensível e algo pelo qual serei eternamente grato. Sempre fico muito agradecido quando alguém diz que o disco lhe ajudou em um momento difícil, é muito bom saber que pudemos afetar as pessoas de uma maneira realmente positiva com esse disco. Mas não é como se, enquanto estávamos no estúdio, nós tivéssemos pensado “Ah é, esse disco vai salvar a vida das pessoas” ou algo assim.
Aliás, você criou e gravou algumas linhas de baixo históricas com o Hüsker Dü, em faixas como “Standing by the Sea”, “Don’t Wanna Know If You Are Lonely” e “I’ll Never Forget You”, entre outras. Você tem alguma favorita – ou favoritas – por acaso?
Sim, eu tenho muitas linhas de baixo favoritas com o Hüsker Dü. Mas é difícil escolher uma delas para falar “É essa aí”. Algumas apenas são mais divertidas de tocar ao vivo do que outras. E outras eu realmente gosto, como a linha de “Gravity”, do “Everything Falls Apart” (1983), ou “Out on a Limb”, do “Metal Circus” (1983) – ou a “Real World” (do mesmo disco). Há tantas músicas incríveis do Hüsker, é difícil escolher uma.
Há alguns meses eu entrevistei o baixista de outra banda lendária de Minneapolis, o Tommy Stinson, do Replacements, e ele falou um pouco sobre a cena da cidade, afirmando que nunca viu uma cena como aquela, que a cidade tinha uma comunidade musical muito diversa, em que todos se alimentavam uns dos outros. Disse também que era uma cena centralizada, mas que todos tocavam juntos mesmo que com aspirações musicais diferentes e até que muito disso tinha a ver com o Prince, porque todo mundo se alimentava dele de alguma forma, mesmo que vocês não saíssem com ele. Você concorda com ele? E quais as suas lembranças dessa época?
Concordo totalmente com isso. Minneapolis tinha uma cena musical muito diversa nos anos 1980, mas todos se apoiavam. Então não era apenas uma cena, mas uma comunidade, as pessoas iam ver as bandas umas das outras. O First Avenue (lendária casa de shows da cidade) era como o centro do universo musical, porque o Prince viria da zona norte da cidade com a sua galera, os punks viriam da zona sul, todo mundo meio que se misturava. Nós adorávamos o Prince e ele também curtia o que estava acontecendo do lado punk. Então todo mundo se alimentava disso, todo mundo se sai melhor quando a gente se sai melhor, era algo de muito apoio neste sentido. Você vai a algumas cidades em que você tem uma cena, mas não uma comunidade, então você tem apenas essas cenas satélite, que não apoiam umas às outras. Eles podem estar fazendo música incrível, mas sinto que sempre é melhor quando é uma comunidade.
Aliás, existem muitos boatos de que havia uma suposta competição entre as bandas, o Hüsker Dü e o Replacements, com pessoas até dizendo que era algo como Beatles x Rolling Stones. Por isso, queria saber como era a relação entre vocês e qual a importância de uma banda para a outra de talvez impulsionar uma à outra?
Nós éramos amigos, então era uma rivalidade amigável. Era ótimo ver eles alcançarem sucesso e eles ficavam felizes em ver o nosso sucesso. Então quando as comparações começaram, tornou-se uma rivalidade amigável, como eu disse, em que era algo como “Ah é, nós amamos aqueles caras, mas queremos que eles sejam a segunda melhor banda da cidade” (risos). E eles diziam o mesmo sobre a gente. Nós fizemos muitos shows com ele, especialmente no começo das bandas, fizemos turnês juntos. Mas como ele (Tommy) disse, era aquele apoio de comunidade. Nunca foi uma rivalidade amarga, nenhuma banda nunca falou merda sobre a outra, éramos apenas jovens nos divertindo juntos.
E quem eram os Beatles e quem eram os Stones nesse cenário?
Nós éramos os Beatles e eles eram os Stones.
Você falou há pouco sobre o Grant Hart. Quando ele faleceu, em 2017, você publicou um bonito texto no Facebook falando sobre como vocês eram amigos desde o início e que você sempre lembraria dele como um amigo. Quais as suas memórias da sua relação com Grant, não apenas com o Hüsker Dü, mas depois do fim da banda também?
Eu e o Grant nos conhecemos trabalhando em uma loja de discos, quando basicamente estávamos descobrindo o punk enquanto estava acontecendo. Apenas amávamos música e ir em shows juntos, tínhamos sensos de humor muito parecidos, então tinha muitas piadas e diversão. À medida que a banda ficou maior, a nossa relação ficou um pouco perdida por causa disso. Mas continuamos amigos e ainda nos víamos ocasionalmente depois do fim da banda. Eu moro a cerca de uma hora de Minneapolis, então não o via tanto, mas nos dávamos bem. O que é triste é que começamos a nos reconectar um pouco mais no verão logo antes de ele morrer. Ele faleceu no dia 13 de setembro, de forma inesperada. Porque ele estava com câncer, mas o prognóstico dele tinha boas perspectivas. Por isso, foi muito duro quando ele morreu.
Você mencionou que vocês compartilharam juntos o começo do punk. Teve algum show punk em especial em que foram naquela época que te marcou?
Acho que o primeiro show que eu e o Grant fomos juntos foi do Pere Ubu, em abril de 1978, no Longhorn (nota: lendária casa de shows de Minneapolis, mais conhecida como Jay’s Longhorn). Esse show foi incrível. Nós também vimos o Dead Boys no Longhorn. O Longhorn era meio que o CBGB de Minneapolis. O Blondie tocou lá, o Talking Heads, o Stranglers, Elvis Costello. Os Buzzcocks também, eles trouxeram o Gang of Four com eles para abrir o show e o Gang of Four acabou totalmente com o Buzzcocks no palco. Então nós tínhamos não apenas uma ótima cena local, mas a cidade definitivamente era uma parada para as bandas maiores que estavam em turnê.
Depois que o Hüsker Dü acabou, você meio que se desconectou do mundo da música e foi trabalhar como chef por muitos anos. Você sempre se interessou em cozinhar, isso era algo que você já tinha na cabeça de alguma forma quanto estava na banda?
Sempre fui apaixonado por cozinhar. Eu acabei gravitando para o mundo dos restaurantes depois do fim da banda porque era meio o que eu fazia no começo de tudo. Conheci um chef de um restaurante e nos tornamos grandes amigos. E acho que um ou dois anos depois disso, ele estava abrindo um novo restaurante e precisava de ajuda na cozinha. Como ele sabia que eu não estava trabalhando na época, me chamou para lhe ajudar e falou algo como “Ei, você precisa pensar em algo para fazer além da música. Há uma chance que você não possa tocar para sempre”. Então ele foi um mentor, me guiou pelo meu caminho nessa área. Eu aprendi a cozinhar, a trabalhar na linha de montagem e eventualmente subi e acabei abrindo o meu próprio restaurante. É claro que inicialmente eu pensava que era como um chef bebê, muito iniciante, mas adotei o bom e velho “fingir até conseguir” – do original “fake it until you make it” em inglês (risos). O ponto dele (do amigo chef) era que eu tinha um paladar muito bom e que eu conseguia perceber a diferença entre comida boa e ruim. Infelizmente há muitas pessoas que trabalham em cozinhas de restaurantes que não possuem paladar e que não sabem que estão fazendo comida ruim. Eu meio que naturalmente fui para esse meio e acabou sendo algo em que eu era muito bom. Acho que há muitas similaridades entre ser um músico e trabalhar em um restaurante – os horários são parecidos, por exemplo. Mas teve um período de 14 anos em que nem peguei em um baixo, não toquei nada. Por isso, sou agradecido de poder estar de volta. E muito agradecido pelo UltraBomb existir, porque eu me sinto da mesma forma de quando estava começando com o Hüsker Dü, aquele sentimento de ter algo especial e raro.
Me diga, por favor, três discos que mudaram a sua vida e porque eles fizeram isso.
Bom, o primeiro é de quando eu tinha 14 anos e escutei um disco de jazz de um cara chamado Billy Cobham. O disco era chamado “Spectrum” (1973) e o guitarrista do álbum era o Tommy Bolin (nota: Bolin depois substituiu Ritchie Blackmore no Deep Purple, com quem gravou o clássico “Come Taste the Band”, antes de sua morte em 1976). E esse disco realmente me impressionou com sua intensidade e o groove da coisa toda. Vamos ver, eu diria o “The Modern Dance” (1978), do Pere Ubu, foi um disco que teve um grande impacto em mim. Apenas no sentido de o que a música pode ser e o que o punk pode ser. Para um terceiro, deixa eu ver, há tantos discos, estou tentando escolher um. Acho que o primeiro disco do Ramones (o álbum autointitulado saiu em 1976). Mais uma vez, foi algo como “Que porra é essa? E onde isso estava antes na minha vida?”. Foi um disco que mudou tudo, esse álbum foi lançado quando eu ainda estava no ensino médio, então era algo completamente diferente das coisas que eu escutava até então. Apenas amei o disco, foi algo que teve muito impacto em mim.
Essa é a última pergunta. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Definitivamente tenho muito orgulho do legado do Hüsker Dü e da influência da banda em muitos artistas e colegas músicos, o impacto que a nossa música teve na vida das pessoas. Tenho muito orgulho do que o UltraBomb está fazendo agora, estou convencido que estamos tocando o melhor som punk do planeta neste momento. E tenho duas filhas pequenas das quais me orgulho muito, hoje foi o último dia de aula delas, elas foram para o terceiro e o quarto ano. Elas são crianças ótimas de verdade, elas são inteligentes, gentis e atenciosas. Tenho muito orgulho delas.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud!