Boteco: Sete cervejas belgas

por Marcelo Costa

De Buggenhout, cidade de 14 mil habitantes na região flamenga dos Flanders Orientais, meio caminho entre Bruxelas e Antuérpia, a cervejaria De Landtsheer, reaberta em 1997, marca presença com a Malheur 10 (minha segunda Malheur), também conhecida por Millenium, já que foi lançada na virada do milênio. Trata-se de uma Belgian Golden Strong Ale premiada em 2014 com a medalha de ouro no World Beer Awards. De coloração entre o dourado e o alaranjado e creme espesso branco de ótima formação e longa retenção, a Malheur 10 apresenta um aroma notadamente frutado (laranja, abacaxi, pêssego, damasco), doce (mel e caramelo) e alcoólico (10%!). Na boca, a textura é frisante e picante (de álcool). O primeiro toque traz doçura frutada lembrando doces de compota. Na sequencia, uma pancada de álcool que se junta ao amargor e, dai em diante, um conjunto bem doce, frutado e alcoólico, com final longo e quente. No retrogosto, laranja, damasco, pêssego e mel.

De Bellegem, cidade de menos de 4 mil habitantes nos Flanders Ocidentais belgas, a Brouwerij Omer Vander Ghinste também presença com sua segunda cerveja no Scream & Yell (a primeira foi a VanderGhinste Oud Bruin), agora com a apaixonante Cuvée des Jacobins, uma Flanders Red Ale envelhecida por pelo menos 18 meses em barris de carvalho. De coloração âmbar avermelhada com creme bege claro de boa formação e retenção. No nariz, uma pancada de notas ácidas e avinagradas com sugestão de frutas vermelhas, madeira, pimenta e especiarias. Na boca, a textura é picante e frisante. O primeiro toque repete a pancada adiantada pelo nariz (vinagre e acidez) acrescentando sal e framboesa. O amargor é ácido e, dai pra frente, a coisa toda só melhora: notas amadeiradas e frutadas (maçã, uva passada e framboesa) tentam amaciar o ataque acético e avinagrado construindo um perfil arrebatador. No retrogosto, leve adstringência, madeira, framboesa, uva, suave vinagre, doçura e acidez. Uau!

De Londerzeel, cidade de 17 mil habitantes no território Brabante Flamengo, na região dos Flanders, a Brouwerij Palm é representada nesta sequencia pela Palm Select, versão lupulada – no jeito belga – da Palm tradicional (o lúpulo Hallertau Mittelfrüh é colocado primeiro no início da fervura, depois no final e, ainda, no dry-hopping). De bonita coloração âmbar com creme bege clarinho de ótima formação e longa retenção, a Palm Select exibe um aroma que une de maneira caprichosa a doçura caramelada tradicional de uma Blond Ale belga com suaves notas herbais (grama, pinho, campo) e florais. Na boca, a textura é cremosa. O primeiro toque traz doçura maltada (biscoito) e frutada comportada seguida de suave amargor herbal, que abre as portas para um conjunto simples, mas aconchegante e saboroso, que merece atenção. O final é maltadinho e levemente herbal, sugestões que retornam com mais força no retrogosto.

A Brasserie D’Achouffe está localizada numa pequena aldeia em Houffalize, região da Valônia, quase na fronteira com Luxemburgo e a poucos quilômetros da Alemanha. Três cervejas dos duendes já passaram por aqui (La Chouffe, MC Chouffe e a bela Houblon Chouffe Dobbelen IPA Tripel) e essa Chouffe Soleil é uma Belgian Blond Ale que amacia a porrada alcoólica da linha tradicional da casa (aqui são só 6%). É uma cerveja de coloração amarela dourada turva com creme branco de boa formação e média alta permanência. No nariz, doçura caramelada de malte, notas florais deliciosas e leve suavidade cítrica além de sugestão de trigo e especiarias. Na boca, textura levemente picante. No primeiro toque, doçura caramelada em frutas cítricas seguida de forte acento de especiarias e um amargor interessante, que abre caminho para um conjunto saboroso e refrescante. O final é maltado e amarguinho (alcoólico). No retrogosto, caramelo, damasco, leve álcool. Boa!

De Harelbeke, pequena cidade de 26 mil habitantes vizinha de Bellegem e distante no máximo duas horas das demais cervejarias deste post, a Brouwerij De Brabandere é responsável pela elogiada linha Petrus, e marca presença nessa série de cervejas belgas com a Wittekerke, uma autêntica Belgian White Beer, de coloração amarelo palha (escola Hoegaarden) com creme branco de baixa formação e média permanência. No nariz, notas cítricas suaves sugerindo limão e casca de laranja acompanhadas de percepção de cereais e uma leve condimentação (semente de cravo). Na boca, textura leve com picância discreta. O primeiro toque apresenta doçura suave de trigo seguida de cítrico aconchegante (limão e laranja) e leve condimentado. O amargor é bem baixo e escancara as portas para um conjunto altamente refrescante que combina com elegância doçura, cítrica e especiarias. O final é levemente doce. No retrogosto, trigo, limão e refrescancia.

Já que falamos em Hoegaarden, a cervejaria (da cidade de mesma nome) nascida em 1966 produz o benchmarking do estilo witbier e, ainda, a Grand Cru (1985); a Speciale (1995); a Rosée (2007), e a Citron (2008) além desta Verboden Vrucht, uma Belgian Strong Ale que significa Fruto Proibido. No rótulo, Adão e Eva (em imagem inspirada no quadro de Peter Paul Rubens) trocam a maçã por uma cerveja – a arte incomodou as autoridades norte-americanas, que acusaram a cerveja de pornografia e a proibiram nos EUA. Azar deles, sorte nossa. De coloração âmbar caramelada com creme bege espesso de ótima formação e permanência, a Verboden Vrucht apresenta um aroma com forte sensação de doçura (açúcar mascavo, mel e caramelo), leve frutada (uva passa) e especiarias. Na boca, textura sedosa, quase licorosa. O primeiro toque oferta bastante doçura caramelada seguida de especiarias. O amargor é quase zero. Dai pra frente, doçura caramelada temperada com especiarias de forma interessante. O final é levemente melado. No retrogosto, açúcar mascavo. Bem boa!

De Vlezenbeek, cidadezinha nos arredores de Bruxelas, na Bélgica, minha sexta cerveja da Brouwerij Lindemans, a Kriek Cuvée René Grand Cru (safra 2011) resulta de uma Lambic jovem (feita com água, cevada, trigo, lúpulo velho e leveduras selvagens) que recebe adição de cerejas frescas e continua fermentando entre 8 e 12 meses em barricas de carvalho. Foi medalha de ouro no World Beer Awards 2013 no estilo Sour. É uma cerveja de coloração avermelhada com creme branco meio avermelhado que espuma rapidamente e se desfaz permanecendo um fio sobre o líquido. No aroma, azedume, balsâmico, avinagrado, madeira, cereja, couro, curral e terroso. Na boca, textura acética e frisante. O primeiro toque traz acidez e azedume seguido de avinagrado, amadeirado, balsâmico, amargor acético potente e uma tempestade de sal. Mais mofo, cereja e especiarias. Uau, uma experiência que finaliza levemente salgada. No retrogosto, cereja, sal e vinagre suaves.

Balanço
Abrindo uma série de cervejas belgas com a Malheur 10, uma Belgian Golden Strong Ale strong mesmo, com 10% de álcool perceptíveis desde o começo e muita doçura frutada. Para beber devagar, degustando. A Cuvée des Jacobins também merece ser bebida devagar, não porque seu nível alcoólico assuste (5,5%), mas sim devido a profusão de sabores que essa receita exótica oferece: vinagre, acidez, sal, frutas vermelhas, madeira e doçura , tudo junto e misturado! Palmas. A Palm Select é uma Blond Ale que deveria ser mais lupulada (para padrões americanos), mas no fim das contas equilibra bem a doçura do malte e o amargor herbal da lupulagem. Simples, mas gostosinha. A Choufee Soleil segue a vide de simplicidade e gostosura, com um tiquinho a mais de oferta de aromas e sabores, o que cai muito bem num dia ensolarado (com comida indiana – hummm). A Wittekerke é uma Belgian Witbier um pouco mais doce e menos condimentada do que outras concorrentes do estilo, mas se sai bem na refrescancia. Já a Hoegaarden Verboden Vrucht é uma porrada alcoólica deliciosamente temperada. Melhora muito quando aquece na taça (e é para se beber devagarinho). Mais do que uma cerveja, a Lindemans Kriek Cuvée René Grand Cru 2011 é uma experiência, a porta para um universo particular (e salgado, azedo, avinagrado e mofado) e muito interessante. Para os poucos que ousarem ultrapassar a fronteira, uma cerveja incrível.

Malheur 10
– Estilo: Belgian Golden Strong Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3,49/5

Cuvée des Jacobins
– Estilo: Flanders Red Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 5,5%
– Nota: 4,10/5

Palm Select
– Estilo: Belgian Pale Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,15/5

Chouffe Soleil
– Estilo: Belgian Blond Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,32/5

Wittekerke
– Estilo: Belgian Witbier
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,10/5

Hoegaarden Verboden Vrucht
– Estilo: Belgian Golden Strong Ale
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 8,5%
– Nota: 3,41/5

Lindemans Kriek Cuvée René Grand Cru
– Estilo: Fruit Lambic
– Nacionalidade: Belgica
– Graduação alcoólica: 6,5%
– Nota: 3,93/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

2 thoughts on “Boteco: Sete cervejas belgas

  1. comprei essa “Fruto Proibido” sem saber que estilo de cerveja era, e ainda não a provei, mas fico contente com o que você escreveu sobre ela, pois acho que irei gostar!

  2. E ela tá com preço bom, né, Shadai! Eu tinha comprado duas (havia bebido um tempão atrás) e já foram. Ela é bem dose, mas não chegou a me parecer enjoativa. Desceu sussa.

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