Entrevista: Molho Negro

Entrevista por Janaina Azevedo

O trio paraense Molho Negro vive um bom momento em sua carreira. Recém lançou “Normal” (2018), seu terceiro disco e primeiro com o respaldo e ajuda de um selo. Se mudaram para São Paulo, de onde tem viajado para outras capitais. No fim de semana dessa entrevista, por exemplo, eles tocariam em Porto Alegre, cidade da Walverdes, Bidê ou Balde e Superguidis, citadas como influências por eles. “‘Classe Média Baixa Records’ (Walverdes) é uma das músicas que eu queria muito ter feito, MUITO”, revela o vocalista e guitarrista João Lemos.

Também foram escolhidos para abrir os shows do The Oh Sees no ano passado, e neste ano estão entre as atrações do Lollapalooza Brasil. Sete anos atrás, o trio debutava com o EP “Rock!”, resenhado no site pelo também paraense Adriano Costa, que avisava: “Para baixar, botar no player, aumentar o som e lembrar-se de como o rock cai bem”. Em 2014, já com o EP “Molho Negro” (2012) e o álbum “Lobo” (2014) badalados, tocaram no projeto Prata da Casa, do Sesc Pompeia, quando o curador era o editor do Scream & Yell, Marcelo Costa.

De lá pra cá lançaram o segundo disco “Não É Nada Disso Que Você Pensou” em 2017 e “Normal” (2018) além de uma série caprichada de vídeos (“Aparelhagem de Apartamento”, “Concurso”, “Souza Cruz”, “Novo Rosto” e “O Jeito de Errar”). Nessa conversa, o vocalista e guitarrista João Lemos comenta as últimas mudanças, fala sobre as expectativas do festival e detalha aquilo que é o grande trunfo da Molho Negro: suas letras irônicas e repletas de histórias e críticas.

Como que tá sendo a recepção do “Normal?”. Vocês tão satisfeitos com a resposta do público?
O “Normal” tem sido um disco que causou uma reação nova pra gente, por ter sido lançado pelo Flecha Discos, acabou apresentando a banda pra um nicho que não conhecia a gente ou não dava muita atenção, então mesmo sendo o nosso terceiro disco, pra uma galera que chegou agora tem esse gosto de estreia, que eu acho interessante.

Como que vocês se aproximaram do selo?
Então, foi de uma maneira romântica, ainda bem (haha). Eu já tinha tentado alguns outros selos antes, todos foram muito cordiais, mas sei lá, nunca rolava, até que o Gabriel Zander assistiu um show nosso meio por acaso no Costella, em São Paulo, gostou, e achou que tinha a ver com o selo dele. Daí em diante foi uma bola de neve: era pra gente ter gravado só um single pelo Flecha, mas acabou virando um disco porque no meio do caminho a gente notou que realmente rolava essa afinidade.

E qual a importância de ter um selo pra dar suporte à banda? No que, hoje em dia, um selo pode colaborar?
Bem, eu acho que o principal papel de um selo hoje é esse de apresentar a sua música pra um certo nicho, um grupo que não tinha conhecimento ou interesse. Os fatores práticos de logística e estrutura variam muito de selo pra selo, então cada caso é um caso, mas acredito que essa espécie de curadoria que um selo se propõe acabou se tornando seu papel principal. Numa internet congestionada de conteúdo, às vezes a gente quer confiar na opinião de alguém ou algo.

E o que mudou desde que vocês se mudaram de Belém pra São Paulo, em relação à banda? Aliás, quando que foi essa mudança?
Foi em meados de 2017. Acho que as principais mudanças foram as internas mesmo, de lidar com as coisas de maneira mais profissional e etc, e como consequência isso acabou de alguma maneira sendo bom pra banda no geral, por aqui a gente consegue excursionar um pouco mais e chegar a alguns lugares que antes acabavam ficando um pouco inviáveis.

Como era tocar a banda lá de Belém?
Resumidamente era mais caro, a cena da cidade particularmente é muito boa e você consegue fazer boa parte das coisas que precisa fazer como banda pela internet estando em sua cidade natal seja ela qual for. Mas quando começa a debater logística e os custos pra se viajar e tudo mais, pra gente acabou fazendo sentido essa vinda.

Em São Paulo vocês conseguem se dedicar só à banda ou ainda tem que rolar aquele esquema de conciliar com outros empregos?
A gente foca na banda, afinal de contas é o nosso propósito aqui e tudo, mas uma das coisas que essa carreira acaba ensinando é a se virar, então cada um também se vira como pode com seus freelas e temporários.

Quais são as carreiras paralelas de vocês?
Essa banda tem um monte de carreira paralela (haha): ilustrador, designer, advogado, montador de exposição, professor de bateria, roadie e contando, sempre tem uma aventura nova.

Um negócio que eu noto que as pessoas curtem muito na banda são as letras. Então, queria te pedir pra comentar e explicar melhor de onde vieram algumas letras do “Novo”. De onde veio a ideia de “Novo Rosto”, por exemplo? Parece uma crítica ao mercado publicitário e à internet, é isso mesmo?
Então, “Novo Rosto” tinha outra letra há muito tempo atrás, mas que eu tinha desencanado e não achava mais legal, daí meio que no processo de gravação surgiu essa nova ideia. Na verdade é meio como você falou, as marcas se travestindo com alguma identidade cultural em voga no momento e como isso muitas vezes gera umas situações caricatas, só me lembra aquele meme do Steve Buscemi, sabe qual é?

E “Psycho”? De onde veio a ideia de citar “Assassinos por Natureza”? Além disso, é uma música meio diferente do resto, no som. Como que foi criá-la?
Essa música tem uns 9 anos, o mesmo tempo do meu relacionamento. Foi uma das poucas músicas que eu fiz sobre o amor, sempre foi um tema delicado pra mim. A citação ao “Assassinos por Natureza” é meio que um bilhetinho escondido, porque foi um dos primeiros filmes que ela me apresentou. Daí no processo de escolha das músicas desse disco eu joguei essa demo no meio e o pessoal acabou gostando, dai ela nasceu de fato agora.

Vocês têm bastante músicas antigas, então? Tem tipo um baú de composições, que nem o Prince?
Quem dera fosse assim de fato, mas sei lá, eu vivo em constante processo de composição, de rascunho, o gravador de áudio do meu celular vive cheio, mas assim como algumas músicas acontecem em minutos e entram no disco (no “Normal” foi o caso de “O Jeito de Errar” por exemplo, que foi uma das últimas), outras levam anos pra fazer sentido ou ficarem completas. Uma vez um amigo meu fotógrafo me deu uma lição sobre como ele sempre guardava algumas fotos que fazia ao invés de publicar tudo de uma vez, de que o tempo é um fator importante que cria perspectiva nas coisas. Doido, né? Com música as vezes parece funcionar também

E “Reacionários”? É nova ou antiga?
É mais recente, com certeza pós essa polarização política toda, é mais uma das trocentas músicas sobre se colocar no espelho, só que em terceira pessoa.

Rolou alguma crítica por causa dela? Alguém chamando vocês de petralha, algo assim?
Já rolou em alguns posicionamentos públicos da banda em Instagram e tudo mais… se as pessoas são capazes de confundir Roger Waters, Dead Fish, e recentemente até o Rage Against The Machine (!!) o que dirá da gente. Eu sempre acho bem explícito, mas recentemente é visível que o raciocínio lógico de boa parte da população tá afetado.

E isso afeta também a banda de alguma forma, na tua visão? No sentido de afastar certos públicos, de repente.
A arte não precisa ter função nem posicionamento nenhum, ela só precisa existir, mas eu cresci a vida toda ouvindo banda punk, o que pro bem e pro mal acabou colaborando pra formação do meu caráter, é difícil escrever algo sem deixar isso escorrer de alguma forma, se isso bater em alguém e bater errado, afastar, repudiar ou algo assim, ótimo também. Pelo menos a mensagem chegou no destinatário.

E o Lollapalooza Brasil? Como foi conseguir tocar lá? Tem a ver com a Flecha também?
Isso foi uma surpresa até pra mim, mas é fruto do trabalho da Letz Spindola (manda email pra ela pra chamar a gente pra tocar que a gente vai: letz.spindola@gmail.com) e da +5511 que é um coletivo de booking do qual ela integra. Parece que havia interesse das partes, e no final acabou dando certo. Tocamos no dia 5, que tem Arctic Monkeys, Autoramas e a St. Vincent, que eu quero muito ver.

Vocês já tocaram em festivais antes, mas o Lollapalooza é gigantesco. Tem alguma preparação diferente ou nem?
Bem, logisticamente eles cobram e oferecerem muito mais detalhes e etc, mas confesso que em relação a expectativa e ansiedades pelo menos pra mim não é tão diferente. Não estou querendo pagar de cool ou pautar como todo mundo deveria reagir, mas a gente sabe como as coisas são e sabe que pra além do simbolismo e de ser um show importante, a vida e a carreira continuam normalmente.

– Janaina Azevedo (www.facebook.com/janaisapunk) é jornalista e colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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