Cinema: Má Educação, Almodóvar

por Marcelo Costa

“Má Educação” (La Mala Educación, 2004), novo filme do genial cineasta espanhol Pedro Almodóvar, exibe uma premissa bastante interessante: a de que vivemos em um mundo que nos ensina a mentir. Em seus 105 minutos de duração, “Má Educação” versa sobre o tema da premissa utilizando como base travestis (que “mentem” a sexualidade), maus atores (que fingem ser pessoas que não são) e, mais diretamente, um padre que abusa sexualmente de um menino quando deveria orientar religiosamente seu pupilo. Nos exemplos (e em outros, fragmentados no roteiro) residem a verdadeira má educação.

Porém, é interessante lembrar de que de boas intenções o inferno está cheio. Assim, não basta uma premissa louvável para se ter, no caso do cinema, um bom filme. Não é o caso de “Má Educação”, um bom filme, no entanto, não dá para sair batendo palmas da sala escura. Primeiro porque o filme é denso, dark, noir e terrivelmente melancólico. A comiseração não merece aplausos, talvez respeito, no máximo admiração. Segundo: por mais que entrelace a história em diversas camadas, alternando presente e passado, “Má Educação” soa óbvio quando justamente deveria surpreender, mais precisamente quando o mistério é revelado e o espectador junta os cacos e, com a memória, tenta entender a verdade do todo.

Isso não quer dizer, de maneira alguma, que “Má Educação” seja uma obra irregular. Almodóvar constrói, com maestria, um roteiro que engloba fantasmas pessoais, polêmicas com grandes instituições e provocações sexuais, temas caros ao cineasta, aqui embalados pelo foco do que acontece atrás das lentes: o cineasta Enrique Goded (Fele Martinez) procura um ponto de partida para seu próximo filme, quando recebe a inesperada visita de Ignácio Rodriguez (Gael Garcia Bernal), uma antiga paixão de infância, época em que os dois estudaram no mesmo colégio católico e foram separados pelo padre Manolo (Daniel Giménez Cacho), que expulsou Enrique e abusou de Ignácio.

Enrique, Ignácio e o padre Manolo formam a tríade de angústias, frustrações, vinganças e mentiras que dão vida e melancolia para Má Educação. Gael encarna de forma inteligente “seus personagens”, mas seu grande papel no ano continua sendo o jovem Che de “Diários de Motocicleta”. Em “Má Educação”, o ator é conduzido pelo roteiro, forte e devasso. Ignácio brinca com Gael e Gael se adapta ao papel. O ator é proibido de descer as profundezas de Ignácio, por isso reveste sua atuação de rascunhos. Quando o filme acaba fica tudo mais perceptível, mas daí o filme já acabou.

E acaba deixando o gosto de que falta alguma coisa, algum detalhe, alguma luz. Ele traz ótimas cenas, uma premissa inteligente, atuações excelentes e um grande roteiro, mas não impressiona quando deveria impressionar, soando até óbvio. Para um roteiro que veio sendo trabalhado, burilado, arrumado, escrito e reescrito nos últimos doze anos, “Má Educação” não surpreende, até decepciona. Isso tudo sem citar a genial e sublime trilogia anterior composta por “Carne Trêmula” (97), “Tudo Sobre Minha Mãe” (99) e “Fale com Ela” (02). Se como filme, único, “Má Educação” parece padecer de falta de acabamento (ou excesso), ele perde ainda mais se comparado com os três anteriores. É só um bom filme, mas poderia ser melhor. Como? Não tenho a mínima ideia, mas Almodóvar deve saber…

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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