Três perguntas e meia: MC Carol

por Jorge Wagner

Toca na pista, toca na favela e, se preparem, porque vai tocar ainda mais. Ora cômica, ora ácida e sempre muito direta, Mc Carol não é alguém a ser ignorada. Esteja ou não por dentro do funk, você já deve tê-la ouvido por aí, com suas melodias minimalistas, sua voz gritada – tão suave quanto um para-choque de caminhão –, com suas músicas de títulos pouco comuns como “Minha Vó Tá Maluca”, “Vou Largar de Barriga”, “Bateu Uma Onda Forte” e “Meu Namorado é Moh Otário”.

Talvez você tenha esbarrado com ela enquanto trocava de canal e visto sua participação no reality show Lucky Ladys (transmitido pela Band em 2015 e que contou ainda com a participação de Mulher Filé, Mary Silvestre, Tati Quebra Barraco, MC Sabrina e Karol Ka) ou ouvido falar de “Não Foi Cabral”, funk que questionava a mais conhecida história sobre o descobrimento do Brasil. Ou pode tê-la visto durante sua participação no último Lollapalooza, dividindo o palco com Karol Conka e dominando a festa sem qualquer cerimônia.

Agora, Carol vai além. Antecipando o lançamento de seu disco “Bandida”, previsto para o final do ano, a niteroiense expõe uma cruel verdade com o single “Delação Premiada”: a conivência da mídia para com a violência policial cometida contra o povo preto e pobre. É faca na carne e ferida exposta sobre o beat trap-funk de Leo Justi, produtor do disco, em uma música que não soaria deslocada em “Cores e Valores” (2014), dos Racionais.

Nesta rápida conversa, Carol nos fala sobre sua descoberta como feminista, a realidade da vida no morro, solidariedade e avisa: “Não vou começar a cantar funk melody ou alguma coisa do tipo só pra agradar os fãs”. Confira abaixo

Do lançamento de “Minha Vó Tá Maluca” pra cá você veio, aos poucos, dando uma guinada mais política na sua carreira – primeiro com declarações pró-feministas, depois com o lançamento de “Não Foi Cabral” e, agora, com o single “Delação Premiada” puxando o disco novo. Isso era algo que você sempre quis fazer ou foi um caminho natural, algo que foi surgindo aos poucos?
Então, sempre escrevi sobre as coisas que me incomodavam: “Minha Vó Tá Maluca” é sobre minha avó não ter me dado um DVD quando era mais nova e ter comprado uma peruca no lugar. Fiquei com tanta raiva que escrevi! “Meu Namorado é Moh Otário” também escrevi porque era algo que eu vivo… Gosto de mandar dentro de casa e não cozinho, lavo e passo. Nunca escrevi pra ser um hino feminista… Era a minha realidade! Depois que os fãs começaram a falar que eu descobri o que era feminismo e percebi que sempre fui feminista. Minha primeira música de sucesso, “Vou Largar de Barriga”, escrevi com 15 anos porque via minhas amigas saindo da escola quando ficavam grávidas e os caras, quando assumiam os filhos, não tinham que mudar nada na vida deles. Depois que comecei a cantar em baile que percebi que as pessoas queriam músicas com ritmo dançante e com temas mais sexuais, ai comecei a cantar putaria, mas puxando pra um lado cômico. Depois de “Não Foi Cabral” é que percebi que as pessoas também tem interesse em ouvir minha versão da realidade. E “Delação” e “Vou Largar de Barriga” é a realidade de quem vive no morro. Então acho que isso sempre existiu no meu trabalho, mas as pessoas só tão dando mais atenção agora.

Recentemente sua casa foi atingida por uma enchente e você perdeu quase todos os móveis, precisando se abrigar na casa da sua empregada. Logo depois você criou uma campanha de financiamento público pra mobiliar sua casa de novo. Pra alguém com a origem humilde que você tem, deve ser foda se ver numa situação dessas de perder suas coisas e, em sequência, receber apoio de tudo quanto é lado, não?
Eu achei que ia morrer no dia. Foi Deus que mandou meus amigos lá pra casa antes porque eu moro sozinha e se eles não tivessem lá eu tinha perdido tudo. Lutei muito para conseguir comprar minhas coisas, ser independente, e ver tudo indo embora em minutos é desesperador. Minha sorte é que tenho muita gente que gosta de mim e consegui passar por isso! Gostaria que todos que passam por isso tivessem a ajuda que eu tive. Mais do que o dinheiro, o apoio dos fãs e dos meus amigos foi o mais importante… Fatima (minha empregada) me abrigou na casa dela uns 3 meses até eu me estabilizar!

Muito pelo seu humor e também pela sua postura, você foi abraçada por um público que não era originalmente o seu – por exemplo, a galera do último Lollapalooza, onde você fez uma participação durante o show da Karol Conka. E isso sem precisar “embranquecer” ou “amansar” o seu som. Enquanto produzia o disco novo, você trabalhou nesse sentido de ampliar o público ou fazer algo que fidelizasse essa galera ou isso foi irrelevante?
Isso é irrelevante! Faço música que eu gosto… Até trabalhei com beats diferentes que o Leo (Leo Justi – produtor do álbum) me mostrou, mas pedi pra ele fazer umas músicas “Funk funk” no pique da favela. Se o pessoal gosta do meu trabalho, sorte minha! Mas não vou começar a cantar funk melody ou alguma coisa do tipo só pra agradar os fãs.

Para terminar, seu namorado continua o maior otário?
(Risos) Tadinho… Não escrevi a musica pra ele, mas todo mundo acha que foi! Ele realmente faz tudo aqui dentro de casa: lava, cozinha, passa… Mas não o acho otário! Homem tem que ajudar em casa também.

Jorge Wagner é jornalista, sambista e produtor do tributo “Ainda Somos os Mesmos”, ao álbum “Alucinação”, de Belchior, lançado pelo Scream & Yell

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