entrevista por Alexandre Lopes
Quem vê trechos das apresentações intensas e contemplativas de Shawn James pelo YouTube pode pensar que o músico norte-americano deve ter uma personalidade melancólica e reservada. Mas isso não poderia ser mais longe da verdade: despido da emotividade de suas canções influenciadas por folk, r&b, blues e rock, Shawn faz piada, ri e se mostra como um dos musicistas mais sociáveis e articulados que já entrevistei.
Nascido no sul de Chicago, James começou sua jornada musical estudando engenharia de áudio na Flórida, antes de se mudar para Nashville. Os ares da cidade-símbolo do country fizeram James perceber que ele não queria apenas apertar botões atrás da mesa de som. O músico então iniciou sua carreira autoral em 2012, acumulando hoje doze álbuns (sete solo e cinco com sua banda de apoio, os Shapeshifters). Mas seu trabalho despertou a atenção do grande público depois que a música “Through the Valley” virou tema da personagem Ellie na série “The Last of Us”, da HBO. Essa inclusão na trilha levou a faixa ao topo da parada viral do Spotify no Reino Unido, conquistando mais de 60 milhões de streams nas plataformas digitais.
Após uma passagem bem-sucedida pelo Brasil em 2023, Shawn retorna ao país em outubro com a turnê “Muerte Mi Amor” – uma das faixas de seu álbum mais recente, “Honor & Vengeance“, lançado no ano passado. O artista fará seis apresentações por aqui: 11/10 em São Paulo (SP) no Carioca Club, 12/10 em Curitiba (PR) no CWB Hall, 13/10 em Florianópolis (SC) no Célula Showcase, 15/10 em Brasília (DF) no Infinu, 16/10 no Rio de Janeiro (RJ) no Solar de Botafogo, encerrando em 18/10 em Belo Horizonte (MG), na Autêntica.
Ao vivo, as performances de Shawn James mesclam momentos de rock tradicional com passagens acústicas mais intimistas, como a que aconteceu em Boston (EUA), quando parte da energia do local da apresentação parou de funcionar e o músico pediu a colaboração do público para conduzir uma música com palmas. Segundo ele mesmo, os fãs podem esperar “novas interpretações de músicas já conhecidas e novidades”. Talvez possíveis surpresas, como uma versão de “The Number of The Beast”, clássico do Iron Maiden?
Em meio aos ensaios com sua banda, Shawn parou um pouquinho para ter uma conversa descontraída com o Scream Yell via Zoom. No papo, comentou sobre os preparativos para a nova turnê e especulou sobre um novo projeto: expandir sua carreira para a escrita, rascunhando um livro que integraria suas canções em uma narrativa. “É algo que adoraria fazer, criar um mundo a partir da música”, revelou. Confira abaixo:
Oi, Shawn! Como vai?
Estou bem, estou bem! Temos um dia inteiro de ensaios depois disso, então estou me preparando para praticar para a turnê e tocar algumas músicas novas.
Legal! E onde você está agora?
Estou em Portland, Oregon, nos EUA. É onde eu moro agora, tenho uma casa aqui. O resto da banda está aqui comigo, tenho sorte de ter um espaço de ensaio, um estúdio no andar de cima.
Vocês vão começar a turnê em breve, como estão os preparativos?
Sim, está tudo ótimo, começamos (os ensaios) há cerca de uma semana. Hoje fizemos um pedido de cerca de 600 quilos de merchandise (risos) incluindo camisetas, álbuns, pôsteres e todas essas coisas. Então, tudo isso será entregue, vamos desempacotar e preparar tudo! (risos) Mas está tudo indo bem, sabe? Temos uma semana de ensaios agora, tivemos uma outra semana assim no mês passado… A cada turnê que fazemos, seja passando em um novo lugar ou voltando nos lugares anteriores, gosto de retrabalhar o set list e fazer algo especial, então não é o mesmo show todas as vezes. Estamos no meio do processo de adicionar novas músicas; talvez tocar algumas músicas antigas, fazendo novas versões delas. Então estamos animados para compartilhar algumas surpresas com todos.
Você está vindo para tocar seis shows aqui no Brasil. O que você acha que será diferente da última vez que você veio aqui? É a mesma banda?
Bem, são todos os mesmos membros porque eu amo minha banda. Mas acho que será diferente… Como disse antes, nós como artistas, temos que abordar tudo de forma diferente, ou então ficamos entediados com o mesmo show e setlist, sabe? Mesmo que sejam as mesmas músicas, nós vamos retrabalhar algumas delas e fazer novas versões, por exemplo… Eu só contei a uma outra pessoa sobre isso, então essa é exclusiva para o seu site! (risos)
Opa, obrigado! Qual é a novidade?
“Ain’t No Sunshine”, por exemplo; essa é uma das músicas que sempre toco, desde que foi lançada, há seis ou sete anos, mas sempre a mesma versão (nota do editor: acima temos a versão de sete anos atrás). Eu amo essa música, mas às vezes fica cansativo fazer do mesmo jeito, sabe? Então desta vez fizemos uma versão completa com a banda, mas que é muito intimista e suave, quase jazzística, e estamos especialmente animados com o resultado. É a mesma música, mas de uma forma totalmente nova, então esse é um exemplo de como mudamos o set e o show. Então, acho que as pessoas podem esperar mais da mesma paixão, intensidade, emoção e um show meio montanha-russa, que vai de rock and roll, momento acústico intimista, folk rock, blues e soul, mas tudo apresentado de uma forma nova. E temos um novo álbum, então haverá algumas músicas novas e estamos trazendo de volta algumas músicas antigas que nunca tocamos para o público brasileiro. Então tem muitas surpresas por vir.
Eu realmente gosto da sua versão de “Ain’t No Sunshine”, do Bill Withers. Sei que às vezes você toca “The Number of the Beast”, do Iron Maiden. Aqui no Brasil eles são enormes, eles têm muitos fãs aqui. Você está pensando em tocar essa música aqui?
Você está dizendo que eu deveria tocá-la? (risos) OK, talvez eu aceite sua sugestão e toque. Talvez… Em qual dos shows você vai?
Provavelmente aqui em São Paulo.
OK, bem, parece que tenho que tocar “666 o número da besta” então! (risos)
Bem, eu ouvi sua versão e ela é muito intensa. O Iron Maiden toca com muitas guitarras, baterias e tudo mais, mas quando você a toca sozinho parece que sai mais poderosa…
Quando eu pego uma música originalmente tocada com banda completa e de forma pesada, e faço uma versão tocando sozinho, às vezes eu ouço a letra de uma forma completamente diferente. Sabe o que quero dizer? Torna-se uma emoção diferente. Então eu entendo o que você quis dizer, e essa é uma das minhas favoritas. O que eu amo sobre essa é o seguinte: quando começo a tocá-la, as pessoas ficam tipo ‘acho que conheço isso’ durante o verso, e quando o refrão chega, elas ficam tipo ‘o quê? Isso é The Number of the Beast? Que loucura…”
É como se desse um significado totalmente novo para a música.
Sim! Mas bem, é isso, eu te devo uma apresentação de “The Number of the Beast” então… (risos)
Bom, não se sinta pressionado para tocá-la! (risos)
Temos essa carta na manga! Estamos brincando com ela só para garantir que teremos disponível, então não se preocupe!
Eu sei que na sua trajetória você se mudou bastante, passou por algumas adversidades e tenta transmitir tudo isso em suas letras. Considerando que a literatura teve um papel importante para você, você já pensou em estender sua carreira para escrever um livro ou algo assim?
Absolutamente! Sabe, ano passado comecei a anotar algumas ideias num caderno… Eu tenho essa ideia de traduzir ou adaptar músicas como “The Thief in the Moon” e outras com esses tipos de seres mitológicos. Tipo, o Ladrão, a Lua, a Terra e todas essas coisas, mas eles seriam entidades próprias, certo? Como se cada um fosse um personagem. Então comecei a escrever essas ideias, de talvez usar algumas das músicas para se tornarem personagens em um livro que eu gostaria de escrever. Então estou lentamente trabalhando nisso. Nunca fiz nada parecido antes, seria um novo desafio. Mas é algo que eu adoraria fazer quando tivesse mais tempo para começar a realmente explorar. Seria emocionante para mim. É como uma versão maior, um mundo inteiro que eu poderia criar dentro de uma história, sabe? Então eu adoraria fazer isso.
Você já faz um pouco disso em suas composições, mas também seria muito legal ler um livro escrito por você.
Bem, eu sinto que as músicas têm algo assim… “Haunted”, por exemplo. Tem uma parte falando sobre “quando eu entro no escuro, não sei se serei capaz de voltar” e experiências assim. Então tenho tantas músicas que têm essas ideias e essas entidades sobre as quais escrevi que poderiam ser um personagem em uma história, sabe? Então estou trabalhando nessas ideias. Acho que seria muito legal fazer uma espécie de livro de lendas mitológicas que estão incorporadas em muitas das minhas músicas. Sim, veremos, veremos. (risos)
Eu estava assistindo vídeos de suas apresentações ao vivo e é tudo muito intenso. Tem aquele vídeo que está no seu perfil do Instagram, no qual parece que o local do show ficou sem energia, mas você está lá cantando com o público e batendo o pé no ritmo da música. Como e onde foi isso?
Isso foi em Boston, nos EUA. Acredito que esse show aconteceu há uns dois anos. Tocamos no verão, então acho que naquele dia estava quente, tipo uns 37 graus… Bem, não quente para o Brasil, mas realmente quente aqui para nós! (risos) O local estava lotado e o ar condicionado não deu conta. Então acho que quando estávamos no palco, com todas as pessoas lá, estava perto dos 40 graus. E então, de repente, a energia acabou no meio do set, bem no meio de uma música. Sempre que acontece algum imprevisto assim, tento pensar em algo alternativo, porque se você fizer disso algo especial, as pessoas apreciam. E esse momento continua vivendo como uma história que pode ser contada. Então a energia acabou, olhei para os caras da banda e pensei “tudo bem, enquanto eles consertam isso, vamos fazer “John the Revelator”. É uma velha canção gospel, nós começamos a tocar e as pessoas adoraram, começaram a bater palmas conosco. E há algo especial e íntimo com coisas assim, são ocasiões únicas e que nem sempre acontecem. As pessoas souberam do que aconteceu e falavam algo como “espero que a energia acabe no meu show também” (risos). Mas sim, há momentos especiais e eu espero que coisas assim aconteçam, porque isso me desafia e me faz pensar fora da caixa do que é o nosso set normal. Isso é bem legal.
Como as apresentações são sempre muito intensas, quando você termina o show, você precisa de alguns minutos para sair dela e poder conversar com o público?
Para mim, depende. Porque em turnês, no geral, você tem dias bons, dias ruins, noites em que não dorme bem, mas ainda assim precisa fazer o show, não importa o que aconteça, sabe? Tem dias que me sinto ótimo, não tenho pausas e eu simplesmente pulo do palco assim que terminamos o show e começo a falar com as pessoas, abraçá-las e tirar fotos, mas em alguns dias pode ser que eu esteja com dor de garganta, talvez precise de uns cinco ou dez minutos no backstage para tomar um chá ou algo do tipo, para depois voltar e falar com as pessoas. Mas normalmente eu sou energizado pelas pessoas. O momento no qual preciso me descomprimir e dar um tempo é depois que a turnê termina, quando estou em casa. Então, fico tipo ‘não quero ver e nem falar com ninguém por uma semana’, só quero relaxar, ficar com minha esposa e meus cachorros, ir para a natureza, fazer caminhadas ou algo assim. Esse é realmente o tempo que eu acho que preciso. Quando estou na estrada, estou comprometido com a turnê, com as pessoas nos shows e vou continuar, a menos que eu esteja com dor de garganta ou tenha algum problema, sabe? Normalmente é isso.
Dá pra entender, porque você viaja muito, toca em várias cidades e deve ter que passar por vários climas diferentes, então imagino que isso deve ser difícil para sua garganta.
Sim, mas aprendi alguns truques sobre como mantê-la saudável. Além de beber muito chá, tem uma pastilha para garganta chamada ‘Fisherman’s Friend’ que é muito forte, tipo um eucalipto picado, que ajuda. Mas a coisa principal é tentar dormir bem. Mas isso nem sempre é possível na estrada. Faço o que posso, mas felizmente até agora não tive muitos problemas. Consegui superá-los. Acho que apenas uma ou duas vezes tive que cancelar apresentações porque estava muito doente. Mas fora isso, tudo bem.
Quando é só você e o violão no palco, é uma sensação muito crua e forte. Como um artista mais orgânico, como você vê o tipo de música que está sendo feita hoje e esses avanços em inteligência artificial?
Sobre inteligência artificial, acho que pode haver um propósito para isso. Mas não acho que isso pertença à coisa toda de compor ou criar algo que a ideia seja sentir como se fosse algo humano, como conhecer emoções, ter experiências únicas. Acho que quando as pessoas usam IA para escrever músicas, encaro meio que como uma trapaça. E não é só trapacear; não é real, não é genuíno, não é autêntico, não vem do seu coração e da sua alma. Não vem de algo que você sente e pelo qual é apaixonado. Você pode estar usando isso porque talvez queira que seja popular, ou porque é preguiçoso ou porque está sem inspiração naquele dia. Não sei. Mas acho que usar inteligência artificial em certos casos está tudo bem, como em marketing, promoção ou algo assim. Em termos de procurar palavras em um dicionário, encontrar rimas, está tudo bem. Se precisar de ajuda ao tentar encontrar algo específico. E sabe, existem certas ferramentas e programas para mixar e masterizar músicas que utilizam IA para analisar as coisas. Mas ela analisa, você pega esta análise e aí você mesmo usa isso para fazer o trabalho, sabe? Então não acho que seja de todo mal, mas eu acho que quando as pessoas usam isso para arte e copiar coisas, outros artistas, recriar o que deveria ser um processo de criação humana, então é errado. Não me parece certo. Se você gosta ou ama de música eletrônica feita por IA, tudo bem. Mas não compare isso com a coisa real, sabe?
É uma energia diferente.
Sim, é uma energia diferente. Não acho que seja completamente errado, mas não gosto quando você a usa para os propósitos errados, como um superpoder, certo? (risos) Como os super-seres malignos que usam seus poderes para o mal. Quando você tenta fingir, ‘oh, isso é real’, mas não é real… ah, se liga né? Faça algo com emoção, uma realidade genuína sobre tudo.
– Alexandre Lopes (@ociocretino) é jornalista e assina o www.ociocretino.blogspot.com.br.