Entrevista: Guantánamo Groove

Entrevista por Renan Guerra

Guantánamo Groove é o encontro de três caras em Santa Maria (a cidade gaúcha infelizmente marcada pela tragédia da Boate Kiss) criando sons e buscando movimentar a cena artística do interior do Rio Grande do Sul. “Distantes demais das capitais”, Gustavo Garoto (guitarra e vocal), Yuri ML (baixo e vocal) e Vagner Uberti (bateria) uniram-se no final de 2012 e de lá pra cá já lançaram de forma independente um EP, “Boca”, e um disco, “Ocupa”, que mesclam suas influências de rock, hip-hop e música alternativa.

Nesse ano de 2017, a banda se viu no meio de uma campanha que mobilizou o interior do estado e os fez participar do projeto “Sua banda no Nívea Viva”, projeto que levou Jorge Ben Jor, Céu e Skank para um show gratuito em Porto Alegre. Com uma participação efetiva do público, a banda viu uma resposta da comunidade local para o seu som, que busca constantemente suas raízes para alcançar o universal.

Em uma tarde de frio e sol em Santa Maria, visitei o QG da Guantánamo Groove, uma mezzo comunidade artística mezzo casa de estudante, onde uma parte da banda reside, ao lado de dois cães gigantes, o Jairo e o Leonel (modelos da capa do disco “Ocupa”), que, apesar do tamanho, receberam o visitante com a maior mansidão. Como espaço de criação e ensaios, o QG da banda soa como um ponto de encontro para artistas da região e já hospedou bandas como a Francisco, El Hombre, Tagore e Cuscobayo em suas passagens por Santa Maria.

Sentados no quintal da casa, conversamos sobre a produção independente de cultura na região, a resposta positiva do público e os projetos futuros da banda. Faça o download gratuito dos dois trabalhos da banda no site oficial e confira a conversa abaixo:

No caso do projeto do Nívea Viva vocês tiveram uma resposta muito boa do público, que era algo que vocês já tinham experimentado no financiamento coletivo do primeiro disco, o “Ocupa”. Como vocês lidam com essa resposta do público aqui da região?
Yuri: Isso é uma coisa que a gente nutriu e regou por muito tempo e só colheu esses bons frutos. O crowdfunding foi um apoio inicialmente dos amigos, da comunidade ao redor, e transcendeu um pouco para o âmbito de Santa Maria e a gente teve sucesso. Foi uma campanha vitoriosa, as pessoas se sentem vitoriosas junto conosco, por que tem seu nome no encarte, elas se sentem participantes do rolê. A gente se sentiu com torcida, com amigos torcendo por nós. Mas cara, desde o começo a gente buscou uma relação de troca com essa galera, isso desde que começamos a tocar, no começo da banda, em eventos organizados por diretórios acadêmicos aqui da Universidade [Federal de Santa Maria], na Concha Acústica, na gare, no Parque Mallet ou organizado por outras bandas. Na internet, por exemplo, colocando os clipes e mantendo uma comunicação direta com a galera… são coisas importantes. Tudo o mais horizontal possível, tudo sem mistificar, “ah, o artista!”, colocando-se a disposição não só com a galera que gosta do som, mas também com outros colegas artistas, conhecendo, trocando ideia.

Vagner: E compartilhando público. E bah… cara, no final das contas, ver esse resultado aí é, primeiramente, gratidão por todo mundo que compartilhou [a hashtag da Nívea]. Tem uma torcida, tem bastante gente que bota fé no nosso som. E foi uma coisa louca, imagina ser decidido algo através de hashtag, cara? A gente que é do interior, todo mundo grosso, que nem quer usar hashtag. Eu mesmo não queria usar, descobri a funcionalidade delas há pouco tempo, então foi surpreendente. Teve gente lá de Santiago, da nossa localidade, criando Twitter para poder ajudar. Foi surpreendente o poder do interior do Estado, isso foi muito foda, por que a campanha se encerrou com mais de cinco mil votos, aqui no interior, e a campanha do Rio de Janeiro, por exemplo, se encerrou com 300 votos. A campanha daqui teve uma grande discrepância de números em relação à dos outros estados e isso tem um valor intangível. Isso tudo é muito importante, pois hoje em dia é difícil você chamar atenção das pessoas para uma causa e isso foi possível, de uma forma orgânica.

Como vocês chegaram até o projeto Nívea Viva?
Yuri: Fomos descobertos. Eles já fizeram esse evento com vários artistas, porém esta foi a primeira vez que eles lançaram o anexo “Sua banda no Nívea Viva”. Nós estávamos em reunião um dia e o cara que estava com o telefone da banda disse “ó, ligaram de uma agência perguntando se a Guantánamo tinha disponibilidade de participar”. Nos adiantaram algumas coisas por telefone, a gente deu sinal positivo, mandaram o e-mail e foi.

Vagner: Foi tudo muito rápido também.

Yuri: Mas até hoje a gente não sabe quem foi exatamente o curador que nos indicou para esse evento, só sabemos que foi alguém do Uol, que trabalhou ao lado da Nívea nesse sentido.

Vocês consideram que esse é o resultado de um trabalho contínuo que vocês fazem na região, bem como dessa construção cultural local que vocês carregam como uma parte da identidade da banda? Vocês enxergam dessa forma?
Gustavo: Enxergamos sim, tanto que nosso primeiro trabalho, o “Boca”, tem uma identificação com o repertório cultural da cidade, assim como outras músicas que vieram a figurar no “Ocupa”. A gente assume essa postura da nossa aldeia, de admirar aquilo que nos aproxima para tentar tocar o universal. Através disso, de cantar a cidade, falar dos nossos cachorros, da nossa rua, a gente acaba tendo esse feedback positivo, pois a cena musical se estabelece através dessa conexões, dessas redes, de pequenos locais a médios, que vão recebendo bandas e núcleos de gente que apoia arte, e faz diversos tipos de arte, que se cruzam nessas casas de cultura, nesses pontos de encontro. Acredito que a gente ter feito algumas empreitadas pelo interior do Rio Grande do Sul, bem como de outros estados, como São Paulo e Santa Catarina, ajudou bastante a gente não ficar apenas na hashtag de Facebook, mas ir pra trincheira.

Nesse sentido de produzir na região, vocês têm contato com outras bandas e amigos aqui na cidade que também tocam?
Gustavo: Muito, aqui em Santa Maria tem muitos artistas talentosos, fazendo coisas massas, tem uma rede de bandas muitos legais. Várias bandas lançando seus crowdfundings, se mobilizando. Enfim, acho que somos resultado do esforço de várias bandas que nos precederam aqui em Santa Maria e tornaram palpáveis os resultados de seu investimento na música. É o caso de citar a Rinoceronte, por exemplo, que saiu de Santa Maria e fez uma tour nacional, tendo um feedback muito positivo. Além disso, o fato de se posicionar ocupando os espaços, fazendo festas na rua, tentando sempre atingir uma horizontalidade, torna possível, por exemplo, que role um evento que gire 5 mil pessoas na concha acústica, é possível a gente ocupar o aparelho público de uma forma sustentável e mais que isso, reivindicar, pois faz parte da banda não só pedir, mas reivindicar: porque, por exemplo, a secretaria da cultura aqui da cidade está fechada há tanto tempo? É sempre interessante você usar esse espaço que tem do microfone e ser um emanador de frequências sonoras para tantas pessoas, tentar chamar a atenção para esse cunho também.

Yuri: No final das contas, a banda é um tipo de engrenagem, uma estrutura orgânica, que atua em diversas frentes para incidir na realidade. Apesar da gente se dizer uma banda independente, ela é uma banda, uma célula, um organismo extremamente dependente de outras células, outros organismos que tão aí com esse mesmo objetivo. Muitas vezes nós nos definimos como um conjunto musical, mas às vezes a gente se organiza como empresa, às vezes como coletivo, às vezes como indivíduos da sociedade civil interessados em discutir políticas públicas de cultura, usando a banda como uma ferramenta, como um aval. E a gente depende de outras bandas e outros pontos de cultura, como é a Casa de Cultura Vaca Profana, de Passo Fundo, como são os nossos amigos da Dr. Hank, em Canela, ou mesmo os colegas da Geringonça, da Pegada Torta e do Teatro Por Que Não? aqui em Santa Maria.

Além desse fator de agregação cultural na cidade, dentro do disco também fica bem claro que vocês misturam muitos gêneros, formatos e todas as experiências distintas de cada um. Como vocês conseguiram unir tudo isso no “Ocupa”?
Gustavo: No improviso mesmo, pois a gente esteve junto, os três, pela primeira vez no estúdio. Foi através do improviso, de tentar imprimir um jeito nosso de fazer aquelas coisas. O nosso primeiro EP, o “Boca”, de quatro faixas, é bem cru, o power trio, com poucas dobras. No “Ocupa”, o disco, a gente quis transformar essas músicas que estavam na nossa cabeça sem se prender a formatos. A partir disso, a gente passou a tocar em outras cidades com naipe de sopros e percussão. E agora, no nosso terceiro trabalho, que lançaremos ainda esse ano, foi um desafio que nos propomos a fazer no Theatro Treze de Maio, aqui em Santa Maria, que é um dos principais palcos da cidade. Será o Acústico Guantánamo, que ao invés de simplesmente desplugar os instrumentos, a gente decidiu retomar o trabalho com o Marcio Gomes, que é o arranjador do disco “Ocupa”, e colocar um quarteto de cordas e a flauta transversal. As músicas do “Ocupa”, muitas delas, já existiam em nosso imaginário desde o EP, mas no EP era inviável de colocá-las dessa maneira, então estamos agora num fechamento deste primeiro ciclo, com canções do passado e nos preparamos para novas formas de conceber a música e os formatos da banda.

Vocês já têm previsão de lançamento do “Acústico”?
Gustavo: Ah, é importante ressaltar que eu falei acústico, mas o nome desse projeto é “Guantánamo Groove e Orquestra Itaimbé”. Ele nasceu com uma proposta de acústico, mas o material será lançado, ainda esse ano, com o nome “Guantánamo Groove e Orquestra Itaimbé”, que é formada por músicos próximos da gente e que formou esse time, que são dois violinos, cello, viola, flauta transversal, trombone, percussão, teclado e o power trio original.

Vagner: No final das contas, somos uma banda meio camaleão, dependendo do espaço vamos em trio, em quinteto, com a orquestra, nos adaptamos.

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell.

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