Ao vivo em Fortaleza, Djavan encanta mesmo com um repertório protocolar

 texto de Daniel Tavares
fotos de Chris Machado

Mais um show de Djavan em Fortaleza, mais uma promessa de uma noite com canções mesclando extremo bom gosto e um romantismo bem particular. A última vez em que o alagoano desembarcou no Aeroporto Pinto Martins para um show na capital cearense, o motivo era comemorar o aniversário da cidade. Desta vez, o motivo era comemorar apenas a música de Djavan mesmo.

E foi assim que, com ingressos esgotados e uma produção a nível de banda internacional, o Centro de Eventos foi tomado por fãs ansiosos para ver e ouvir as “músicas de novela” bem como as novas inspirações do rapaz de 75 anos, regadas a jazz, soul, música africana e nordestina. Djavan, que fala de amor, de paixões perdidas, de temas cotidianos, demorou para começar o show, mas quando subiu ao palco fez valer a espera.

Parte da turnê “D”, que vem rodando o país e o exterior desde o ano passado, o show foi protocolar (repertório fixo e sem surpresas, falas milimetricamente calculadas), de “Curumin” a “Lilás”, mas não sem emoção. Com tantas canções enxertadas na vida de cada brasileiro, Djavan Caetano não seria capaz de fazer um show frio nem se tentasse muito.

Antes de “Curumin”, um manifesto de Sonia Guajajara, Ministra dos Povos Originários, antecede toda a mágica criada pelo músico. Atrás dele, belíssimas imagens criadas por nomes como Aislan Pankararu, Daiara Tukano, Heloisa Hariadne, João Farkas, Marcela Cantuária, Mulambo, Pedro Neves, Nação Kuikuros | Takumã e Yermollay Caripoune, surgem projetadas no telão de fundo de palco.

Numa das poucas vezes que conversa com o público, Djavan conta que sua expectativa é que todos se divirtam muito, agradecendo a presença, antes de voltar para sucessos mais populares como “Eu Te Devoro”. E se não há muita conversa, há muita interação. O público canta junto, ou melhor, o público canta sozinho algumas frases. “Gostar (e cantar) é atual, além de ser tão bom”.

E como diz Chico, por que não um samba? Mas o público grita mesmo é quando o “samba do” avião, dá lugar à beleza fria de “Flor de Lis”. E parece mesmo que o destino não quis que milhares ali fossem raiz de uma flor de lis (pelo menos assim disseram unanimemente). No entanto, “Ser feliz é logo ali”, como diz a dançante “Num Mundo de Paz”, outra do novo álbum (o 25º de sua carreira) – que já tinha cedido “Sevilhando” ao set list.

Sozinho no palco no melhor estilo um banquinho, um violão, Djavan dedicou o show às minorias e encantou com “Meu Bem Querer”. Na seguinte, “Oceano” (finalmente), não estava mais sozinho: tinha a companhia de um batalhão de celulares e vozes. É para “Um Amor Puro” que volta a banda formada por Marcelo Mariano (baixo e vocal), Felipe Alves (bateria), João Castilho (guitarra e violão), Paulo Calasans (piano e teclado), Renato Fonseca (teclado e vocal), Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn) e Marcelo Martins (saxofone, flauta e vocal).

Em “Iluminado”, Castilho troca a guitarra pelo ukulele. E esta é a única canção para a qual Djavan fornece um contexto. “Em 2022, compus uma canção, querendo sair daquele atoleiro em que estávamos, para chamar uma nova ordem e trazer alegria, trazer esperança, principalmente esperança. Então eu compus para cantarmos juntos, iluminar”, disse ele. O público responde com as lanternas de seus celulares, iluminando, iluminando.

Passa para a cor, pinta o céu de “Azul”, e neste outro clássico ele esbanja vitalidade. Dança no palco. E até que não faz feio. E mesmo que fizesse, o que importaria? Música de Djavan é para dançar, é para dançar mesmo e é para dançar do jeito que se quiser. “Tenha calma” finaliza com “Sem você”, casa direitinho, como se ambas tivessem sido compostas na mesma sessão de fossa pela mesma mulher.

Cada músico no show tem sua chance de brilhar, uma e outra vez. Isso está na força das notas do baixo, tempestades castigando a praia, nos solos de guitarra, nos duelos entre os metais ou enquanto Calasans e Fonseca nos desafiam a descobrir de onde cada som de teclado ou piano está vindo. E note-se também a interação (o nome disso é cumplicidade) entre Sadoc e Martins. Para eles e pra Calasans tudo era festa e, a despeito da seriedade exigida pelo alto nível de produção, também pareciam estar se divertindo tanto quanto quem na pista ou nas mesas estava.

Os momentos de falar são muito pontuais. O show segue praticamente reto, mesclando muitos sucessos, canções que embalaram novelas, Helenas, de Manuel Carlos ou não, e outras nem tão famosas. A música, “Se”, “Samurai”, “Sina”, é a protagonista, a Helena, de Troia agora, e o menestrel alagoano é apenas o seu mensageiro. E se alguma dessas não foi de novela, o sucesso que fez foi como se tivesse sido.

O bis é praticamente cláusula de contrato. Poderiam continuar, mas fazem aquele suspense só para gerar mais gritos do público ao voltar, com o holofote sobre Calazans. Uma “Petála” “Lilás” encerra o espetáculo, agora com ninguém mais nas mesas, todos à frente do palco, o mais perto possível do cantor, que retribui acenando e tocando as mãos de quem consegue alcançar.

Com uma discografia que já chega a um quarto de cem, o show teria que durar umas cinco horas (e poderia mesmo, sabe?). Além disso, todos os shows da turnê parecem iguais. Talvez uma surpresa aqui ou ali, uma leve springsteeneada tocando uma ou duas diferentes em cada cidade “caetaneasse o que” já “há de bom”. Ainda assim, com a ousadia de não se pendurar apenas em seus clássicos, mas também mostrar algo novo, guardou para outra turnê “Linha do Equador”, “Açaí”, “Acelerou”, “A Rota do Indivíduo”, “Correnteza”, “Esquinas”, “Fato Consumado”, “Seduzir”… Deus, são tantas…

– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.