Boteco: 10 cervejas da Tupiniquim

por Marcelo Costa

Minha décima segunda Tupiniquim (sem contar cinco da linha Evil Twin Brazil), a Tirana Sour é mais uma brasileira enveredando no território das azedas (a casa já produz dois exemplares da Ich Bin Ein Berliner, da linha da dinamarquesa Evil Twin), e aqui os gaúchos surpreendem. De coloração ambar clara acobreada com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Tupiniquim Tirana Sour apresenta um aroma (delicioso e) típico de Sour Ale, com sugestão de frutas cítricas (maçã verde), leve anis e percepção de azedume e acidez. Na boca, a textura é naturalmente frisante. O primeiro toque traz rápida doçura maltada seguida de frutado cítrico e, então, uma porrada de acidez e azedume, que muita gente irá confundir com amargor (que praticamente inexiste nessa cerveja). Dai em diante, uma cerveja arisca, pero no mucho: há acidez e azedume, mas também é possível perceber caramelo e cítrico, o que deixa o conjunto mais interessante. O final é azedinho e acético. No retrogosto, uma baita refrescancia. Bela!

Integrante de um projeto em que a Tupiniquim convidou três personalidades para elaborarem receitas especiais, a Tupiniquim Completely Wicked 3C Saison leva assinatura de Pete Slosberg, que começou a fazer cerveja nos Estados Unidos em 1986, e abriu uma fábrica de chocolate artesanal em 2002. O 3C diz respeito aos ingredientes adicionados: polpa de Cacau, polpa de Cupuaçu e Cacau nibs. De coloração amarelo turvo com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a Completely Wicked 3C Saison apresenta um aroma tímido, com percepção suave de cacau (chocolate), cupuaçu e acidez. Na boca, a textura é frisante. O primeiro toque traz acidez forte e cítrico suave. No meio do caminho, o cupuaçu aparece, mas nem sinal da polpa de cacau. O amargor é baixo, mas a acidez é intensa numa cerveja que mantém certa aridez do estilo, mas não consegue criar uma característica marcante. No final, cítrico e acidez. No retrogosto, adstringência, cítrico, suave cupuaçu e caramelo. Boa, mas poderia ser melhor.

A segunda integrante do projeto é uma Citrus Bomb IPA, uma Double IPA desenvolvida em parceria com Nathan Smith, homebrewer da região de São Francisco, nos EUA, desde 1998. É uma cerveja de coloração âmbar acobreada e creme branco de média formação e retenção. No nariz, como é de esperar, brilha a lupulagem distribuindo deliciosas notas cítricas (laranja, grapefruit, maracujá) e herbais (grama) sobre uma leve base de malte. Na boca, a textura é cremosa, quase licorosa, com leve picância (de álcool e lúpulo). O primeiro toque traz frutado cítrico que, aos poucos, vai se transformando em amargor, potente, mas bem distante dos 80 IBUs adiantados pela cervejaria (50 está de bom tamanho). Os 7.8%b de graduação alcoólica estão muito bem inseridos em um conjunto que remete levemente a excelente Backer Tommy Gun, com mais cítrico e herbal e menos doçura. O final é amarguinho com toque cítrico. Já o retrogosto oferece amargor (amarrando a boca), herbal e cítrico. Simples, mas muito boa.

Fechando o trio do projeto de convidados com a Tupiniquim Saaz, que levou assinatura do mestre cervejeiro Leonardo Botto, que decidiu fazer uma Bohemian Pilsener atolada de lúpulo Saaz e, infelizmente, apresentando gushing. De coloração ambar caramelada bonita e creme levamente bege de boa formação e longa retenção, a Tupiniquim Saaz apresenta uma aroma com deliciosas notas cítricas (laranja lima, tangerina, grapefruit) combinando a perfeição com a base maltada, que oferece caramelo e biscoito. A textura é cremosa e levemente picante. O primeiro toque oferece cítrico intenso (grapefruit) seguindo de doçura caramelada e amargor convincente. Dai pra frente, um conjunto que remete mais a uma American Pale Ale (cítrica) do que a uma Bohemian Pilsener maltada. O final é amargo, cítrico e levemente azedo. No retrogosto, caramelo, toffee, grapefruit e biscoito. Gostosa.

Lançada em setembro de 2015, a Tupiniquim Tchin Tchin é uma colaborativa dos gaúchos com a turma da Dama Bier, de Piracicaba, interior de São Paulo, que prepararam uma receita de Belgian Strong Ale com dry-hopping do lúpulo norte-americano Azzaca. De coloração dourada translucida com creme branco de boa formação e média alta permanência, a Tupiniquim Tchin Tchin apresenta um aroma levemente cítrico (abacaxi e uva verde) com leve percepção picante mais trigo e biscoito. Na boca, a textura é suavemente frisante. No primeiro toque, doçura cítrica (remetendo levemente a vinho branco) seguida de um amargor bastante suave, num conjunto que consegue distrair o bebedor a respeito dos 9% de álcool enquanto lhe oferece frutas cítricas (os mesmos abacaxi e uva verde do aroma), trigo e base bem discreta de caramelo. O final é seco e cítrico. No retrogosto, vinho branco. Muito boa!

A Tupiniquim Funky & Sour é uma Sour Ale que leva três tipos de levedura selvagens, incluindo a belga Brett mais levedura de champagne. De coloração amarela turva meio alaranjada com creme branco de média formação e retenção, a Tupiniquim Funky & Sour apresenta um aroma deliciosamente completo: a primeira coisa que surge para mim são notas azedas seguidas na mesma toada por frutado cítrico e doce (cupuaçu, pêssego, laranja passada e lichia), leve mofo, feno molhado e condimentação. Na boca, textura levemente frisante. O primeiro toque traz acidez frutada que remete a cupuaçu enquanto o azedume aumente e se transforma no que alguns vão achar ser amargor (mas é só acidez acentuada mesmo). Dai pra frente, uma pitada de sal, a tradicional sugestão de roça derivada da Brett, frutado e doçura caramelada bem discreta na base. O final é azedinho. No retrogosto, acidez suave, cítrico e mais cupuaçu. Ótima!

Primeira receita a chegar ao mercado do casal Eduardo e Gabriela, responsáveis pela cervejaria artesanal IndHed, aqui produzida pela Tupiniquim, a IndHed American Pale Ale utiliza maltes belgas e lúpulos norte-americanos alcançando uma coloração âmbar caramelada com creme levemente bege de boa formação e média alta retenção. No nariz, a IndHed American Pale Ale apresenta um aroma bastante maltade, com sugestão de caramelo, cereais e leve herbal. Há, ainda, um interessante toque terroso. Na boca, textura cremosa com leve picancia metálica. O primeiro toque, caramelo seguido de amargor médio, mas marcante, abrindo o caminho para um conjunto que tenta equilibrar doçura e amargor, mas o que chama a atenção é a pegada terrosa, atrapalhada por uma leve intromissão metálica. O final é suavemente amargo. No retrogosto, herbal, amargor e terroso. Interessante.

Nova aposta dos gaúchos, a Tupiniquim Weiss Maracujá surge em garrafa de 600 ml trazendo uma receita que busca recriar a tradição bávara com um toque tropical através da adição de polpa de maracujá. De coloração dourada com leve turbidez e creme branco de alta formação e média alta permanência, a Tupiniquim Weiss Maracujá apresenta um aroma intenso de… maracujá, que se sobrepõe ao tradicional frutado de banana, inexistente na receita (deixando até dúvidas se a casa utiliza levedura de Weiss na receita) e domina sozinha as atenções. Na boca, a textura cremosa e levemente frisante. O primeiro toque traz, claro, maracujá seguido de leve azedume e amargor comportado. Dai pra frente, uma cerveja de maracujá com acenos de trigo, leve azedume (de maracujá) e muita refrescancia. O final é refrescante e cítrico. No retrogosto, refrescancia e maracujá.

Lançada em novembro de 2014, a Loucura de Baco é uma colaborativa da Tupiniquim com os paulistanos da Noturna e da Serra de Três Pontas, que em 2015 formariam a Dogma. A receita pensada foi a de uma Barley Wine defumada. De coloração âmbar alaranjada turva e creme bege de ótima formação e longa retenção, a Loucura de Baco exibe um aroma em que doçura caramelada de malte, açúcar mascavo e defumado suave (mas facilmente perceptível) são os grandes destaques. Na boca, textura sedosa e picante (de álcool). O primeiro toque traz rápido caramelado atropelado por defumado e amargor alcoólico e potente (são 9.5% e 80 IBU), que arrasta tudo que vê pela frente deixando pelo caminho defumado, tostado, doçura alcoólica, toffee, frutado e mais amargor. O final é começa doce e vai ficando meio amargo. O retrogosto oferece calor alcoólico, defumado, caramelo e felicidade. Uma bela cerveja.

Lançada em abril de 2015, a Monjolo Floresta Negra é uma versão da Monjolo Imperial Porter com adição de dose extra de cacau e favas de baunilha mais polpa de framboesa. De coloração preta com leve marrom nas bordas (e um sutil vermelho) e creme bege espesso de excelente formação e alta retenção, a Monjolo Floresta Negra destaca no aroma a baunilha, que surge a frente de um conjunto que ainda traz chocolate amargo, frutas vermelhas sutis e percepção de pimenta e álcool. Na boca, textura quase licorosa com álcool evidente e picante. O primeiro toque traz chocolate amargo seguido de frutas vermelhas suave carameladas em álcool, que cumpre a função de amargor acrescentando, ainda, acidez (provavelmente da framboesa) num conjunto mais interessante do que o da Monjolo Imperial Porter (agressivamente alcoólica), mas, ainda, um tiquinho desequilibrado. O que importa: lembra sim bolo Floresta Negra, mas atolado em álcool. O final é doce, ácido e alcoólico. No retrogosto, bolo Floresta Negra e estrelas 😀

Balanço
Começando com o pé direito com a Tirana Sour, uma Sour Ale digníssima, que tem a manha de melhorar o que já era bom na Ich Bin Ein Berliner, também produzida pela casa. A saber: acidez, azedume, cítrico e salgado dominam o conjunto, provocante e refrescante. Vá com fé. Já a Tupiniquim Completely Wicked 3C Saison soa interessante, mas não cumpre a expectativa. É boa, mas poderia ser melhor. Sem contar que ela leva um baile da Dogma Panopticon Times, uma Saison matadora com Caja-Manga, que consegue valorizar a fruta sem comprometer o estilo. A Citrus Bomb IPA me lembrou bastante a Backer Tommy Gun, uma das preferidas do ano aqui em casa, ou seja, é uma baita Double IPA (com custo benefício não tão quanto a mineira). A Tupiniquim Saaz não começou com o pé direito, oferecendo gushing, mas o bom conjunto merece ser conhecido. Subindo alguns degraus, a Tchin Tchin é uma boa surpresa, que parece ter como inspiração a Tripel Karmeliet, e consegue criar algo novo e interessante, com bastante cítrico e pouca percepção de álcool. Já a IndHed é uma American Pale Ale com maltes belgas que parece pedir mais ajustes na receita. Do jeito que está desce de forma agradável, mas ela pode ser melhor explorada na receita. A Tupiniquim Weiss Maracujá parece um suco de maracujá com cerveja e lembra bastante as alemãs da linha Radler (e isso é um elogio). Melhor receita da casa, com direito a podium ao lado das maravilhosas Polimango e Lost in Translation IPA Brett, a Loucura de Baco é mais um exemplo do que a Tupiniquim consegue render quando alguém de fora assina a receita. Sensacional. Fechando a pendenga, a Monjolo Floresta Negra consegue amaciar a agressividade da Monjolo Imperial Porter alcançando um resultado que cumpre o que o nome promete, ou seja, é um bolo Floresta Negra alcoólico. Vale experimentar!

Tupiniquim Tirana Sour
– Estilo: American Wild Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3,39/5

Tupiniquim Completely Wicked 3C Saison
– Estilo: Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,15/5

Tupiniquim Citrus Bomb IPA
– Estilo: Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7,8%
– Nota: 3,38/5

Tupiniquim Saaz
– Estilo: Bohemian Pilsener
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,35/5

Tupiniquim Tchin Tchin
– Estilo: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,61/5

Tupiniquim Funky & Sour
– Estilo: Sour Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,5%
– Nota: 3,51/5

Tupiniquim IndHed
– Estilo: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,85/5

Tupiniquim Weiss Maracujá
– Estilo: Weiss
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,85/5

Tupiniquim Loucura de Baco
– Estilo: Smoked Barley Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9,5%
– Nota: 3,89/5

Tupiniquim Monjolo Floresta Negra
– Estilo: Imperial Porter
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3,77/5

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