Três perguntas: Raphael Bertazi

por Lucas Vieira

Há cinco anos que Raphael Bertazi atua como DJ. Mas foi em 2014 que ele soltou na internet “Esse Nêgo Charmoso”, versão entre o axé e o tecnobrega de “This Charming Man”, do The Smiths. Na capa do single, a visão estática de Compadre Washington ocupa a pose que é de Alain Delon em “The Queen Is Dead”, e cria uma ponte que extingue o abismo entre os ingleses melancólicos e a brasilidade infindável do É O Tchan e dos sintetizadores que tanto deram cara ao som da nossa música brega.

De Pirassununga, município de São Paulo, o produtor musical teve destaque em 2013 no Verão MTV, com as vinhetas do “MTV #1 – Tudo Junto e Misturado”, onde apareceram até alguns mashups que não constam de seu Soundcloud. Na contagem regressiva para o carnaval, desde 2014, o DJ paulista lança suas inusitadas versões misturando músicas pop internacionais com som brasileiro, um projeto que ele batizou de “Axé Bahindie”.

Já fazia quatro meses que sua então última misturada – “Bring The News”, o mashup do tema do Jornal Nacional com os rappers do Public Enemy – havia sido lançado quando: BOOM! Bertazi soltou os quatro Axé Bahindies de 2017, que estão no auge das melhores mixagens que ele já fez. Se antes tivemos “Repitilícia” (The Strokes & É O Tchan) e “Wonderuó” (Oasis & Ivete Sangalo), agora é a vez de “Robozinho Empinadinho” (Daft Punk & Companhia do Pagode), “Céu de London” (The Clash & Ivete Sangalo), “O Boy Mais Belo de Todos” (Beyoncé & Daniela Mercury) e “Me Bota Pra Fora” (Franz Ferdinand & É O Tchan).

Alvo de críticas de fãs inveterados das bandas que são misturadas ao Pagode e ao Axé, mas também de elogios de nomes como Pitty, Daniela Mercury e Lázaro Ramos, entre outros, não há como negar a criatividade das misturas do DJ. Além disso, são versões contagiantes, muito bem humoradas e de verdadeiro bom gosto, qualidades que também aparecem em suas outras montagens. Além do mundo baiano do Axé Bahindie, o produtor faz outras misturas curiosas e ousadas: Racionais MCs com Chapolin (“Voz da Astúcia”) e uma inesperada versão da Siri – Sim, aquela mesma do seu Apple – cantando Tom Jobim em “Garota de Iphonema”. Abaixo, Raphael Bertazi fala sobre seus Axé Bahindies!

Como você pensa os seus mashups? Usando um exemplo: você escolheu primeiro o tema do Jornal Nacional ou a música do Public Enemy? Existe uma ordem ou método no seu processo de criação?
Normalmente penso em um conceito do que misturar, tipo axé e indie, mas a escolha das músicas vem na hora de fazer, porque nem sempre duas músicas que tem pinta que vão combinar acabam soando legal. Então acabo testando várias. No caso do JN, comecei a picotar a vinheta já pesando em misturar com algum discurso mais ativista, aí nesse contexto a música do Public Enemy foi a que mais deu liga. O que também guia a escolha das músicas é a tonalidade e o “tempo” (velocidade/andamento) delas, porque isso faz com que elas sejam parecidas em termos de linguagem musical e “encaixem”. Na edição até é possível alterar as duas coisas, mas é melhor perder tempo procurando músicas que já sejam próximas nesse sentido. Soa mais natural.

O pagode e de certa forma também o axé dos anos 1990 tem meio que voltado à moda. Não só porque as pessoas estão ouvindo, mas estão surgindo páginas com memes, camisetas, uma sorte de coisas. O que você acha que está causando esse retorno a algo que parecia ser tão datado?
Quem era criança nos anos 90 recebeu uma dose grande de axé e pagode na cabeça. E era uma parada muito criativa, as letras, as coreografias, a banheira do Gugu. Todo mundo sabia cantar as músicas, tocava o dia inteiro em todos os lugares. Até hoje me pego no banheiro “…psiu psiu morena linda do bumbum empinadinho…”, a galera ficava dançando no recreio… Então acho que isso ficou guardado no inconsciente dessa geração e agora tá vindo à tona. Além disso, quando era criança, a gente não tinha muita malícia pra sacar as letras, pau que nasce torto, enfim… Agora é muito engraçado revisitar essa fase mais psicodélica da nossa música.

Imagino que devem existir complicações para se, por exemplo, você resolver lançar um disco. Falo por causa de questões de direitos autorais e outros trâmites legais. Qual a sua opinião sobre essa questão envolvendo uso de samplings, direitos de autor, relacionados ao tipo de música que você faz?
Não sei muito sobre lei, mas acho que sim, pra lançar um disco eu teria que conseguir a autorização de todos os artistas que sampleei, o que não é simples. O ideal seria se houvesse uma forma mais fácil de valorizar todo mundo, os produtores e os artistas sampleados, porque esse tipo de música também é autoral de alguma maneira. Samplear não é tão diferente de usar na sua música o timbre de guitarra ou a estrutura harmônica de outra música que te influenciou. Desde sempre a música é feita reinterpretando gravações anteriores, e dando novos significados para aquilo. Alguns artistas (Caetano Veloso, Daniela Mercury, Talking Heads, Cumpade Washington, Gaby Amarantos) já se manifestaram elogiando o que eu fiz com a música deles, e é muito gratificante quando o próprio autor da música enxerga a mistura de forma positiva. Tem um documentário bem legal chamado “RIP! A Remix Manifesto” que levanta essa discussão sobre sample e direitos autorais, vale a pena.

– Lucas Vieira (Facebook) está no último período da faculdade de jornalismo, escreve sobre música desde 2010 e assina o blog Dizconauta

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