2001, Uma Odisseia em Clipes

por Ana Clara Matta

Olá, leitor. Você vive no futuro. Pelo menos no futuro que, para os habitantes do ano de 1999, que esperavam em pânico pelo Bug do milênio, era alvo de sonho e pesadelo, idealização e medo. O melhor é que, ao desfrutar dessa posição privilegiada de ser do futuro, você pode olhar para tudo que fizemos no passado (especialmente previsões) e rir de cada erro ou peculiaridade que o tempo resolveu destacar. É hora de perceber como éramos ingênuos e engraçados na maneira que pensávamos o futuro. E como filmávamos o futuro que imaginávamos. E o melhor espelho do subconsciente coletivo sempre será a cultura de massa por excelência – os hits do pop, e nesse caso, os clipes que os acompanhavam.

Começamos com aqueles que tinham os olhos no futuro. Calma, todos aqui tinham. Mas alguns começaram ainda mais cedo. O pioneirismo fica por conta de Michael Jackson e Janet Jackson no clipe de “Scream” (1995). É em “Scream” que algumas das tendências mais fortes de toda essa lista começam. Até certo ponto, esse clipe tem a certidão de paternidade de todos os outros.

Começamos, é claro, em uma nave espacial – essa não é a única referencia à ficção-científica clássica no clipe, e o uso pesado de “one point perspective” direciona a memória imediatamente para Kubrick e seu “2001”. Tudo é branco no cenário, fortalecendo a ideia do branco como uma cor “futurista” e “limpa”, e as roupas são em grande parte pretas ou brancas, macacões (a escolha dos astronautas) de látex (o sintético sempre mais futurista que o natural). Brincadeiras com telas, filmagens, hologramas e a ausência de gravidade estão por todas as partes.

Se “Scream” é o pai de toda essa lista, alguns de seus filhos puxam um pouco mais a semelhança paterna, e o campeão nesse quesito é o clipe icônico de “No Scrubs” (1999), do TLC. Sem a menor exceção, tudo que aparece em “Scream” retorna em “No Scrubs” – com a diferença de que em 1999 o pop pedia por um design de figurino bem diferenciado, dessa vez até incluindo leds nas roupas… wearables?

Curiosamente, o clipe mais futurista do TLC é o de “Unpretty”, que aposta nas mesmas telas interativas e uso da internet pra falar de um tema realmente atual após os anos 2000 e 2010 –feminismo e padrão de beleza tóxico.

Após dois clipes de sci-fi pesada, entramos nas apropriações light da mesma estética. E um elemento parece comum a todos os clipes que querem apenas flertar com o futurismo: TELAS E VÍDEOS. J.Lo, a artista mais dominante das paradas da virada do milênio, previu em seu “If You Had My Love” (1999) a utilização da internet como um espaço de “streaming” ao vivo de vídeos. Ah, claro. As cores continuam puxando para o branco, prata e preto, os efeitos visuais continuam praticamente os mesmos dos dois primeiros clipes, e percebemos que realmente existe uma “estética” do futuro em 1999 que ultrapassa um vídeo só.

Celine Dion lança no mesmo ano que J.Lo “That’s The Way iI Is” (1999), um clipe… praticamente igual ao de J.Lo, mas ainda mais suave no seu futurismo, tentando colocar a diva da meia-idade em contato com um público mais jovem sem necessariamente alienar seus fãs.

No clipe britânico de “When The Lights Go Out” (1998), o 5ive misturou realidade aumentada (olá, PokemonGo) e uma versão bem rudimentar do Tinder, em que uma moça em uma cadeira nada portátil podia descobrir informações sobre seus cinco pretendentes (incluindo seus signos) ao selecioná-los em sua tela. Chiados na imagem são usados para ressaltar o clima de futuro, o que parece absolutamente ilógico quando visto em retrospecto. O senso de estilo e as roupas do 5ive, porém, não previram o futuro. Podemos todos respirar tranquilamente.

Claro que algumas bandas com orçamentos maiores apostavam em ficção-científica pesada em seus clipes de virada de milênio. Até certo ponto “Larger Than Life” (1999) é a sequência de “Everybody” – se o clipe anterior era uma paródia de filmes de terror que colocava em cena todos os clichês do gênero, esse fazia o mesmo pelos filmes de sci-fi. Telas novamente. Muitas telas. Inclusive substituindo a cara de alguns membros da banda. Ainda não chegamos à era dos hoverboards (me desculpa, Robert Zemeckis), mas tenho certeza que já vi o fone roxo de A.J. em alguma loja de eletrônicos por aí.

As cores fazem uma grande diferença na representação do futuro, e como as Spice Girls escolheram em “Spice Up Your Life” (1997) cinzas sujos e uma fotografia pouco brilhante, parece mais uma distopia como “Jogos Vorazes” do que uma utopia como os clipes anteriores. Ah, e elas também basicamente resumem o futuro a uma mistura da Times Square de hoje e “Blade Runner”, de Ridley Scott.

Agora que você deu umas boas risadas e está cheio de Schadenfreude em relação ao subconsciente coletivo de 1999, olhe para os lados. Você deve estar lendo esse post em um espaço predominantemente branco, obviamente com acesso a internet, uma câmera de computador te mirando, grandes fones de ouvido cobrindo suas orelhas, cercado por telas como a do computador, a do celular, a do tablet, a da TV. Realidade aumentada e aplicativo já não são coisas de ficção científica, e você pode ter visto celebridades transmitindo ao vivo seus shows no conforto da sua casa.

Será que não estávamos tão errados assim?

Hora de pegar nossos macacões de látex.


– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do Rock ‘n’ Beats e do Ovo de Fantasma

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