Cinema: Alice, de Tim Burton

por Igor Nishikiori

A melhor moral que podemos tirar do novo “Alice No País das Maravilhas” é: nunca subestime a indústria do cinema. A coqueluxe que causou o simples fato de uma das historias mais legais da literartura ser filmada por Tim Burton, o mestre da estética visual do bizarro e da loucura, não está escrito, embora fosse imaginado. Queira ou não, Tim Burton era o cara certo para fazer essa adaptação. O problema é que, talvez, nem ele nem o público esperassem que o clássico de Lewis Carrol fosse reduzido a um monte de clichês pasteurizados no melhor estilo hollywoodiano.

O legal na história de Alice, a original, é tanto o nonsense e a insanidade do enredo – que, dizem as más línguas, influenciou os surrealistas e a galera da psicodelia dos anos 60 – quanto seu texto muitíssimo bem trabalhado, cheio de referências históricas, com uma pitada do humor inglês vitoriano e com uma absurda lógica matemática. Mas tudo isso se perdeu quando a Disney decidiu que era melhor criar uma outra história em cima dessa, uma história muito mais fraca, diga-se de passagem.

A diferença mais visível é que Alice já não é mais uma garota de 7 anos, mas uma moça de 19 prestes a se casar. A partir dessa premissa, a roteirista (a mesma que escreveu “Rei Leão” e “Bela e a Fera”) resolveu brincar de futurologia: como seria “Alice e o País das Maravilhas” 12 anos depois dela ter caído no buraco? A princípio a ideia de fazer algo diferente é até boa, visto que todo mundo já deve conhecer a história e que o que não falta são adaptações para o cinema, mas a execução foi primária. Alice deixou de ser a menina curiosa que se deixa embarcar em um sonho psicodélico com coelhos falantes, gatos que evaporam ou lagartas fumadoras de nargilé. Agora, ela tem uma missão, seguindo a velha cartilha da “Jornada do Herói”, de Joseph Campbell. E para cumpri-la, precisa passar por um estágio de provação e mudar sua psique interior. Isso quem diz não sou eu, mas os próprios personagens do filme.

Voltando então ao livro. A Alice original era tremendamente esperta e contestadora, mas educada, e isso fazia parte de sua própria característica. Tanto que, embora todo o universo do País das Maravilhas fosse um mero sonho, paradoxalmente ela buscava um sentido lógico em tudo. E é nesse paradoxo que se estabelece a graça da obra. Tanto que um dos melhores capítulos do livro, quiçá da literatura juvenil mundial, é a do chá das cinco, em que Alice tenta estabelecer um diálogo com a Lebre de Março, o Chapeleiro Maluco e o Dormindongo, até que ela fica tão impaciente com a loucura deles que resolve sair de rolê. Parece até uma esquete do Monty Python de tão insano que é o negócio.

Esse tipo de humor do absurdo se perdeu na adaptação. Alice e os personagens do País das Maravilhas transparecem um ar carregado de melancolia, e tudo por causa da tirania da Rainha Vermelha. Aparentemente, só com a derrubada do seu regime que a alegria voltará a reinar nessas terras. Ora, pura patifaria. Nada disso impede um piadinha de efeito ou uma sacada irônica. Só para exemplificar, na época da ditadura militar surgiram mentes brilhantes no Brasil que usavam o humor para contestar a repressão do governo, como Henfil, Angeli e os irmãos Caruso. Esse tipo de reducionismo pode funcionar para crianças, mas para adultos, isso beira o revoltante.

Para não dizer que não falamos das flores, Alice tem seus pontos altos. Apesar dos tiros n’agua, a estética burtiana é do caramba. Quando se trata de personagens excêntricos, que transitam entre mundos sombrios e tenebrosos, estamos falando com o cara certo. O problema é quando isso fica só no visual e se esquece do desenvolvimento do enredo, como se fosse um Avatar surrealista. É legal ver os efeitos em 3D e o cenário fantasioso, mas como fica a história? O que deveria ser o principal o pessoal resolveu deixar de lado.

É preciso destacar também Mia Wasikowska, que ficou muito bem como a contestadora Alice, embora não convença fazendo cenas de ação; Johhny Depp, que mais uma vez fez como ninguém o papel de louco (se bem que ele só faz papel de louco); e Helena Bonham Carter, que mandou muito como a Rainha Vermelha.

O caso é que Hollywood perdeu uma oportunidade de ouro de fazer uma filme pra ficar na história. Ao invés disso, resolveram subestimar a inteligência do público e enterrar qualquer brilhantismo do livro do Lewis Carrol. Mesmo assim, Alice foi a maior bilheteria da Disney no Brasil. Nunca subestime a indústria do cinema.

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Igor Nishikiori é jornalista e escreve no blog Barbitúrico com Fanta

3 thoughts on “Cinema: Alice, de Tim Burton

  1. Sim, Alice através do espelho explica muita coisa do filme. De qualquer maneira assistir em 3D foi uma experiência extra-sensorial e psicodélica, o que fez juz a obra de Lewis Carrol.

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