Ao vivo: Carly Rae Jepsen faz a festa mais eufórica do ano no Rio de Janeiro

texto por Ana Clara Matta

“Surrender my heart
I’m out here in the open
I wanna get closer
I’ll believe in you every night
Surrender my heart
I wanna be open, I wanna be honest with you”

Para grupos comumente marginalizados na sociedade, multidões assustam. Especialmente multidões entregues a uma falta coletiva de controle ou inibição, um mar de rostos não reconhecidos que podem revelar um preconceito, um ato de violência, uma ofensa.

Multidões assustam, especialmente uma comunidade que sobreviveu (e sobrevive) a três pandemias, a AIDS, o COVID-19 e o conservadorismo radical.

Mas multidões também abraçam.

Enquanto a cantora canadense de indie pop Carly Rae Jepsen cantava os versos “Surrender my heart, I’m out here in the open” era possível olhar para qualquer lado no galpão carioca abafado do Sacadura 154 e encontrar faces com olhos fechados em emoção, cantando junto como se cada palavra significasse um mundo de alegria, dor, liberdade e vulnerabilidade para seu público majoritariamente LGBT. Naquele momento não importava se a diminuta cantora de voz clara e limpa realmente estava cantando sobre a realidade daquelas pessoas, não importava a orientação sexual de Carly ou os pronomes em qualquer de suas músicas. O que importava era o conforto e a euforia de estar em uma multidão de pares, em um espaço de aceitação, sem precisar se esconder. Naquele momento, naquela luz, o clichê do “orgulho” fazia tanto sentido, naquele momento, naquela luz, todo o suor brilhava na pele como uma camada de glitter.

O poder de Carly Rae Jepsen de agir como uma espécie de mestre de cerimônias da melhor festa que qualquer uma daquelas pessoas viveu em 2023 impressionou. O início razoavelmente pontual do seu show chegou a ser brutal na sua sequência inicial incessante de hits. A pista pulsava em uma temperatura quase insuportável, mesmo com água ou cerveja em mãos, e Carly fez questão de estourar ainda mais os termômetros fazendo o público dançar e pular por 9 músicas, sem pausa. Essa bateria foi aberta de maneira mais tímida com o pop rock de “Let’s sort the whole thing out”, mas na segunda música o saxofone da icônica “Run Away With Me” já colocou a festa na última marcha. Carly emenda então faixas de dois dos seus discos de maior sucesso, “Emotion” e “Dedicated”, com uma banda carismática e eficiente.

Copos d’água passam de mão em mão quando a loirinha chega a um pequeno bloco de baladas, formado pela dupla “Western Wind” e “Kollage”, um respiro urgente para a plateia. O que viria depois seria catártico. “Psychedelic Switch”, um crescendo eufórico na batida do house, transportou o chão daquele galpão da zona portuária carioca para o chão da “Paradise Garage”. Em uma transição perfeita, essa canção mais alternativa dá espaço para o hit de Carly Rae que eu, você, sua mãe e seu chefe, todos conhecem: “Call Me Maybe”.

O momento de menor engajamento do show veio com o bloco formado por “Stay Away”, “So right” e “Bends”, ótimas faixas mas mais secundárias na discografia de Carly. É possível defender que esse momento teria sido melhor aproveitado com outras escolhas de setlist, mas aí fica difícil saber se sobrariam tijolos sobre tijolos no meio de tanta entropia. Fillers, nesse caso, eram quase uma necessidade física, quando a enxurrada de hits retornou com o refrão pegajoso de “I really like you” e a interação divertida com os membros da banda em “Want you in my room”. “Emotion” colocou o público para dançar, mas a maior catarse da noite viria em seguida, com uma rara música de tom triste na discografia da cantora e compositora: “Your type”, um hino de inadequação e solidão, arrancava lágrimas através da pista – curiosamente, em um espaço em que era impossível se sentir sozinho ou inadequado.

Carly não é uma artista de longos discursos e conversa com a plateia, mas ela e sua banda estavam claramente emocionados com o coro do público presente e sua resposta visceral a cada música do setlist. A acústica do Sacadura favorecia agudos e vocais, não destacando muito a riqueza dos instrumentais oitentistas espertos da banda de Carly, mas qualquer reclamação parece vazia perante a experiência.

Quando Carly saiu do palco para o intervalo do bis, os fãs ansiosos abriam o Setlist.fm e analisavam cada detalhe em busca de pistas sobre quais músicas viriam no último bloco. Carly retorna com acompanhamento simples de violão para talvez o momento mais apático do show, com “Go find yourself or whatever”, mas o restante do bis brilhou com a performance kitsch de “Beach House” com a ajuda de suas backing vocals extremamente divertidas e com o encerramento bombástico, de espada de plástico em punho (uma piada constante dos fãs, nascida no Tumblr), com “Cut to the feeling”. Só quem ainda tinha força para pular, com os músculos já pesados envoltos na combinação de tecido e suor, acompanhou Carly na empolgação na última canção.

Dias após o show, com as roupas que estiveram molhadas de suor já molhadas pela máquina de lavar e estendidas no varal, o pulso de “Psychedelic Switch” ainda está alocado na têmpora, como se aquele momento tivesse resumido toda a experiência, enquanto Carly falava frases como “I don’t wanna hide when I’m with you”, “You feel just like home, I’m not scared to show you” e “My insecurities are things I never was”, e o senso de comunidade e compreensão mútua, de segurança em números e comunhão, enchia o ambiente com os sintetizadores. Foram apenas 2h, mas todos ali ficariam satisfeitos para sempre com mais alguns anos, ou décadas, disso.

– Ana Clara Matta (@_ana_c) é editora do  Ovo de Fantasma e escreve para o Scream & Yell desde 2016.

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