Boteco: Cervejas do Iron Maiden, Titãs e Babylove

por Marcelo Costa

O mercado brasileiro de cervejas vem passando uma grande transformação que está mudando os hábitos de uma fatia dos consumidores do produto no Brasil. Dados do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja mostram que o segmento premium (que engloba as microcervejarias nacionais e as cervejas consideradas premium importadas) aumentou de 2% para 5% a participação no consumo total de cervejas no Brasil. Se o total movimenta cerca de R$ 30 bilhões anuais, o mercado de cerveja premium já movimenta R$ 1 bilhão e 500 mil, que é dividido entre cerca de 200 micro cervejarias e um número cada vez maior de importadoras. Para alcançar um público maior, os cervejeiros brasileiros estão optando por unirem-se a bandas de rock, tentando, com isso, aumentar sua exposição e conquistar uma fatia nova no mercado. A jogada de marketing parece que vem funcionando, mas diz mais sobre publicidade do que sobre cervejas que realmente os artistas. Afinal, uma Weiss não representa o Sepultura (para citar um exemplo de cerveja que já existia, e só recebeu o rótulo com a marca da banda). Abaixo, amplio o leque com a boa cerveja do Iron Maiden, a cerveja do Titãs e a união de uma banda underground dinamarquesa com a elogiada Mikkeller. Vamos a elas.

Com receita desenvolvida pelo piloto de avião e duble de vocalista Bruce Dickinson (ok, pode inverter as posições) em parceria com o pessoal da Robinson Brewery (responsáveis pelas ótimas Old Tom), The Trooper é a cerveja oficial do Iron Maiden. Para um fã de Real Ale como Bruce, nada como ter uma Premium British Bitter com o nome de sua banda, mas a receita, interessante, vai um pouco além adicionando lúpulos Bobec, Goldings e Cascade no conjunto. De coloração âmbar caramelada turva e creme bege de boa formação e média permanência, The Trooper mostra no aroma certo equilíbrio entre as notas adocicadas (caramelo) derivadas do malte e os tons cítricos (limão) e herbais (mate e grama) advindos da lupulagem, características que a diferenciam das dezenas de concorrentes no mercado britânico. No paladar, porém, malte e lúpulo parecem se integrar (e não ter funções separadas, como manda o figurino), e isso causa certo estranhamento caracterizados por uma ligeira mistura de notas de caramelo com cítrico e herbal. O final, seco, desaparece rapidamente deixando caramelo e limão enquanto o retrogosto reforça essa sensação. Se fosse para comparar a um disco da banda seria “Somewhere In Time”.

Partindo para outra banda do século passado que ainda permanece em atividade, o Titãs, festejando 30 anos de seu disco de estreia, ganhou uma cerveja em parceria com a ribeirão-pretana Colorado, que utilizou a base de uma receita de brown ale adicionando laranja para criar uma conjunto que tem um pé no “rock britânico, mas com uma linguagem brasileira” (uma definição que caberia em uma porção de bandas, mas vá lá). De coloração âmbar escura com tons avermelhados e creme bege de média formação e baixíssima permanência, a Colorado Titãs traz no nariz o toque inconfundível da fruta que é adicionada na receita e é difícil se desvencilhar do aroma de laranja, como se o bebedor tivesse aberto uma caixinha de suco natural. Com esforço é possível sentir um pouco do malte tostado, com notas interessantes que remetem a defumado (?!) e, bem levemente, café. Na boca, o primeiro ataque é do cítrico da laranja, que traz consigo o caramelado do malte novamente remetendo a defumado (bem suave) num conjunto – com amargor levíssimo – que sugere desequilibrio. O final, seco, traz mais cítrico de laranja enquanto o retrogosto retorna com malte e, mais uma vez, defumado. Se fosse para comparar a um disco da banda seria qualquer um do novo século.

De Iron Maiden e Titãs para o Babylove and The Van Dangos, grupo de ska e reggae formado em Copenhague, 2004. Eles já têm quatro álbuns e uma cerveja em parceria com a dinamarquesa Mikkeller. O projeto todo é nobre e visava arrecadar (com show, single no iTunes e cerveja) 30 mil coroas dinamarquesas (aproximadamente R$ 12 mil) para construir 10 banheiros na pequena aldeia africana de Dzogadze, em Gana. Com o mesmo nome da canção, a Boogaloo (On Brown Ale Avenue) é (assim com a Colorado Titãs) uma brown ale que recebe adição de uma erva ganesa especial. De coloração âmbar escura com feixes alaranjados no fundo da taça e creme bege majestoso em formação e de longa permanência, a Mikkeller Boogaloo (On Brown Ale Avenue) destaca um aroma que une o caramelo do malte com o intenso toque herbal das ervas ganesas adicionadas na receita. Há percepção de mel, resina, madeira, limão e açúcar queimado. No paladar, a erva especial se sobrepõe ao adocicado do malte de caramelo no primeiro toque, como se uma pastilha de anis houvesse caído na taça. O malte vem na sequencia, e tenta equilibrar a experiência, mas a boca já está tomada pela erva, que surpreende e resiste, herbal é cítrica, até o final. No retrogosto, mais herbal. Estranha e muito boa!

Balanço
O que vou tentar avaliar aqui não é só a qualidade da cerveja, mas também se ela representa a banda em questão ou só é uma jogada de marketing para faturarem muito com determinada marca. O caso da The Trooper, do Iron Maiden, é uma terceira via: Bruce Dickinson optou por produzir um estilo de cerveja que “ele” gosta, e se isso é certo ou errado talvez até sejam outros quinhentos, embora o que importe são duas coisas: 1) Embora não chega aos calcanhares de nenhuma Fuller’s (e custe o mesmo preço no Brasil), The Trooper é uma boa cerveja; 2) Ainda assim, ela não representa o Iron Maiden. Ok, ela é tradicionalíssima (talvez existam poucos gêneros no mundo tão tradicionalistas quanto o New Wave of British Heavy Metal), mas é suave e cítrica demais para ser a cerveja de uma banda de metal (mesmo uma que gravou “Wasting Love”). O rótulo já nasceu clássico, mas se você quer mesmo beber boas cervejas britânicas opte pela Fuller’s (ouvindo Iron Maiden).

Da Inglaterra para o Brasil com a Colorado Titãs. Do cardápio dos ribeirão-pretanos, uma das cervejas que menos brilha é exatamente uma brown ale, a Colorado Berthô, e a escolha do estilo para essa “homenagem” soa controversa, já que a única receita da casa no estilo não alcançou o brilho de rótulos como Indica, Demoiselle, Vixnu e Ithaca. Partindo dessa ideia, a Colorado Titãs decepciona porque de brown ale não há quase nada, já que a fruta adicionada mudou totalmente o perfil sensorial da cerveja. Deste ponto temos duas vias: na primeira, uma cerveja que foge da categoria base, e pode decepcionar puristas (afinal, é de esperar que a adição de um ingrediente acrescente algo ao perfil sensorial sem descaracterizar o estilo); na segunda, surge uma cerveja diferente, que mesmo desequilibrada pode agradar e merece uma chance. No meio do caminho fica a homenagem ao Titãs, que aponta para uma banda essencialmente cítrica e tão pouco amarga e adocicada. Para mim, não traduz a banda.

Da Brasil para a Dinamarca com a respeitada Mikkeller, que entrou em um projeto enobrecedor ao lado de uma banda local, a Babylove and The Van Dangos: criar música, cerveja e juntar tudo isso num show com renda revertida para a construção de 10 banheiros em uma aldeia africana. Se só a causa humanitária já valeria o preço da garrafa, vale dizer que o conjunto é muito mais agradável e provocante do que a tradicionalista The Trooper e a Colorado Titãs, que parte da mesma premissa da Mikkeller, mas o cítrico lá não casa tão bem quanto o herbal aqui. Uma erva ganesa é adicionada na receita da Boogaloo (On Brown Ale Avenue) e praticamente define todo o perfil sensorial da cerveja sem apagar os traços de brown ale, e se os dinamarqueses queriam fazer uma receita que representasse Gana (através de uma erva da região) e o ska reggae do Babylove and The Van Dangos (ska, reggae, erva, manja?), podem se dar por satisfeitos que o resultado é uma brown ale com personalidade. A melhor das três.

The Trooper
– Produto: Premium British Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,80/5

Colorado Titãs
– Produto: Brown Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,69/5

Mikkeller Boogaloo (On Brown Ale Avenue)
– Produto: Brown Ale
– Nacionalidade: Dinamarca
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,28/5

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