Entrevista: Adriana Cravo e José Eduardo Santos falam sobre a exposição Brasil Futuro e sua importância no 7 de Setembro

entrevista por João Paulo Barreto

A exposição itinerante “Brasil Futuro: As Formas da Democracia”, destaque do Centro Cultural Solar Ferrão, em Salvador, tem em 2023 um período de quatro meses de exposição aberta ao público. A mostra ficará na Bahia até 15 de novembro de 2023, de terça-feira a domingo, das 10h às 18h. Dentro desse período, porém, uma data pode ser escolhida como a mais marcante para o simbolismo da mostra. Trata-se justamente de hoje, o 7 de Setembro, Dia da Independência do Brasil, e um momento em que a reflexão do que representam muitos dos símbolos nacionais, suas cores, melodias, letras e presenças físicas que a exposição destaca se torna mais evidente diante da importância das obras presentes nos três pavimentos do local no Pelourinho.

São obras como a “Orixás”, da artista plástica Djanira, que faleceu em 1979. Símbolo da religiosidade de matriz africana, a tela foi salva da barbárie vista no dia 08 de janeiro desse ano justamente porque o governo que os vândalos terroristas apoiavam e seguiam cegamente se assumiu como um intolerante religioso. Contextualizando tal fato, em 2019, a então primeira-dama mandou que a tela fosse retirada do Palácio do Planalto por ir de encontro à sua própria crença evangélica. “Orixás”, a tela, representa muito dessa necessidade de recuperação do que é ser brasileiro e que, neste 7 de Setembro, “Brasil Futuro: As Formas da Democracia” oferece como reflexão aos seus visitantes.

Ao acervo original da exposição, que teve em Brasília, no começo do ano, sua primeira cidade a trazer a oportunidade de visitação, seguida de Belém, no Pará, foram acrescentadas, na sua tour por Salvador, obras pertencentes ao Zumvi – Arquivo Afro Fotográfico, instituição localizada no bairro do Santo Antônio, e as pertencentes ao Acervo da Laje. Ocupando os três andares do Centro Cultural Solar Ferrão, a Brasil Futuro é subdividida em três núcleos: “Retomar Símbolos; Descolonizar; e Somos Nós”, sendo que os três captam com precisão a reflexão que essa data simboliza. Nesse 7 de Setembro, celebramos a Independência do Brasil, mas, acima disso, sua liberdade de um pensamento retrógrado e manipulador que cooptou seus principais símbolos. Que não voltemos jamais às mesmas trevas negacionistas e de exclusão cultural.

Nesse papo com o Scream & Yell, Adriana Cravo, diretora do Centro Cultural Solar Ferrão e uma das curadoras da mostra aqui na Bahia, e José Eduardo Ferreira Santos, um dos fundadores do Acervo da Laje, espaço de memória artística, cultural e de pesquisa que fica no bairro de São João do Cabrito, aprofundam essa importância da “Brasil Futuro” neste momento do país. Confira!

O Mais Importante É Inventar o Brasil que Nós Queremos”, 2021 Elian Almeida

É muito oportuno que nesse simbólico 7 de setembro de 2023, a exposição principal a ocupar o Centro Cultural Solar Ferrão seja a “Brasil Futuro – As Formas da Democracia”. Símbolo de todo um povo, as cores verde e amarelo, bem como a bandeira nacional, foram cooptadas durante os últimos anos em um viés político que não representa sua função de integração e reflexão social da gente brasileira. Queria saber sua opinião sobre a reflexão que a “Brasil Futuro – As Formas da Democracia”, através de suas várias peças em exibição, traz nesse sentido de causar uma sensação de pertencimento a todo um povo.
Adriana Cravo: Para nossa equipe, ter uma exposição de arte política ocupando todo o Solar Ferrão é extremamente simbólico, no momento de retomada das políticas públicas voltadas para a cultura. A bandeira do nosso país é o nosso verde amarelo e pertence a todos, é uma identidade nacional que nos últimos anos foi “sequestrada” numa tentativa de criar uma outra função política atrelada a uma ideia equivocada de nação. Os artista que fazem parte dessa mostra trazem olhares e narrativas identitárias e críticas para pontuar e questionar esse triste momento que passamos.

José Eduardo Ferreira Santos: Essa é uma exposição de retomada da democracia brasileira e toda a curadoria coletiva dela é um chamado ao pertencimento e não ao ressentimento. Mostra, também, a diversidade artística que inclui as minorias, mostra a diversidade brasileira, além dos protestos em torno do sequestro dos nossos símbolos. “Brasil Futuro – As Formas da Democracia” é uma exposição histórica por seu caráter colaborativo em cada lugar que chega, pois agrega novos artistas, obras e curadorias adjuntas e isso mostra que o Brasil precisa dessa exposição como reflexo de sua diversidade e ao mesmo tempo de sua história. A presença do Acervo da Laje na exposição deve-se ao olhar sensível da curadora Lilia Schwarcz em diálogo com Vilma Santos, eu, José Eduardo Ferreira Santos e Fabrício Cumming e está sendo muito bonito ver artistas das periferias de Salvador fazendo parte da arte brasileira.

A entrada na exposição de itens pertencentes ao Zumvi Arquivo Fotográfico, bem como ao Acervo da Laje, ajudam bastante nessa reflexão sobre a ideia de um Brasil multicultural, na qual a inclusão de diversas formas de arte e expressões o representam, bem como sua população. A proposta de unir esses diversos itens de vários acervos à “Brasil Futuro – As Formas da Democracia” seguiu esse viés?
Adriana Cravo: Sim! Desde o primeiro momento a ideia da exposição é incluir e dar voz a todos. A exposição principal agregou obras dos acervos de todos os museus do IPAC e ganhou ainda mais força com as obras do Acervo da Laje, que tem a curadoria de Vilma Santos e José Eduardo Santos e do Zumvi Arquivo Fotográfico, que tem o fotógrafo Lázaro Roberto e o historiador José Carlos Ferreira à frente do projeto de difusão desse conjunto fotográfico, proporcionando um verdadeiro passeio na história da arte, desde a arte sacra a arte contemporânea, colocando de igual pra igual mestres artesãos, jovens artistas e os consagrados dividindo e dialogando no mesmo espaço.

José Eduardo Ferreira Santos: Sim. Estamos expondo no Museu de Arte do Rio, com César Bahia, “Uma Poética do Recomeço”, com 260 peças; na exposição “Dos Brasis – Arte e Pensamento Negros”, no SESC Belenzinho; na “Brasil Futuro – As Formas da Democracia”; e vamos ter a “Ensaios Sobre o Museu das Origens”, no Itaú Cultural. Além dessas, vamos realizar, em setembro, na Casa 2 do Acervo da Laje, a exposição “Memórias para Dona Antonia”. Temos dito que estamos quebrando e criando os cânones das artes a partir de artistas das periferias que não podem ser anônimos. No caso do Acervo da Laje são treze anos indicando que as artes e a memória precisam ser voltadas, também, para as periferias e ao Subúrbio Ferroviário de Salvador, pois esses territórios historicamente produzem muitas artes e não são reconhecidos como tal. Estar na “Brasil Futuro” é uma vitória coletiva. É mostrar brasis que precisam ser mostrados, para criar diálogo e incluir mais obras e artistas na história das artes brasileiras.

É notório o fato de que a exposição foi aberta, em Brasília, no dia da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, uma semana depois, escapou da depredação dos ataques golpistas à capital. Após o 08/01, como curadora, qual novo significado (se houve) em relação ao seu olhar para com a proposta reflexiva da “Brasil Futuro”?
Adriana Cravo: Os ataques só demonstraram a força da arte, o seu componente ideológico e político. O poder transformador da cultura. Ainda mais quando falamos de um País diverso e rico em identidade como o Brasil. E é essa arte que aqui está para despertar e atravessar as pessoas para além da estética.

“Orixás”, de Djanira, em foto de Fernando Vivas/GOVBA

Uma das principais obras expostas, a “Orixás”, de Djanira, escapou do citado ataque e, agora, está em exposição no Solar Ferrão. Para mim, um dos símbolos do que significa a ideia de um Brasil futuro, de um Brasil de mais tolerância e menos barbárie. Você poderia abordar um pouco a importância de expor essa obra atualmente, principalmente após ela ter sido retirada do Palácio do Planalto em 2019 por conta da intolerância religiosa dos seus ocupantes à época?
Adriana Cravo- Essa obra se tornou um símbolo da democracia após o ataque. Pois desde que foi incorporada ao acervo da presidência ela propunha um Brasil plural. Ter uma obra Djanira que nunca antes exposta na Bahia já é algo muito especial, essa que é uma obra que fala sobre nós, sobre a nossa ancestralidade, sobre a cosmogonia africana, nessa Bahia, berço do Brasil. Uma obra que teve a sua retirada do palácio do planalto como representação do atraso político e que agora poderá ser vista e celebrada por todos os brasileiros que tiverem a oportunidade de visitar a Brasil Futuro aqui no Solar Ferrão, até 15 de novembro e nos próximos estados que vai percorrer.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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