Boteco: 10 cervejas de 10 países

por Marcelo Costa

Abrindo mais um passeio pelo universo cervejeiro com a segunda cerveja da Tailândia a passar por este espaço: de Bangkok, Singha Premium Import (a primeira foi a Phuket, também uma Premium American Lager), da Boon Rawd Brewery. Na receita, três lúpulos: Saaz, Hallertau e Perle. De coloração dourada com creme branco de boa formação e rápida dispersão, a Singha não exibe muito dos três lúpulos que a empresa diz ter na receita (a quantidade, talvez, seja pequena), e sim a doçura do malte, que remete a caramelo e mel. Na boca, textura suave. O primeiro toque oferece doçura de caramelo, que seguirá atravessando a barreira de amargor (discretíssimo) e seguirá adiante, sem enjoar, mas também sem conquistar. O negócio aqui é leveza e refrescância, o que deve combinar com as praias tailandesas num dia de sol. Boa no que se propõe. O final é maltadinho. No retrogosto, doçura e refrescância. Redondinha, mas esquecível.

Da Tailândia para a Suécia, aqui representada pela Spendrups Bryggeri (Brutal Brewing), que está chegando ao Brasil primeiramente com duas rótulos: Pistonhead Kustom Lager e Pistonhead Flat Tire, esta segunda uma Premium Lager que recebe dry-hopping de lúpulo Mosaic. De coloração dourada com creme branco de boa formação e média retenção, a Pistonhead Flat Tire exibe um aroma delicadamente lupulado oferecendo notas cítricas suaves (limão). Há, ainda, sugestão de biscoito e leve presença herbal. Na boca, a textura é quase cremosa com leve tom metálico. O primeiro toque reforça a ideia cítrica oferecendo limão e doçura seguidos de amargor discreto (26 IBUs), mas eficiente e acima das tradicionais Pale Lagers. O final é seco e suavemente cítrico. No retrogosto, refrescância e cítrico suave. Boa no que se propõe.

Da Suécia para o México com a segunda cerveja (a primeira foi a Negra Modelo) do Grupo Modelo a passar por este espaço: Modelo Especial, uma Premium American Lager produzida pela primeira vez em 1966, e desde então uma das líderes de mercado no segmento mexicano. De coloração dourada caminhando para o âmbar com creme branco de média formação e rápida dispersão, a Modelo Especial exibe um aroma maltado sugerindo cereais, biscoito e pão. Há, ainda, leve percepção herbal assim como de papelão molhado. Na boca, textura áspera e levemente metálica. O primeiro toque oferece rápida doçura caramelada seguida de papel molhado, metálico e herbal. O amargor é baixo e abre as portas para uma cerveja refrescante, que finaliza de maneira seca e herbal. No retrogosto, um fino traço herbal e refrescância. Uma cerveja bem simplista.

Do México para a Bélgica com uma cerveja da Brasserie de Brunehaut, fundada em 1890, mas com histórias datadas de 1096, quando um bispo fazia cerveja na Abadia de St. Martin como alternativa a água contaminada na região. Corta para os 2000, em que a cervejaria faturou várias medalhas em concursos mundiais – essa Brune, inclusive, ganhou um ouro no World Beer Awards 2008. De coloração marrom escura translucida com creme bege de boa formação e média retenção, a St. Martin Brune exibe um aroma frutado sugerindo jabuticaba e alcaçuz. Há, ainda, leve remissão a barricas de vinho. Na boca, textura sedosa e levemente picante. O primeiro toque oferece leve doçura e frutado (a jabuticaba persiste). O amargor não existe, mas há uma leve pontada alcoólica (8%). Dai pra frente, um conjunto interessante, meio azedo e meio doce, com valorização de jabuticaba. O final traz jabuticaba, azedinho e doçura. Ótima.

Da Bélgica para a Argentina, com a quarta cerveja Patagônia, do grupo Quilmes, a passar por este espaço: Küne, uma Patagonia Pale Ale, já que utiliza dois lúpulos da região: Mapuche e Vic Secret (versão patagônica). De coloração âmbar caramelada translucida com creme branco de boa formação e retenção, a Patagonia Küne exibe um aroma bastante suave sugerindo notas frutadas cítricas (laranja e mamão) sobre uma base suave de malte caramelo. Há, ainda, leve sugestão herbal (grama cortada). Na boca, textura suave com leve picância. O primeiro toque traz doçura caramelada e leve cítrico. O amargor é baixo e discreto abrindo as portas para um conjunto que equilibra notas maltadas (caramelo) e de lúpulo (grama, mamão) até o final, seco e levemente herbal. No retrogosto, caramelo, mamão e herbal suave. A melhor da casa.

Da Argentina a gente pula para o Brasil, mais especificamente para Itupeva, interior de São Paulo, casa da Blondine, representada aqui por sua Piña Colada, uma Blond Ale que recebe adição de abacaxi e coco buscando rememorar o famoso drink criado em Porto Rico, 1954. De coloração dourada com leve turbidez a frio e creme branco de ótima formação e média alta retenção, a Blondine Piña Colada exibe um aroma frutado sugerindo banana, abacaxi e leite de cocô discreto mais presença de cereais (pão). Na boca, textura cremosa e levemente frisante. O primeiro toque traz doçura frutada cítrica remetendo a abacaxi seguido de banana (muita) e leve leite de cocôo. O amargor é baixo e o conjunto, levemente rústico (remetendo a Saison), segue oferecendo frutas e doçura caramelada. O final é levemente seco e doce. No retrogosto, doçura frutada suave (mais banana do que abacaxi). Interessante.

Atravessando o Atlântico mais uma vez, agora dos EUA para a Alemanha, mais precisamente para Munique, casa da Spaten-Franziskaner-Bräu, já presente no Scream & Yell nas versões Munchen e Optimator (uma boa Doppelbock) tanto como nas versões da Franciskaner. Agora é a vez da Oktoberfest Marzen da família, uma cerveja de coloração dourada com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, aroma maltadíssimo sugerindo cereais, cevada, pão e muito caramelo com leve presença herbal. Na boca, textura metálica, áspera e levemente sedosa. O primeiro toque traz doçura caramelada e herbal quase no mesmo segundo. Logo depois, amargor baixo e um conjunto que remete, discretamente, a uma Malt Liquor, ainda que sua graduação alcoólica seja apenas 5.9%. O final é maltadinho e herbal. No retrogosto, caramelo, pinho suave e metálico.

Agora partimos da Alemanha para Årslev, pequena cidade dinamarquesa de quase 4 mil habitantes, casa da Midtfyns Bryghus, cervejaria fundada em 2004, e muito respeitada atualmente. Essa Rough Snuff 2 é uma segunda versão da receita de cervejeiro caseiro que venceu um concurso da cervejaria. Trata-se de uma Belgian Strong Ale com especiarias locais que apresenta uma coloração marrom bastante escura, quase preta, com creme bege de boa formação e rápida dispersão. No nariz, bastante doçura caramelada com suave presença de baunilha, frutas escuras (uva passa e ameixa em calda) e leve percepção de álcool. Na boca, a textura abre sedosa e picante e vai se tornando licorosa. O primeiro toque traz forte frutado (uva passa e ameixa) seguido de doçura (baunilha) e amargor alcoólico (são 9.5%). Dai pra frente, uma cerveja bastante agradável, com doçura moderada, bastante frutado e álcool potente. O final termina delicadamente doce. No retrogosto, uva passa, baunilha e calor. Boa!

Da Årslev para a cinco vezes maior Bodegraven, na Holanda, cidade de 20 mil habitantes que é a casa da renomada De Molen, presente aqui com sua White Witch, uma Saison que une os maltes Pilsen e Caramel com trigo tradicional e trigo espelta mais lúpulos Aurora (amargor), Amarillo e Cascade (aroma). De coloração amarela puxado para o âmbar com creme branco de boa formação e média alta retenção, a De Molen White Witch exibe um aroma levemente condimentado e azedinho sobre uma base terrosa que remete ao trigo Espelta. Na boca, a textura é frisante e terrosa. O primeiro toque sugere doçura rápida que recebe a companhia de cítrico discreto, forte terroso e leve condimentação. O amargor é baixo (25 IBUs que passam despercebidos), mas uma leve acidez aliada ao terroso consegue equilibrar a doçura. O final é terroso e levemente seco. No retrogosto, caramelo, terroso e leve adstringência. Ok.

Para encerrar a série 10 países, o Canadá marca presença com uma incrível Doppelbock da Les Trois Mousquetaires cuja receita traz 100% de maltes do Quebec (Pilsner, Munich e Caramel) mais os lúpulos Perle e Hallertau. De coloração âmbar caramelada turva (café mal coado) e creme bege de boa formação e média alta retenção, a Les Trois Mousquetaires Grande Cuvee Doppelbock apresenta um aroma intensamente frutado (uva passa, figo, banana caramelada e frutas secas) com leve remissão a defumado e algo que sugere fumo e charuto. Há, ainda, leve percepção de álcool. Na boca, a textura sedosa, quase licorosa, com picância alcóolica. O primeiro toque traz doçura frutada intensa seguida de sugestão de fumo e amargor alcoólico (8.6% de álcool, 30 de IBU) que abre as portas para um conjunto magnifico, frutado, picante, doce, suavemente defumado e alcóolico. O final é levemente doce. No retrogosto, caramelo, frutado e sorrisos. Excelente.

Balanço
Abrindo uma série “países” com a segunda tailandesa a passar pelo Scream & Yell e, assim como a primeira, dispensável. A Singha, tal qual a Phukhet, é uma Premium American Lager feita para refrescar. No caso da Singha, ela soa mais doce que a Phukhet, e ambas são corretas, mas esquecíveis. Partindo para a Escandinávia com a sueca Pistonhead Flat Tire, uma Premium Lager lupulada que está chegando ao Brasil com excelente preço final, entre R$ 8 e R$ 10, e vale conferir. Ótima para dias quentes. Do México, a Modelo Especial não surpreende. Há maltado interessante, herbal discreto e papelão molhado. A belga St. Martin Brune foi uma boa surpresa, oferecendo doçura e jabuticaba de maneira agradável. A argentina Patagônia Küne aposta no lúpulo local, e se mostra interessante, mas poderia ser mais lupulada. Do jeito que está parece uma Pale Lager caramelada. Boa, mas simplista. A brasileira Blondine Piña Colada acrescenta bastante banana ao “drink” que vai (leite) de coco e abacaxi. Da Alemanha, eu esperava um pouco mais da Spaten Oktoberfest, mas o que mais me incomodou foi um traço metálico persistente. Já a boa Belgian Strong Ale dinamarquesa, a Midtfyns Bryghus Rough Snuff 2, é doce e alcoólica, mas não enjoativa. Como tem que ser. Já a holandesa De Molen marca presença com sua White Witch, uma Saison que perdeu viço e brilho com o tempo. Engarrafada em dezembro de 2014, ela está pálida e sem graça dois anos depois. Fechando com chave de ouro, o Canadá sai com a medalha de ouro dessa série devido a magistral Les Trois Mousquetaires Grande Cuvee Doppelbock! Absolutamente excelente.

Singha Premium Import
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Tailândia
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,32/5

Pistonhead Flat Tire
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: Suécia
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 2,99/5

Modelo Especial
– Produto: Premium American Lager
– Nacionalidade: México
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 2,39/5

St. Martin Brune
– Produto: Abbey Dubbel
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,41/5

Patagonia Küne
– Produto: Patagonia Pale Ale
– Nacionalidade: Argentina
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,01/5

Blondine Piña Colada
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5,7%
– Nota: 2,95/5

Spaten Oktoberfest Marzen
– Produto: Oktoberfest
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5,9%
– Nota: 3,11/5

Midtfyns Bryghus Rough Snuff 2
– Produto: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 9,5%
– Nota: 3,43/5

De Molen White Witch
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 6,1%
– Nota: 2,80/5

Les Trois Mousquetaires Grande Cuvee Doppelbock
– Produto: Doppelbock
– Nacionalidade: Canadá
– Graduação alcoólica: 8,6%
– Nota: 4,01/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.