“C_mpl_te”, Móveis Coloniais de Acajú

Por Tiago Agostini
Fotos: Liliane Callegari

São 19h30 e em poucas horas o Móveis Coloniais de Acaju subirá ao palco do Centro Comunitário de Brasília para o show de lançamento de seu segundo disco, “C_mpl_te”. Sentado na mesa do restaurante de uma das diversas entrequadras comerciais da capital federal, o baixista Fábio Pedroza não consegue nem levantar para servir seu prato de comida. Ao telefone, ele acerta os detalhes de segurança para o show da noite quando toca o outro celular. Ele atende para definir o translado dos últimos jornalistas que chegam à cidade para acompanhar o show. “A correria é tanta que eu já desenvolvi uma técnica para falar em dois telefones ao mesmo tempo, sem misturar as conversas e me atrapalhar”, revela com um sorriso no rosto.

O dia inteiro foi assim. Pela tarde, por exemplo, Fábio teve que impedir uma invasão de vendedores ambulantes no local do show. Junto com o saxofonista Esdras Nogueira, ele ajuda o produtor Fabrício Ofuji (uma espécie de décimo membro da banda) nas questões burocráticas. É parte da divisão de tarefas natural que aconteceu com a banda ao longo do tempo, em que cada músico foi assumindo aquilo que mais tem facilidade em fazer. Assim, aos poucos eles abandonam seus empregos e se dedicam em tempo integral ao Móveis. A banda inclusive se tornou uma empresa com CNPJ próprio. “Percebemos que seria preciso nos organizar há uns 5 anos. Se em uma banda com 3, 4 integrantes já é difícil marcar ensaios, imagina pra nós que somos 9?”, comenta o tecladista Eduardo Borém, um dos designers da banda e responsável pelo site.

A profissionalização, porém, não diminuiu a espontaneidade da banda. Sentados ao redor da mesa para falar sobre o disco novo, parecem estar em cima do palco correndo de um lado para o outro e mostrando toda energia que tem guardada. “O conceito do ‘C_mpl_te’ já existia na parte administrativa e estrutural, e a gente quis trazer para o lado artístico, com as letras sendo escritas e arranjadas em conjunto, com cada um dando palpite na parte do outro”, comenta Esdras. O processo, que acabou levando quase um ano, foi mais difícil do que a banda imaginava, principalmente pela participação do produtor Carlos Eduardo Miranda.

“A primeira vez que o Miranda foi pra Brasília, mostramos 20 músicas para ele. Achávamos que ia ser fácil, era só tirar 12 dali e gravar. Ele gostou de 5 e disse que as outras não serviam, era pra compor novo material”, lembra Esdras. “Foi a hora de engolir o choro e trabalhar, porque se tínhamos escolhido ele tínhamos que confiar na avaliação”, lembra Borem. Após refazerem arranjos e mudarem músicas até a hora de entrar em estúdio, a satisfação com o resultado não poderia ser maior. “O Miranda propôs fazer um discão, cheio de detalhes, e a gente comprou a idéia. Dá para dizer que ‘C_mpl_te’ é um pouco dele também”, comenta o tecladista. O produtor também não esconde a alegria. “É um dos melhores discos que eu já fiz”, confidencia.

O Móveis tem hoje o melhor show do rock nacional, algo construído pouco a pouco com as apresentações em festivais independentes Brasil afora. Mesmo assim, a tensão de apresentar algumas músicas pela primeira vez era evidente nos bastidores, afinal, eram quase 5 mil pessoas que enfrentaram a chuva que não largava Brasília desde a metade da tarde. Com a contagem regressiva no telão, os nove se abraçaram em roda como um time de futebol em dia de final de campeonato. E quando, após meia hora de show eles tocaram o primeiro single do disco novo, “O Tempo”, e a platéia cantou como se fosse uma velha conhecida, dava para perceber que o jogo estava ganho. Sorrisos nos rostos na saída do palco, era hora de já preparar as coisas para o show do dia seguinte, em Goiânia. A nova jornada do Móveis está apenas começando e eles sabem que, como diz a letra de “Indiferença”, faixa que fecha “C_mpl_te”, “se tudo pode ser melhor, ainda dá tempo”.

“C_mpl_te”, do Móveis Coloniais de Acajú (Álbum Virtual)
Por Tiago Agostini

Eles tinham o melhor show do rock nacional, mas ainda faltava ao Móveis Coloniais de Acaju um trabalho de estúdio consistente o bastante para os legitimar como grande banda. Não que “Idem”, lançado em 2005, seja um disco ruim – ele é apenas cansativo. A produção frouxa acaba jogando contra e acentua a similaridade entre as canções, que acabavam soando muito melhores e completas na dinâmica do show. Havia uma música – “Aluga-se Vende” -, porém, diferente de todo o contexto do álbum, e foi justamente a partir dela que a banda começou a construir a idéia do novo disco.

“C_mpl_te” representa uma grande evolução na carreira dos brasilienses. Com o auxílio do produtor Carlos Eduardo Miranda eles conseguiram criar um conjunto de canções independentes entre si mas ainda assim com um fio condutor. Se concentraram muito mais em melodias, harmonias e arranjos do que no ritmo e pariram um dos grandes (se não o melhor) discos do ano no rock nacional. Mas quem ouve o resultado não percebe que o processo inteiro não foi assim tão natural quanto parece. Eles passaram quase um ano dentro do estúdio, compondo, ensaiando e, principalmente, suando muito para conseguir ao resultado desejado e estabelecido em conjunto.

De alguma forma, parece que eles sempre tiveram certeza do bom resultado que estava por vir. Da primeira vez que os entrevistei, em outubro do ano passado, um dia antes de entrarem em estúdio para registrar o disco, não precisei fazer nenhuma pergunta para que eles falassem durante 40 minutos ininterruptos. Durante vários momentos, me olhavam e repetiam “desculpa a gente estar se atropelando, mas essa é a primeira vez que a gente fala sobre o disco novo e a gente ta tão ansioso.” E na verdade não havia problema algum em eles falarem e falarem o quanto quisessem. Aquilo sim era a coisa mais natural do mundo. Dez pessoas (incluindo o produtor Fabrício Ofuji) totalmente afinadas sobre seus desejos. É piegas dizer, mas havia um brilho nos olhos de cada um que inspirava uma sinceridade e confiança enormes.

“C_mpl_te” surpreende logo na primeira audição. Miranda estava certo quando disse que aquele era um dos melhores discos que ele havia produzido. A complexidade do álbum e a maneira como as canções crescem aos poucos era surpreendente. O trabalho de guitarras minucioso, a bateria precisa, a voz tranqüila de André Gonzáles, mas principalmente os metais que, com frases curtas, instigavam uma audição mais cuidadosa. O Móveis parecia ter compreendido que, às vezes, menos é mais – e como isso funcionava bem.

O segundo álbum do Móveis abre com uma com uma canção perfeita, e fecha com outra no mesmo nível. A primeira é a coisa mais diferente que eles já fizeram em toda sua história, com o dedilhado de guitarra e o clima etéreo. De alguma forma, começar com ela é como dar um chute na porta e já deixar avisado “olha, sabe aquele Móveis que todo mundo conhece¿ Então, se preparem porque lá vem coisa nova”. E “Indiferença” tem um clima de festa constante que termina de um jeito relaxado, com um solo “herbert viannístico” de BC que deixa no ar um até logo.

O disco ainda guarda duas canções excelentes. “Descomplica” é lúdica, despretensiosa, ensolarada. E, bem, “O Tempo” é simplesmente a melhor música que a banda já fez e provavelmente a melhor lançada em 2009 – e outras bandas terão que ser muito geniais para derrota-la. É daquele tipo de canção que bate imediatamente, com suas mudanças de ritmos e todo o trabalho dos sopros, servindo de cama para a interpretação inspirada de André em uma bela letra de amor. A caidinha só com a guitarra dedilhada após o segundo refrão é capaz de cortar corações, fácil, fácil. A banda ainda escorrega um pouco em alguns momentos, como em algumas letras mais preguiçosas (“Café Com Leite”), mas o resultado final é muito acima da média da produção atual.

E tudo isso sem ter perdido a excelência em cima de um palco. Na última sexta e sábado (22 e 23/05), eles lançaram “C_mpl_te” em São Paulo com duas noites lotadas na choperia do Sesc Pompéia, e é impressionante como eles conseguem melhorar cada vez mais, estar cada vez mais em sintonia com a platéia, inovar nas interações. Agora fica a curiosidade de ver esse mesmo show daqui alguns meses, quando o público estiver tão familiarizado com o novo álbum quanto está com as músicas de “Idem”. Mais importante que isso é conversar com os integrantes após o show e perceber a empolgação de cada um. Com o mesmo brilho nos olhos de alguns meses atrás.

“C_mpl_te” está liberado para download gratuito no projeto Album Virtual, da Trama Virtual (http://albumvirtual.trama.uol.com.br/). Dez mil pessoas já fizeram isso.

A pedido do Scream & Yell, o flautista Beto Mejía comenta o novo álbum:
Faixa a Faixa de “C_mpl_te”, por Móveis Coloniais de Acajú

01 Adeus: Acho que fomos felizes ao colocá-la em primeiro. É bonita, uma das minhas preferidas. E, de fato, é nela que podemos ver alguma influência de Sigur Rós. Muita gente comenta também em ser simplesmente uma letra de amor, mas, na verdade, estão certos aqueles que dizem ser sobre a relação da banda com o público.

02 Lista de Casamento: É a mais antiga entre as 12. Surgiu de uma ideia de fazer um ska com Franz Ferdinand, do Leo, antigo guitarrista. E ele também já tinha, antes da letra, o refrão na cabeça – “Eu tenho quase certeza de que estou no lugar errado, mas se eu não me engano, eu posso estar enganado”.

03 O Tempo: Essa foi uma música em que o Miranda foi muito importante. Ela tinha andamentos e uma introdução diferente. Ganhou força e se tornou uma grande canção. Sobre influências, o Claudio Szynkier (da TramaVirtual) falou em bandas que buscam a sonoridade do Beach Boys. O Beto estava ouvindo bastante o “Pet Sounds”. O Fabio cita bem o Polyphonic Spree.

04 Cão Guia: Testamos “Cão Guia” em alguns shows, ainda no ano passado. Não tínhamos toda a letra, somente alguns versos iniciais e o André cantarolava o restante. Assim como em todo o disco, as guitarras ganharam muita força na gravação. E, posteriormente, nos shows também. Gosto bastante dela!

05 Descomplica: Foi a última que fizemos para o “C_mpl_te”. Alguns dizem que ela melhor sintetiza o que é a banda – tanto no processo de composição quanto no resultado final. É uma das preferidas da banda.

06 Café com Leite: Por algumas vezes, essa música foi jogada pra escanteio. Demorou um pouco pra entender qual era uma boa roupagem pra ela. Quando fomos mostrar para o Miranda pela primeira vez, estávamos um pouco descrentes. Quando terminou a audição, ele disse que era uma das preferidas. Pra mim, destaque pra linha inicial de barítono do esdras e solo de tenor do Paulo.

07 Pra Manter ou Mudar (a do piano): Ela começou somente com um arranjo voz e piano e inicialmente iria ter uma levada meio big band dos anos 30. Musicalmente, o refrão conduz o restante. A letra é um capítulo à parte. Surgiu em partes e, possivelmente, foi uma das mais demoradas a ser concluída. O começo se deu em uma viagem pra Ilha Solteira para apresentação em um festival univesitário, e o fim, um dia antes de entrar em estúdio.

08 Bem Natural: Essa foi composta bem no meio do processo todo. A gente estava um pouco travado com algumas músicas e em uma semana iríamos mostrar algo novo pro Miranda. Coisa que não tínhamos!!! A única música do disco que tem vocal do Beto e do André cantando junto quase toda a música. Acho que ela reflete bem o que o Miranda queria quando passou um monte de punk rock pra ouvir. Simplicidade e foco em linhas de sopro. Sem frescurinnhas… Gosto bastante da levada da batera. Tem uma malandragem aí, já que a gente pegou uma levada upbeat e a desdobrou. Ficou meio… half beat?

09 Falso Retrato (Uhu): Ganhou muita personalidade dentro de estúdio. Tem ótimos riffs de guitarra e timbres de teclado. Pra mim, tem uma coisa de Queens of The Stone Age com Paulo Moura… a letra do refrão veio durante a gravação de sopros. Ia ser somente uma parte instrumental.

10 Cheia de Manha: A terceira a ser composta para o disco, também faz parte das músicas ditas antigas. Adoro a letra. O Miranda trouxe novas idéias principalmente para a timbragem de teclados. Muita gente pensa que a música foi feita pra Maísa (apresentadora mirim). Mas, a música foi composta antes. Mas se ela topar fazer um clipe, a gente aceita, né Silvio?

11 Sem Palavras: A gente já tinha gravado essa música no estúdio da Trama, em 2007. A nova gravação tem beat diferente, e principalmente, linhas diferentes de guitarra. Uma das minhas preferidas. Acho a interpretação do André bem doída e bem boa!

12 Indiferença: Foi a penúltima música do disco a ser composta. Assim que a começamos a tirar, o Bc a definiu como uma música do Bad Religion com mais “Mojo”. A vibe meio hippie do final foi resultado de brincadeiras com ritmos e melodias que fizemos em um ensaio. A parte final também foi composta pensando em possíveis interações com o público.

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Tiago Agostini é jornalista e assina o blog Balada do Louco

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