Entrevista: Soul Asylum

entrevista por Leonardo Vinhas 

Dave Pirner soma quase 38 anos à frente do Soul Asylum. A bem da verdade é o único dos fundadores que permanece na banda – o baixista Karl Mueller faleceu em 2005, o guitarrista Dan Murphy pediu aposentadoria em 2012 e o baterista Pat Morley mal esquentou o banco. Isso não impediu o homem de seguir em frente.

A banda, fundada em Minneapolis em 1981, teve seu pico de popularidade no período entre 1992 e 1994, puxada pelo sucesso do single “Runaway Train”, que levou o álbum “Grave Dancers Union” (1992) a reboque. Caso você não saiba, os anos 90 foram aquele período em que as grandes gravadoras saíram procurando no universo independente – que era bem diferente do que é hoje, estruturalmente falando – as bandas nas quais investir pesado. O referido álbum do Soul Asylum, por exemplo, contava com participação de gente do naipe de Booker T. Jones (verdadeira lenda da soul music) e Sterling Campbell (batera que então tocava com David Bowie e Duran Duran e acabou fazendo parte da banda entre 1995 e 1998).

Mas a vida, a indústria musical e o gosto do público não são elementos estáveis no universo, e “Let Your Dim Light Shine” (1995) não conseguiu manter o sucesso de seu antecessor. “Candy from a Stranger” (1998) tomou pedrada da crítica, e foi o último álbum por uma grande gravadora, a Columbia, e a partir daí a banda foi pulando de selo em selo, alternando-se entre tocar em pequenos clubes, botecos, e, de uns anos para cá, em festivais e shows puxados pela nostalgia.

O fato é que Pirner nunca parou, mesmo com a banda caindo no esquecimento perante a maior parte (do que sobra) DA imprensa musical ou do grande mercado. Depois de “Candy from a Stranger” foram necessários oito anos para que um novo disco visse a luz do dia. “The Silver Lining” foi o último com Karl Mueller, que faleceria um mês antes de seu lançamento. Bland entraria na banda nesse mesmo período, junto com Tommy Stinson (ex-Replacements), que dividiria seu tempo entre o Soul Asylum e o… Guns ‘N’ Roses! “Delayed Reaction” veio em 2012, mas não mudou o patamar da banda, tanto que “Change of Fortune” (2016) precisou de um financiamento coletivo para se tornar realidade (o single “Supersonic”, abaixo, é desse disco).

Como deu para ver, a história do Soul Asylum é dessas clássicas em que há um músico obstinado, mudanças de formação, tragédia pessoal e oscilações de popularidade (e de qualidade musical). O que sobra, ao fim, é a música, e é sobre ela que começamos a entrevista por telefone com Pirner. Mas também não dá para dispensar a riqueza pessoal de uma história dessas, e mesmo com os cruelmente breves quinze minutos a que nos deram direito, o papo com o homem que hoje é o Soul Asylum rendeu. Confira.

Depois de tantos anos e períodos que foram quase uma volta ao underground, a banda ainda excursiona, faz discos, é ouvida. O que você julga ser o atrativo para manter as pessoas ligadas à sua música?
Existe certa qualidade no que fazemos, e acredito que é isso que atrai a maioria. Temos algo a dizer, em letra e música. A indústria da música é circular, as coisas vêm e vão, e eu continuo me expressando do mesmo jeito. É apenas rock’n’roll, e isso quer dizer que tocamos para pessoas que querem ouvir tanto um show acústico quando um show com guitarras altas, desde que sejam boas canções. Não tenho planos de virar rapper num futuro próximo, sabe?

Bem, o último disco, “Change of Fortune” (2016), soa realmente diferente, mais vivaz e fresco que os anteriores…
Oh!

… e acho que é o caso de perguntar o que houve de diferente no processo, para que ele conseguisse conectar o som inicial da banda com o momento presente.
Acho que tentei manter um ângulo experimental, que me permitiu me arriscar em outras direções. Quando começamos, estávamos apenas aprendendo a tocar, o que dizer gravar. O que temos agora é uma unidade, estamos todos prontos para o estúdio, e tudo ali acontece muito rápido e isso dá um senso de espontaneidade. Quanto à questão de soar fresco, sou afetado por tudo que ouço e tento atirar em todas as direções.

E o que você tem ouvido ultimamente?
Eu tenho uma paleta muito ampla de coisas para ouvir, como Kendrick Lamar e jazz. Vivo há 16 anos em Nova Orleans, e por lá tenho prestado atenção especialmente em alguns trompetistas. E deixa eu ver, tem essa banda nova… Sword… Não lembro bem o nome (nota: e acaba não lembrando mesmo). Escuto também bastante música country, e algumas coisas mais pop.

Você falou em música pop, algo que sempre esteve na música do Soul Asylum. E na época de “Grave Dancers Union” vocês foram mais pop que nunca. Isso quer dizer que existem pessoas que vão aos shows e só reconhecem as mesmas canções de sempre, para não falar de eventos em que você toca que acabam tendo apelo nostálgico…
Diria que isso é ainda mais verdadeiro fora dos EUA, e admito que não sou muito fã da nostalgia. De qualquer maneira, as pessoas respondem às músicas que elas conhecem, e gosto muito de olhar na cara delas quando vejo essa receptividade, essa alegria. Mas luto para me manter em progresso. No set que tocamos a noite passada teve coisa dos últimos 30 anos, sabe? É o que gostamos de fazer, e é como lido com isso. Podemos espalhar o material mais conhecido para manter a atenção e aí incluir coisas novas, ou coisas dos primeiros discos, que são realmente obscuras, e assim manter a atenção da plateia.

Recentemente eu reli o livro “Fama e Loucura”, do Neil Strauss, que traz algumas cenas de bastidores particularmente embaraçosas da época do estouro da banda…
Qual livro?

Fama e Loucura”, do Neil Strauss. Ele era um repórter que…
Ah! Ele. Sei bem.

Era uma matéria para a Rolling Stone.
Sim.

Neil conta de situações bastante desconfortáveis, com você bêbado e tentando se provar o tempo todo. Sei que é um episódio que aconteceu há mais de 20 anos, mas queria saber como você olha para situações do passado que podem ser meio pesadas.
Bem… eu nunca deveria ter dado uma entrevista para o Neil Strauss. Se eu pudesse voltar no passado, eu nunca teria concordado com a matéria de capa para a Rolling Stone. Ele já sabia o que ia escrever antes mesmo de nos entrevistar, queria apenas pegar declarações que encaixassem na visão dele. Ele nem tomava notas durante o período que ficou com a gente. Me senti trapaceado por Neil Strauss e não tenho interesse em nada que ele faça, por isso nunca tinha sequer ouvido falar desse livro.

Entendo. Mas em um sentido mais amplo, como é para você olhar para trás? São quase 40 anos, muita coisa passou, e queria saber se existe algum grande arrependimento ou algo de que você se orgulhe especialmente.
Essa é uma boa pergunta. A parte mais difícil foi perder Karl Muller. Foi a coisa mais difícil que já vivi. Ele era um grande amigo e um grande parceiro, a relação que foi gerada entre nós era muito especial e a perda dela foi algo que me custou muito aceitar e me adaptar. Quanto a algo que me orgulhe, bem, estou muito surpreso que eu ainda esteja vivo (risos). Tem sido uma estrada longa e ainda estou nela, sabe? A coisa era emocionante no começo, desde subir no palco até gravar, e continua sendo, sabe? As pessoas ainda ouvem nossa música, isso nos permite viajar, podemos conhecer lugares, já tocamos na Casa Branca, (em 1994, na posse de Bill Clinton), no Japão, entende? Nessa vida, o yin e o yang os altos e baixos, podem ser bem extremos. Mas você tem que saber acompanhar o fluxo, e eu mesmo mantenho as expectativas muito baixas.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. É o responsável pela produção e curadoria dos álbuns “Um Grito Que Se Espalha – Tributo a Walter Franco”, “Faixa Seis” e “Brasil Tambien És Latino”  (artistas latinos gravando canções brasileiras), “Ainda Há Coração” (em tributo a Alceu Valença), “Caleidoscópio” (em homenagem aos Paralamas do Sucesso) e “Somos Todos Latinos” (com 16 artistas independentes brasileiros regravando temas pop e rock dos países de idioma espanhol). A foto que abre o texto é de James Hoch.

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