DVD: um tributo para Brian Wilson

por Marcelo Costa

“Enquanto John e Paul escreviam as canções, Ringo e George interpretavam e eu produzia ‘Revolver’, ele, sozinho, fazia tudo isso em ‘Pet Sounds’. Ele nos desafiava. Sem ‘Pet Sounds’ não haveria ‘Sgt Peppers'”. Sir George Martin, produtor dos Beatles, viajou de Londres para Nova York em 29 de março de 2001 para registrar seu testemunho sobre um dos maiores artistas que a música pop já conheceu: Brian Wilson.

Junto ao produtor dos Beatles temos uma constelação de músicos interpretando clássicos da música pop neste DVD que registra o tributo ao líder dos Beach Boys. Mais que isso, “An All-Star Tribute To Brian Wilson” ganha ares de enciclopédico com pequenas participações especiais contando como os Beach Boys criaram o mito da Califórnia ensolarada, sobre a criação de “Pet Sounds” e como Brian sobreviveu aos anos 70.

Tributos tendem a ser uma chatice, sempre. Primeiro porque muito pouca gente merece ser homenageada com tributos. Segundo, porque em 99% dos tributos, o homenageado é tratado como divindade e tudo que fez em vida é divino. Uma rasgação de seda, uma puxação de saco que enoja, quase sempre mostrando que o artista em questão nunca pisou na bola. “An All-Star Tribute To Brian Wilson” não se encaixa em nenhum dos dois itens. Primeiro porque Brian Wilson, sim, merece. Segundo porque tudo que aconteceu em sua vida, da pressão paterna passando pelas drogas e a pseudo loucura que o acometeu durante a criação de “Smile” até o recolhimento nos ano 80, tudo está aqui.

Apresentando o evento, o ator e diretor Chazz Palmiteri (“Tiros na Broadway”) abre contando como a música dos Beach Boys mudou a sua vida, “e provavelmente a de vocês também”.

O primeiro a pisar no palco é… Ricky Martin, com cara de ter sido encaixado no evento por pressão da gravadora. No final, quando todos voltam para interpretar “Barbara Ann” e “Fun, Fun, Fun”, Ricky não está presente. Porém, na abertura ele canta duas canções: “California Girls” e “Help Me Rhonda”. Não compromete, mas devia ter ficado em casa, por respeito.

Paul Simon, na sequência, faz uma versão reverente e lírica de “Surfer Girl”. As Go-Go’s reinventam “Surf City” alterando a letra (“Two girls for every boy” para “Two boys for every girl”) enquanto fica a cargo de Elton John interpretar aquela que é considerada por muitos (inclusive Paul McCartney) a melhor música de todos os tempos: “God Only Knows”.

Para interpretar uma das canções favoritas de Brian, “Don’t Worry Baby”, é chamado ao palco Billy Joel que se sai muito bem. David Crosby une-se a Carly Simon e Jimmy Webb em “In My Room” e a Vince Gill em “Surf’s Up”. E Aimee Mann (a folksinger predileta do escritor Nick Hornby, autora da trilha sonora de “Magnólia”) aparece ao lado do maridão Michael Penn em “I Just Wasn’t Made For These Times”. E o bacana Mathew Sweet (feliz da vida nos depoimentos) divide “Sail on Sailor” com Darius Rucker.

Brian Wilson entra no palco para “Heroes And Villains”, canção do álbum inacabado mais famoso da música pop, “Smile”. Em seguida, com Elton John, cantam “Wouldn’t It be Nice”, música que abre “Pet Sounds” e uma das mais lindas e felizes declarações de amor de todos os tempos.

Uma das principais canções dos Beach Boys e de Brian ganha arranjo especial. “Good Vibrations” reúne o coral The Boys Chair os Harlem, Jubilant Skies e as irmãs Cindy e Nancy Wilson (a última, Sra Cameron Crowe). Impressionante como a banda de Brian Wilson consegue recriar todas as melodias complicadíssimas com excelência.

E já que falamos em Cameron Crowe, ele é responsável por um dos trechos bacanas do evento. “Sob a tristeza intoxicante e dócil das melodias de Brian está a genialidade de sua composição. Sua alegria, tristeza, exuberância, sabedoria, a verdadeira dor do amor, e tudo isso é ‘Pet Sounds’. Minha irmã me deu minha primeira cópia de ‘Pet Sounds’ e sempre que posso fazer um filme, coloco uma cópia de ‘Pet Sounds’ nas mãos dos atores e digo que ali está o que é viver, o que é crescer. Está é a magia de ‘Pet Sounds'”. Num momento do filme “Quase Famosos” em que o menino William Miller (alter-ego de Crowe) encontra os vinis deixados por sua irmã, preste atenção em qual é o primeiro da fila…

Só o documentário de cinco minutos sobre “Pet Sounds” que se segue já vale o preço do DVD. É interessante perceber como Brian e sua música seguiram em uma linha evolutiva que mudou a música pop. De como o músico criou sua primeira canção transformando a declaração de amor do irmão Dennis (alias, o único Beach Boy a surfar) pelas ondas em melodia pop (“Surfin”, 1961) e, a partir dai, procurou inserir novos elementos em suas composições até chegar em “Pet Sounds”. E ele sabia que era capaz, tanto que chegou a declarar, meses antes, em 1966, que estava compondo o melhor álbum de todos os tempos. Enquanto seus irmãos excursionavam pelo Oriente, Brian, trancado em um estúdio, elevava a música pop ao território da arte. Assim nasceu “Pet Sounds”.

Sir George Martin, aplaudido de pé no Radio Music Hall, resumiu genialmente dizendo que “nos anos 60, o melhor da música pop tornou-se a música do povo”. Nos dias de hoje, em uma época que a música pop parece atender apenas aos interesses da indústria, um DVD como “An All-Star Tribute To Brian Wilson” é item obrigatório para que todos saibam que, um dia, tudo foi diferente. God Only Knows.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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