Faixa a faixa: “Everything Is Alive” flagra os ingleses do Slowdive tentando expandir sua paleta sônica sem perder a identidade

texto por Fernando Yokota

Uma das bandas ícones do shoegaze e atração confirmada do Primavera Sound na América Latina (além de São Paulo, os ingleses irão tocar em Buenos Aires, Assunção e Bogotá – e também em Santiago, sem a chancela do festival espanhol), o Slowdive está com disco novo na praça (via Dead Oceans). Desta vez sem se beneficiar do fator “disco da volta”, o quinto disco oficial da carreira dos ingleses, “Everything Is Alive”, finalmente foi revelado ao mundo, seis anos depois de seu antecessor.

Mais variado que o álbum homônimo de 2017, “Everything Is Alive” é fruto de uma banda tentando expandir sua paleta sônica sem perder a identidade. Para a icônica revista Uncut, esse “é o Slowdive que você estava esperando”. A revista Mojo viu ecos da fase “Faith”, do The Cure (outra banda presente no Primavera Sound São Paulo) enquanto o Guardian equiparou com as primeiras músicas do New Order. Quer saber o que a gente achou? Abaixo, percorremos as oito faixas do novo álbum dos ícones do shoegaze.

01) Shanty – O synth percussivo de filme terror é uma novidade na paleta de timbres do grupo, mas ao invés de dobrar a aposta em John Carpenter e Michael Myers a faixa deságua no tremolo picking afogado em reverb, na bateria quase robótica e na voz de Rachel Goswell. Seis anos depois é, enfim, a volta do Slowdive.

02) Prayer Remembered – O timbre aveludado do baixo de Nick Chaplin é o único som sem uma cachoeira de reverb e se sobressai no decorrer da faixa instrumental que seria perfeita para uma cena de acasalamento de baleias num filme de David Attenborough. Poderia estar no “Happy Songs For Happy People” do Mogwai, mas não deixa de soar como Slowdive.

03) Alife – Talvez a faixa mais percussiva do álbum, não só com a bateria mais presente na mix, mas principalmente com os arpeggios de guitarra reboteando em delay que forma a base da faixa. A primeira com a voz de Neil Halstead em destaque, “Alife” é quase um oxímoro sônico do Slowdive animado que se encerra num fade out apressado como alguém puxando o tapete para o que vem a seguir…

04) Andalucia Plays – Não se engane pelo título: “Andalucia Plays’ está mais para as falésias de Dover no inverno do que para o sul da Espanha no meio do ano. A mais triste do disco, “Andalucia Plays” é Halstead quebrando a quarta parede, pegando o ouvinte pelas orelhas e trazendo junto a ele enquanto escuta “Andalucia” de John Cale (por favor, escute também, caro leitor). O som orgânico do violão sugere a cena de uma cozinha, uma xícara de chá e uma lata de biscoitos amanteigados que se misturam ao característico som atmosférico da banda no decorrer dos quase sete minutos mais memoráveis do álbum.

05) Kisses – A linha de baixo pontuada em semicolcheias e o efeito exagerado do chorus na guitarra lançariam a canção para o saturado caminho do revival post punk, mas o “tratamento Slowdive” (vocais dobrados de Goswell e Halstead, o toque percussivo das guitarras com arpeggios ou tremolo e muito reverb, etc.) salva a faixa do rótulo de genérico. Curiosamente, “Star Roving” foi a escolha para o primeiro single do álbum homônimo que marcou a volta da banda, e é a que teria a proposta mais parecida com a de “Kisses”, o primeiro single da campanha de “Everything Is Alive”. Daquelas que deve ficar melhor ao vivo (nos vemos no começo de dezembro?).

06) Skin In The Game – Herdeira natural do álbum anterior e irmã de “Sugar For The Pill”, “Skin In The Game” é um discreto crescendo que começa com Halstead, afundado na mix, soando como se estivesse cantando dentro de um submarino e termina dominado por violões e guitarras. Slowdive pós-2017 proverbial.

07) Chained To A Cloud – O sintetizador arpegiado que se repete por boa parte dos quase sete minutos é colocado bem alto na mix e funciona como um mantra que conduz o ouvinte pela canção. Aqui não se trata de grandes rupturas e momentos distintos, mas de variação da dinâmica da execução das partes, ora mais quieta, ora mais efusiva. Assim como na faixa que fecha o álbum, vale destacar que pela primeira vez percebe-se a bateria de Scott Simon de maneira mais orgânica, até distorcida, fazendo o contraponto com a frigidez do sintetizador.

08) The Slab – Com a bateria sensivelmente mais generosa nos graves, “The Slab” é o Slowdive brutalista na canção mais pesada do disco. O ritmo sincopado e constante sugere uma locomotiva, mas que ao invés de trilhos se move sobre a constância do som atmosférico da parede de timbres característica do quinteto. Alta e densa, a música some no fade out que encerra o álbum, deixando ao ouvinte a sensação do despertar de um sonho depois de um porre de propofol.

– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: instagram.com/fernandoyokota/

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