Entrevista: André Prando (2018)

por Leonardo Vinhas

André Prando cumpriu da melhor forma a clássica jornada do estreante na música alternativa: lançou um EP de estreia correto em 2014, ao qual seguiu-se um excelente álbum em 2015. Passou quase três anos promovendo o disco, participando de coletâneas (inclusive duas do selo Scream & Yell: “Faixa Seis” e “Um Grito Que Se Espalha”), tocando em diversos festivais de renome, e ganhando respeito da crítica e do público.

Porém – e nesse cenário dito “alternativo” os poréns podem ser destruidores – o desafio do segundo disco tem se provado não apenas artístico (no sentido de superar as expectativas do público e as próprias), mas bastante pratico: como financiar um segundo álbum, ainda mais profissional e melhor acabado que o primeiro, em um mercado que depende de editais, patrocínios e afins? Claro, não são incomuns os álbuns financiados por recursos próprios do artista (que muito frequentemente exerce outra atividade profissional além da música) ou, vejam só, da família do artista. Vivendo exclusivamente de sua música e da produção de shows e eventos, Prando não se encaixa em nenhum dos dois grupos recém-citados, e teve que operar uma detalhada gestão financeira para dimensionar o orçamento de “Voador”, seu segundo álbum, atualmente em fase de pré-produção.

Para atingir o montante, o jovem capixaba lançou uma campanha de crowdfunding, ferramenta cada vez mais usada como remuneração da atividade artística. E se a campanha de financiamento coletivo o mantém ainda na trajetória “clássica” do mercado fora do mainstream, o material musical também honra o nível estabelecido por “Estranho Sutil”, o disco de estreia: o Scream & Yell teve acesso exclusivo às demos de “Voador” e pôde constatar que André Prando mantém a qualidade compositiva que levou este mesmo escriba a chamar “Estranho Sutil” de “um dos discos nacionais da década”.

De Vitória, Prando concedeu essa entrevista para falar sobre o processo de criação do novo disco, mas principalmente para discutir o quanto as expectativas sobre o circuito alternativo da música encontram (ou não) correspondência na realidade.

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Quando conversamos em 2016, você disse que “Estranho Sutil” era um álbum tão redondo, tão bem resolvido, que você chegou a sofrer angústia, devido ao receio de não conseguir compor outras canções do mesmo nível. Como você resolveu essa inquietação para trabalhar o “Voador”?
Apesar de ter lançado o “Vão” em 2014, podemos considerar o “Estranho Sutil” como meu debute mesmo, e é uma situação bem corriqueira a ideia do primeiro álbum ser um greatest hits (risos). Afinal de contas, quase sempre o artista tá dando tudo de melhor que ele acumulou ali. Isso passou pela minha cabeça, no sentido de considerar um repertório bem conciso, e me preocupar com o próximo trabalho, assim como muito artista passa pela fase de “nossa, será que minha inspiração secou? Tanto tempo que não componho…” Como um artista que vive unicamente da própria arte e tem tempo para essas autoanálises, eu já fritei nessas ideias sim, mas acredito que de forma saudável, pra me entender, pra entender esses momentos, suar e seguir em frente. Por exemplo… agora que já estou trabalhando o “Voador”, você acha que eu já não pensei: “caramba… e depois desse?” (risos) Sem grilo. Acho que é a arte em movimento, a botação de fé que o trabalho é constante e duradouro, enquanto houver vida.

E de onde vieram essas composições do “Voador”? São todas novas?
Tem duas que antecedem “Estranho Sutil”, que foram escolhidas agora em bom momento! Revisei muita coisa, vou te contar. Mas em sua maioria, são composições pós-“Estranho Suti”l, com um olhar mais externalizado das coisas. Aceitei essa fase com entusiasmo! De lá pra cá eu tenho me sentido cada vez mais aberto para diferentes escutas, na época das composições eu estava lendo bastante Carlos Castañeda, Aldous Huxley, entrei no mundo da obra do [Alejandro] Jodorowsky, conheci diferentes lugares, toquei bastante, vi bastante show, conheci gente, vivo um relacionamento maravilhoso, bem leve e de aprendizado com minha esposa… Isso tudo foi inspiração pra mim. “Tenho ouvido muitos discos, conversado com pessoas, caminhado meu caminho, papo, som dentro da noite…” (nota: versos de “Apenas um Rapaz Latino-Americano”, de Belchior). Mais recentemente, ao revisar as composições todas, fui trazendo novas soluções e me peguei matutando várias vezes em algumas situações em que determinadas músicas tinham letras e intenções reflexivas em boa dosagem, ou apresentavam determinado tema mas não tinham um desfecho positivo da coisa. Isso me fisgou! Percebi que nos dias atuais, tenho me preocupado em levar boas energias nas composições, então acrescentei alguns motes conclusivos em viagens suspensas demais – pintaram uns novos refrões fodas, nesse sentido. Outras vezes fiquei experimentando diferentes soluções pra um único verso, me colocando no lugar de quem escutará, pensando em como essa escuta é uma experiência pessoal e coletiva ao mesmo tempo… Me preocupei com versos que poderiam sair da boca de outras pessoas, se eram “repetíveis”, se eram “cantáveis”, se eram “viajáveis”, se eram discussões pertinentes, etc. Tenho gostado de perceber isso tudo de forma consciente e, humildemente, tô doido pra compartilhar com o mundo.

Sobre esse lance procurar mensagens positivas… Você não acha que a gente pode estar preso a uma certa infantilização, certa narrativa de conto de fadas de que “vai dar tudo certo no final”? Não seria o caso de tratar o negativo como parte da vida mesmo? Afinal, não dá para viver só de positividade.
Talvez eu tenha me expressado mal ao generalizar com essa frase. Acho que o mais certo seria dizer que, ao revisar [as composições], eu pude concluir melhor alguns raciocínios. Não necessariamente mudando a mensagem, mas trazendo uma mensagem mais clara. Às vezes um verso a mais já conclui algo de forma mais completa. Pode ficar tranquilo que o disco continua trazendo climas badtrip que são comuns em algumas músicas minhas também (risos). Logo eu que sempre defendi a beleza do feio, nesse caso, as diferentes perspectivas pras situações né? Por exemplo, tem uma música sobre catalepsia projetiva, vulgo paralisia do sono, que é um distúrbio do sono que tenho. É como se a mente acordasse antes do corpo. A canção descreve os sintomas disso, e aí a poesia dá uma viajada. Eu tinha terminado originalmente basicamente falando como era, a sensação meio de pesadelo… Mas faltava a conclusão, e eu fiz um apêndice falando sobre como lido com isso, e virou um refrão especial: (canta) “comecei tendo medo / hoje o meu corpo não tem peso / comecei tendo medo / já falou com seus demônios hoje?” Não tem uma coisa positiva, mas tem um resolver das coisas, sabe? Ao meu ver, isso é positivo.

Você também disse que tinha como meta tocar em vários festivais, muitos dos quais você tocou – Se Rasgum, Psicodália, por exemplo. A circulação deu os resultados esperados? Correspondeu ao seu sonho?
Desde que comecei a perceber o circuito de festivais de música independente do Brasil, com line-ups que misturam uma nova cena a artistas consagrados no mesmo palco, um grande público misto, produtores que frequentam os festivais uns dos outros etc, percebi o quanto era um cenário importante e enriquecedor. Não sei se é só minha vivência, mas pelo que entendo, não são nesses shows que os artistas vão fazer dinheiro, mas sim plantar sementes. Com o “Estranho Sutil” nós passamos por Psicodália (Rio Negrinho/SC), Festival MADA (Natal/RN), Noite Cantautores (Belo Horizonte/MG), DoSol (Natal/RN), Se Rasgum (Belém/PA), Festival FEBRE (Sorocaba/SP), Feira Noise (Feira de Santana/BA), Showlivre (São Paulo/SP), Sofar Sounds Brasil, entre outros, e nessa circulação, sempre buscando outros palcos alternativos das cidades próximas. Nunca foi um rolê de lucro em grana, sempre no zero a zero ou pagando coisa do meu bolso, então não é fácil. Mas posso dizer sem trepidar que valeu a pena demais e deram o resultado esperado, que foi a experiência e, principalmente, conexões feitas. Novas amizades, admirações e admiradores, novas portas que se abrem pro futuro e boas trocas. Essa bagagem traz ao “Voador”, por exemplo, lindas participações especiais e um público maior. Não sei se é certo dizer que realizei um sonho, como você perguntou. Meu sonho é a constância dos meus sonhos, que é o que eu faço. Nesse sentido, acho mais justo dizer que sigo realizando.

Você trabalhou com o Rodolfo Simor no primeiro disco, cuja participação no processo você repetidamente destacou. Por que, então, mexer no time e procurar o Jr Tostoi para o próximo álbum? O que você procurou nele que vai firmar a identidade do “Voador”?
Descaretice! Não que meu disco anterior seja careta, claro. Tostoi traz consigo uma bagagem muito rica de música brasileira e rock mundial com uma perspectiva nada careta. É um cara que gosta de desafios e de ousadia! Antenado em lançamentos e sempre indicando essas escutas. Além dos trabalhos que ele já passou como instrumentista e produtor, que são referências para nós (e isso já é maravilhoso! Trabalhar com quem é uma referência para você), pirei na ideia do que poderíamos fazer juntos. Ele ter adorado o “Estranho Sutil” foi uma motivação para nós! Mais ainda saber que ele gosta do repertório do “Voador” e se amarra na forma como nós (eu e a banda, ou no caso eu e Henrique Paoli, arranjador) construímos os arranjos. O disco é mais brasileiro do que o anterior, acho que tem menos cacoetes de composição – ou talvez tenha só novos cacoetes (risos). Uma coisa presente nas músicas individualmente e como conjunto é o clima mântrico. Algumas com finais explosivos com longas repetições e – como citei anteriormente – melhor conclusivos. Isso tudo abre portas para camadas de experimentações muito ricas.

Você está recorrendo ao crowdfunding para fechar esse álbum. Como você enxerga essa ferramenta? É um mecenato, uma nova forma de remunerar o artista, ou nada disso?
Sempre vi o crowdfunding como uma ferramenta muito justa e muito possível para nós. Por ter um público que acompanha firmemente meu trabalho, torce e pira comigo nas conquistas, sempre vi como possibilidade. Porém, sempre entendi a amplitude trampística (do verbo trampar) por trás da coisa. Já vi algumas poucas campanhas não darem certo, por simplesmente botarem no ar e não trabalharem a campanha. Na maioria das campanhas que vi acontecer e contribuí, vi o sucesso diante de uma entrega e correria sinistra. Demanda um puta envolvimento do artista e equipe envolvida, você precisa estar em contato direto com a galera, alimentar a campanha, sem contar toda parte pré-produção que conta muito! Montar uma campanha bem elaborada, prêmios interessantes e criativos, etc… projetamos tudo com muita dedicação e tô pronto e ansioso pra apresentar pro público. Tem camisas novas com estampas fodonas, posters surreais, video-aula, vídeo-dedicatórias, os clássicos shows particulares, o LP do “Estranho Sutil”, etc… e claro, o próprio “Voador”. A campanha vem com um orçamento mais enxuto possível, temos parceiros, grande grana que eu mesmo já investi pra reduzir o valor total necessário… Digo isso pra que as pessoas entendam que a campanha é necessária e que passa muito longe da ideia de “tô aqui pedindo” e anda muito mais próxima da ideia de “ferramenta para arrecadação” – não à toa, temos as recompensas. Mas a parte mais massa mesmo é fazer parte de uma história, fazer parte da obra. Eu sempre fico muito feliz em contribuir com a campanha de outras galeras. É um viva ao independente.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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