Três perguntas: Ted Simões

por João Paulo Barreto

Ted Simões lança em 2016 seu trabalho solo de estreia, “Old Memories, Recents Damages, Future Nightmares”, um disco feito através da entrega tanto emocional quanto artística de um músico que não tem medo de arriscar ao exibir de modo tão visceral seus anseios e fragilidades. Muito conhecido na cena musical rocker baiana por integrar, ao lado de Eric Assmar, Rafael Zumaeta, Estevam Dantas e Thiago Brandão, a Cavern Beatles, uma das melhoras bandas cover do Brasil, e antes ter feito parte da cena indie local com a saudosa banda Starla, Ted tem nesse seu debut solo, um álbum cujas letras extremamente pessoais refletem um período conturbado e sombrio de sua vida.

“Trata-se de um disco conceitualmente triste, melancólico, e que, sim, reflete uma fase muito complicada. Um período em que eu estava um pouco perdido, tanto musicalmente quanto em minha vida pessoal”, relembra. Na esteira do fim de um longo relacionamento, em 2013, Ted passou um mês no severo inverno inglês. Entre estadias em Manchester, Liverpool e Londres, e sendo consideravelmente afetado pelo Winter Blues, conheceu os pontos de origem de suas principais influências musicais. Após uma viagem solitária que havia sido planejada inicialmente como uma aventura a dois, o jovem compositor decidiu colocar nas letras e melodias as frustrações de uma história que não resistiu ao previsível fim dos relacionamentos à distância. “Viver na ponte aérea não é algo recomendável. Aconselho sempre meus amigos a não caírem nessa ideia de que vai dar certo. É uma grande besteira continuar”, sentencia Ted.

Na volta ao Brasil, se debruçou sobre seus próprios esqueletos no armário e encarou o trauma através da música, fechando, assim, aquela porta e seguindo em frente. E o disco acabou representando não somente um expurgo, mas um desafio. Afinal, era a primeira vez que ele se arriscava a compor em inglês. ”No final, o processo acabou sendo menos difícil que compor em português. Tanto que, desde então, eu só venho compondo em inglês”, lembra. Entre declarações de amor a Londres (“I Will Not Go Back Home”), doces reminiscências (“CWB Blues”) e outras um tanto amargas (“You April Fooled My Heart”), Ted Simões entrega um disco que prima pela sinceridade. “É um álbum que eu quis lançar mais como uma memória, sabe? Um registro de um período”, carimba.

Neste papo, o Ted de hoje sorri e se percebe um pouco mais cicatrizado, pronto para encarar suas velhas memórias e seus fantasmas de frente, sem temer qualquer dano recente ou futuros pesadelos. Com a palavra, Ted Simões.

Em “Old Memories, Recents Damages, Future Nightmares”, você entra em um terreno um tanto arriscado que é o de compor em inglês. Como se deu esse processo criativo? Você pensa em voltar a compor em inglês?
Eu nunca tinha composto em inglês em minha vida. Sempre compus em português. Tanto que as faixas “Am I So Wrong” e “CWB Blues” foram compostas inicialmente em português, antes de eu entrar propriamente no disco. A música de abertura, “Dead Man”, eu havia composto a melodia na época em que estava com a Starla. Já letra eu fiz em 2013. Então, quando voltei da Europa, tive “I Will Not Go Back Home” como um ponto de partida. Lembro de comentar com os amigos em uma festinha despedida em Londres sobre isso. Ficava repetindo: “I Will Not Go Back Home” , “I Love London” (risos). Então, quando a compus, parei e pensei: “Bom , vou tentar agora. A hora é essa”. Acabou que passei a achar o processo de compor em inglês mais fácil que em português. Não sei se deve ao fato de que quase todas as coisas que gosto musicalmente são de origem inglesa. Gosto muito de rock nacional, mas cresci ouvido Beatles, Oasis, Radiohead, Stereophonics. Então, para mim, é bem mais natural você casar as palavrinhas em inglês do que em português. Talvez pelo fato de que o português é a nossa língua mãe, você fica mais exigente por falar algo diferente que não tenha sido dito por outras pessoas. Procurando por jogos de palavras, sabe? Algumas dificuldades nos tempos verbais diferentes até surgiram em “CWB Blues” e “Am I So Wrong?”, porque eu não queria perder a essência das composições originais em português. As outras geralmente saíram tranquilo. Às vezes eu tirava dúvidas com uma prima que mora na Inglaterra há muito tempo. Afinal, há muitas expressões nossas que não são expressões dos ingleses. Por exemplo, na faixa “You April Fooled My Heart”, eu queria falar isso, que você foi uma grande mentira. Então, eu perguntei se isso realmente existia, se as pessoas usavam esse tipo de expressão e ela me falou que sim. E acabei usando no disco.

Você citou essas quatro bandas, Beatles, Oasis, Radiohead e Sterophonics como algumas das que você mais ouviu na vida. Para o seu álbum de estreia, seriam essas as suas principais influências?
Olha, para esse disco, é inegável que em canções como “All I Could Be” exista a influência de bandas como Smashing Pumpkins. Isso foi algo consciente. A compus seguindo essa pegada. Agora, que eu consiga me lembrar, essas quatro que você citou estiveram bem presentes. No entanto, como influência não tanto musical, mas, sim, conceitual, eu sempre costumo citar Humberto Gessinger. (Nota: no braço esquerdo de Ted, uma tatuagem com a um trecho de “Surfando Karmas & DNA” comprova esse fato). A influência vem nem tanto dos Engenheiros, mas do próprio Gessinger. Pelo sentido da carreira solo dele. Para onde ele escolheu levá-la tanto no Gessinger Trio, quanto na solo, mesmo. E isso é uma coisa mais conceitual do que musical. Musicalmente, claro, acho que estou mais na praia britânica que na praia do Gessinger. Mas, assim, a forma como ele conduz a carreira, o modo como ele fez seu disco, o “Insular”. Uma coisa mais gaúcha, sabe? Então, se você parar pra ver, isso aqui é meio que a minha história na Inglaterra. O “Insular” é a história dele no sul. Então, eu diria que a influencia é mais ou menos essa. Quando falo isso, às vezes, alguém diz: “Mas não tem nada a ver com o Gessinger”. É, de fato, não. Musicalmente, não. Mas conceitualmente, sim. A forma como ele lida com o disco, o modo conceitual, sim. Ele, inclusive, é minha principal influência de desde sempre. Não só no Brasil, mas no mundo. Ele é o número 1 pra mim. Foi o cara que me fez querer tocar. Me lembro, aos nove ou dez anos, em uma ida na Mesbla com meu pai durante o período de natal, topar com o vinil de “O Papa é Pop”. Lembro de pirar na capa e de pedir o disco de presente. E aquela capa é meio um símbolo. Humberto Gessinger com aquela camisa yin yang, os três com aquele fundo branco, o papa bebendo chimarrão. Fiquei um tempão ouvindo só “Era Um Garoto…” (risos). Até que um primo meu, mais velho, foi a minha casa e ficou dizendo que o disco era massa e colocou outras faixas pra tocar. Ele ia lá em casa só pra ouvir o disco (risos). E descobri que todo ele era bom. Meu primeiro show de rock foi dos Engenheiros, aqui na Concha Acústica, no comecinho dos anos 1990. Eu tinha nove ou dez anos. E eu fiquei louco (mais risos). Foi quando descobri a banda e sai procurando outros discos, o que é um negócio curioso. Hoje, se você quer conhecer mais a fundo um artista, basta dar um Google e já foi, você descobre toda a sua discografia. Na época, eu nem sabia que eles tinham discos anteriores. Acabei descobrindo, buscando. Lembro de não conseguir achar o “A Revolta dos Dândis” em loja nenhuma aqui em Salvador. Uma tia teve que mandar pra mim de São Paulo. Algo ainda mais surreal hoje em dia. Mas, é isso. Por causa do Gessinger eu comecei a tocar teclado e violão. Eu queria ser baixista que nem ele. Só que era mais fácil começar pelo violão. Acabei ficando com o violão e com a guitarra.

Você tem planos de voltar à Inglaterra na tentativa de tocar em pubs ou, quem sabe, focar em um mercado de lá? E aqui na Bahia, junto com a mais relevante banda cover dos Beatles?
Olha, tenho muita vontade. No entanto, sei que é impossível acontecer porque eu sei que o mercado de hoje é bem diferente. Para uma banda de Londres já é quase impossível chegar ao mainstream, quem dirá eu. A minha ideia para esse disco era mais a de lançá-lo e tocar, mesmo. (Nota: em 10 de julho, Ted realizou essa ambição ao lançar o álbum no Teatro Molière, em Salvador, numa incrível apresentação). Se pudesse fazer uma turnê em pubs na Inglaterra, seria maravilhoso, mas não é nada que eu esteja planejando. No final das contas, quando comecei a compor o disco, quis lançá-lo mais como uma memória, mesmo. Não como algo para tentar rolar lá fora. Esse projeto foi mais uma memória, um registro de um período. Atualmente, ando pensando em resgatar algo da época da Starla, minha primeira banda. Foi um projeto maravilhoso que durou até 2008, quando comecei a tocar com a Cavern Beatles. Lançamos nosso único disco em 2005, 2006, se não me engano. Mas outros compromissos foram surgindo e a banda ficou em segundo plano. Dan (Daniel Rebouças, guitarra e teclado) começou a cursar um mestrado na época e ficou sem tempo para tocar. Zuma (Rafael Zumaeta, baixo) começou a tocar com um monte de gente, inclusive comigo e com Eric (Assmar) na Cavern, enfim, a Starla acabou ficando em segundo plano. Mas a gente sempre conversava sobre nos reunirmos para tocar, para compor mais. Acabamos nos reunindo para um tributo ao Smashing Pumpkins, lá no Groove Bar (casa muito popular de Salvador). E foi muito legal! Afinal, era a principal influência da banda. Então, a empolgação de voltar a gravar, a compor e até a ideia de lançar um EP novo veio. Mas foi quando o Rick (Ricardo Longo, vocalista e guitarrista) passou em um concurso e foi para São Paulo. Mas, assim, há várias músicas ali que eu queria lançar ainda. Só não planejei ainda como fazer isso. Se seria sozinho ou com eles, em uma reunião ou em algo novo. Mas se pudesse escolher, gravaria essas canções da Starla que ficaram no ar. Agora, sobre a Cavern Beatles, cara, é engraçado você me perguntar. Pra mim, a Cavern é o maior fenômeno da musica na Bahia em todos os tempos (risos). Foi algo que a gente fez sem qualquer tipo de planejamento e as coisas foram acontecendo. Nós nos juntamos e começamos a tocar. E os convites para se apresentar nos lugares foram aparecendo. E eram diversos. Aí nos chamavam pra tocar em pizzaria (a Companhia da Pizza realiza mensalmente uma reunião de fãs dos Beatles em Salvador), foram surgindo convites pra tocar em casas de show e bares que iam abrindo aqui na cidade naquela época, 2008, 2009. Começamos a tocar em casamentos, em cidades do interior da Bahia, até em Aracaju, Sergipe. Mas a gente fez tudo errado! (risos). Nunca tivemos um produtor, nunca tivemos uma assessoria de imprensa. Fizemos tudo errado e é incrível como essa banda ainda continua indo bem. E quando a gente pensa que não, aparece coisa nova. A gente abriu um novo mercado no sul da Bahia. E não procuramos ninguém para divulgar. Os convites foram aparecendo e já fizemos cinco casamentos lá no sul. Alguém que nos viu aqui e acabaram nos chamando. E ai foi acontecendo. Incrível demais. Mas, hoje, após todos esses anos de estrada, as coisas são diferentes. Ficamos até um tanto chatos uns com os outros pelo profissionalismo.

João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Assina o blog Película Virtual e colabora para o jornal A Tarde.

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