Entrevista: Manuel Fúria

por Pedro Salgado, de Lisboa

Manuel Fúria está intimamente ligado ao advento da moderna música portuguesa. Sendo um dos fundadores do selo Amor Fúria (http://amorfuria.pt), logo cedo desenvolveu um gosto pelas raízes sonoras de Portugal. O seu álbum de estreia, “As Aventuras Do Homem Arranha”, de 2008, evidenciou essa preocupação. Fúria também liderou a banda rock lisboeta Os Golpes, que encerraria suas atividades em 2011, marcada por uma simbologia de regresso às origens e possibilitando um êxito radiofônico com a canção “Vá Lá Senhora”.

Se o primeiro disco solo traduzia um conceito de pertencimento a uma terra pequena e à permanência numa cidade grande como Lisboa, o novo disco, “Manuel Fúria Contempla Os Lírios Do Campo”, revela o cansaço do narrador da canção com o ruído urbano e o desejo de encontrar o silêncio. “Quero ver Lisboa a arder” é uma estrofe recorrente no novo trabalho. A inspiração veio da canção “Heartland”, do The Sound. Segundo o músico, “Reflete o lado destruidor da vontade de querer procurar uma terra do coração, onde possa estar inteiro”.

No álbum, com a participação d´Os Náufragos, banda onde se incluem Silas Ferreira (d’Os Pontos Negros, no oboé e sintetizador), e Pedro Lucas (bateria e percussões), entre outros, Fúria apresenta um conjunto de músicas com uma forte carga épica, mas que não inibem o seu tradicional gosto pelo pop. A romântica “Que Haja Festa Não Sei Onde” (primeiro single do disco) e, particularmente, “Procuro A Claridade”, uma disco funk contagiante, inserem-se em propostas mais imediatas e não menos interessantes.

Da apresentação do disco, no passado dia 22 de Fevereiro, no Ritz Clube, em Lisboa, recorda-se um espetáculo festivo com a participação de nomes como Tiago Cavaco e Samuel Úria. Em pouco mais de uma hora, Fúria, com o auxílio de cordas e metais, também revisitou a portugalidade latente de “Tarde Livre, Parte III”, d´Os Golpes. E o caráter dançante da sua música, uma constante do show, foi reforçado na interpretação vibrante do tema “Canção Para Casar Contigo”, ao estilo dos Heróis do Mar (grande referência do cantor).

A familiaridade do seu mais recente trabalho (segunda parte de um tríptico iniciado com “As Aventuras Do Homem Arranha”), embora seja uma criação fantasiosa e que parte dos aspetos que o motivam, procura reconciliar as pessoas com a história. E é na alma portuguesa dos amores, conflitos, evocação de um tempo perdido e na tradição religiosa que encontramos a mais pura expressão artística do autor de “Os Lírios Do Campo”. De Lisboa para o Brasil, Manuel Fúria conversou com o Scream & Yell. Confira:

“Manuel Fúria Contempla os Lírios Do Campo” teve um parto longo. Foi uma tentativa sua de aperfeiçoar as músicas?
Não! Infelizmente foram mais as contingências do que propriamente uma vontade minha. Fui pensando este álbum desde que terminei o meu primeiro disco solo. Houve canções que sobraram, Os Golpes estavam num momento de pausa e apresentei o álbum em alguns lugares. “As Aventuras Do Homem Arranha” era curto (tem apenas cinco canções), e eu compus mais músicas. Com as faixas que sobraram, comecei a pensar se as poderia me envolver num outro trabalho ou se faria parte d´Os Golpes e também pensei em inclui-las num projeto com o meu nome. “As Aventuras Do Homem Arranha” foi editado em 2008 e nos dois anos seguintes fui madurando o que seria o novo álbum. O processo culminou no verão de 2010 com as primeiras sessões, em Regilde (no norte de Portugal), com músicos meus amigos que apareceram e gravaram canções comigo. A minha intenção era que o disco saísse nesse momento, mas o trabalho com Os Golpes não o permitiu (felizmente na altura), e um ano depois empenhei-me definitivamente para lançar o trabalho em 2011 ou 2012. “Manuel Fúria Contempla os Lírios Do Campo” acabou por ser gravado em Outubro e Novembro de 2011, sendo que o processo de mixagem foi muito demorado e assim se explica a sua edição em Janeiro de 2013.

O álbum tem um caráter épico evidente. Por que adotou esta sonoridade?
É algo que se liga às minhas tendências megalómanas e melodramáticas e o gosto por elementos que não sejam meios-termos. Aprecio coisas que são ou não são, isso é o oposto dos brandos costumes, que abomino, e estou mais próximo de aspetos que revelem vontade e determinação. A minha música evidencia um lado mais celebratório, épico, em crescendo e, de alguma forma, isso também marcava o som d´Os Golpes.

Na banda que o acompanha, Os Náufragos, encontram-se vários talentos da nova geração portuguesa. A junção dos músicos foi expontânea ou obedeceu a algum critério?
Foi expontânea e obedeceu a critérios na mesma medida. Não procurei selecionar os músicos por serem emergentes, uma vez que eles fazem parte dos círculos por onde me movo. Alguns são meus amigos e ultrapassam o mero contexto artístico e outros apareceram por via das circunstâncias musicais. Acima de tudo, são pessoas talentosas, disponíveis e com vontade de fazer coisas. Foi esse o objetivo da escolha. No entanto, eu sabia que o Tomás Cruz, do Asterisco Cardinal Bomba Caveira, tocava bandolim elétrico. Interessava-me essa sonoridade e solicitei a sua presença no disco. O mesmo aconteceu com o Tomás Wallenstein, do Capitão Fausto, e a Francisca Aires Mateus que tocaram violino. Procurei uma determinada sonoridade, uma ideia de banda e estes músicos reuniam essas condições.

Li numa entrevista sua que na versão de “À Minha Alma”, d´Os Velhos, você se encontra “mais exposto e aparece mais despido”. Por quê?
Representa um lado paradoxal, porque é a única canção do álbum que não é minha e é de fato aquela onde mais me exponho. As construções musicais que faço são apenas isso. A célula original sou eu, a minha alma, o meu tom, e o que faço é acrescentar camadas de artifícios que me protegem e escondem, quase como os coletes que visto. Nessa canção, o arranjo é minimalista. Sou apenas eu com uma guitarra (trombone no final) e evidencia o despojamento. Depois, a canção tem muito a ver comigo e, nesse sentido, é o momento do disco em que todas as construções caiem por terra e tens aí uma pessoa muito próxima daquilo que represento.

Sei que compôs várias faixas para o seu próximo trabalho. As canções que já fez obedecem a alguma orientação?
Sim! O próximo álbum será a conclusão do tríptico iniciado com “As Aventuras Do Homem Arranha”. Não vou falar do critério do disco nem o explicarei, porque julgo não ser ainda a altura apropriada para abordá-lo.

O que ambiciona para a sua carreira?
Ambiciono crescer, tornar-me maior, ser conhecido por muitas pessoas, ultrapassar a esfera das elites mais esclarecidas das cidades de Lisboa e Porto. Pretendo ser mais popular, um pouco como os cantores Tony Carreira ou Toy que chegam também ao público das aldeias. Isso interessa-me bastante, uma vez que o meu trabalho está ligado às diferentes dimensões de Portugal (ruralidade, canção popular e experimental). Para que esse crescimento e maior conhecimento ocorram estão planeados muitos concertos e, obviamente, os próximos discos.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui

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