Entrevista: Deize Tigrona

por Renan Guerra

Em 2005, no documentário “Sou Feia Mas Tô Na Moda”, de Denise Garcia, a funkeira Deize Tigrona (na época famosa como “Deize da Injeção”) contava que, ainda trabalhando como doméstica, uma de suas patroas pediu um disco com a tal faixa “Injeção”. Numa noite, Deize ouviu seu disco no som da casa acompanhado de gemidos sensuais que ecoavam, provando a força de seu ritmo.

É também nesse filme que a cantora explica seu conceito de funk sensual, que nessa época já tinha se tornado sucesso internacional e já tinha ares cult: bandas underground brasileiras como NoPorn e Tetine já reverberavam o estilo na noite de São Paulo e a cantora M.I.A., ao lado do produtor Diplo, já havia sampleado a faixa de Deize para o seu hit “Bucky Done Gun”. Deize era uma estrela internacional!

De 2005 a 2012, Deize fez turnê na Europa, gravou com os portugueses do Buraka Som Sistema, cantou no Tim Festival ao lado de M.I.A. e tocou no Rock in Rio Lisboa. Nesse meio tempo se tornou musa de DJs e produtores, indo de gente como Diplo e Edu K até Bonde do Rolê e Jaloo. Este último foi que deu ares mais technobrega para Deize na faixa “Prostituto”, seu último lançamento antes de um hiato de quatro anos.

Nesse tempo afastada da música, Deize enfrentou uma depressão que fez com que ela pensasse que não mais voltaria para o mundo artístico. Para sobreviver, Deize conseguiu um emprego de gari na Comlurb, no Rio de Janeiro, e nesse tempo ainda adotou um filho. Porém essa fase de dificuldades fortaleceu um retorno ainda mais político da artista.

Com um contrato assinado com a Toca Produções, mesma produtora responsável pelo Dream Team do Passinho e por Flávio Renegado, Deize lançou este ano a faixa “Madame”, ao lado de Chernobyl, DJ gaúcho integrante da Comunidade Nin-Jitsu. A faixa mescla toda a ousadia de seu funk sensual com as inter-relações entre drogas e violência. Para contemplar ainda mais esse jogo político, “Madame” ganhou um clipe gravado no Hotel Cambridge, no centro de São Paulo, que é ocupado por famílias sem-teto desde 2012.

Conversamos com Deize Tigrona via Whatsapp, já tarde da noite, horário em que ela já estava livre do trabalho de gari. Simpática e extremamente contente de estar de volta à música, Deize conta abaixo um pouco sobre a nova fase e os projetos futuros. Confira:

A primeira pergunta é sobre a fase que você ficou afastada da música. Você enfrentou uma depressão e acabou entrando num novo emprego, você chegou a pensar que não voltaria pra música?
Sim, na fase que eu tinha parado e fiquei com depressão achei que não fosse voltar ao mundo artístico mesmo. Pensei que não tinha mais vez, que tinha acabado, mas foi totalmente diferente. A força de vontade e o prazer de fazer as músicas gritaram mais alto.

Como que se deu esse retorno este ano? Você ainda segue com o trabalho de gari em paralelo?
Então, na real, ano passado eu já estava fazendo alguns eventos, mas não com toda força. E esse ano, no caso, surgiu o convite do Chernobyl de fazer a letra e tudo da produção. Aí eu fiz “Madame” e mandei. E sim, continuo trabalhando de gari e estou conciliando as duas coisas, não sei até onde vai dar, mas vai ter uma hora que eu vou ter que parar de trabalhar como gari pra ficar de vez no mundo artístico. Essa é a minha vontade, entendeu? É minha amarra legal, porque não dá pra largar assim a qualquer hora, né? Tem aquele lance ainda de que ou você pede demissão ou você sai e perde seus direitos. Eu já vou fazer três anos de casa, mas o plano é sair do trabalho de gari e continuar o trabalho artístico mesmo.

Você já conhecia o Chernobyl e o trabalho dele antes disso?
Sim, sim. Conheci o Chernobyl em São Paulo. E antes já tinha conhecido algumas produções dele com o pessoal do Bonde do Rolê, né, foi mó viagem! Isso foi o que? 2007 pra 2008. Conheci o Chernobyl, vi umas produções dele e ficamos de lá pra cá de fazer algo junto e… só agora que rolou. Pô, é impressionante assim o tempo e a gente ainda está com o sangue quente para fazer algo, né? Isso aí para mim é mágico!

É notável em sua fala a sua paixão pela música. Você já está preparando outras músicas novas?
Nossa, a paixão pela música é demais, cara! Pô, desde que eu ouvi Rita Lee, Lulu Santos, Caetano Veloso, Leci Brandão, Agepê… Poxa, cresci ouvindo eles, então essa onda na música pra mim é muito forte, mas fui mais assim, pelo povo da comunidade, no início da minha carreira, entre fazer Hilda Furacão, aquela coisa toda né, o Baile de Briga lado A lado B, como acontecia, a gente veio fazendo a sensualidade, o duplo sentido, e se tornou assim uma coisa que eu pensei que não fosse ser o que é hoje. Quer dizer, se tornou uma arte, que pra mim antigamente não era. Então é uma paixão que não tem preço. Alguns falam que eu canto, outros falam que eu grito, mas eu sou mais eu! Não é me gabando não, mas eu sou mais eu! É uma paixão imensa! Tenho vontade de fazer [música] com uma banda de rock, um hip-hop, é ter diversidade com outras produções. E estou com uma música aí, chamada “Brabo”, com o Gorky [do Bonde do Rolê]. Estou com uma música também com o Péricles, do Boss in Drama. E, vamos seguindo… o Omulu vai gravar “Emanuel”. A gente tem várias coisas pra fazer. Enquanto não acontece a banda a gente vai na produção da galera alter… como é que é mesmo? Underground!

Sobre o clipe de “Madame”, você gravou no Hotel Cambridge, prédio ocupado em São Paulo, como foi essa experiência?
Até então eu não sabia que aquele prédio era ocupado daquele jeito, até eu sentar com uma das meninas que estava no videoclipe e ela me contar toda a história. Isso aí, pra mim, foi… muita coincidência. Coincidência pra mim, que não sabia da situação, mas o Renato, do Funk na Caixa, sabia, mas ele não me contou a história. A menina do clipe, a Preta, ela estava me contando como foi a invasão, a luta deles, poxa… é como se fosse um bairro nobre, tipo aqui na Barra e ter aquele prédio ali onde moram as pessoas de baixa renda, mas que mantém a moradia, mantém o prédio com a ajuda de ONG, poxa… tem tudo a ver com a música, tem tudo a ver com o clipe. Esse clipe foi gravado assim rápido, no caso eu fui pra São Paulo, o Renato fez o convite e foi uma coisa de doido, mas foi ótimo ter conhecido a Preta, foi ótimo ter passado por essa experiência e ter compartilhado da história da invasão do prédio. Eu acho que deveria ter mais invasões dessas, com uma união. Tipo o ocupa MINC, mas mais divulgado nas comunidades e tudo mais. Quer dizer, uma experiência que, poxa, é pra contar histórias pros netos depois!

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites You! Me! Dancing! e Scream & Yell

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