João Rock 2023: Com grandes shows de Emicida, BaianaSystem e Black Pantera, festival está pequeno para 70 mil pessoas

texto de Eduardo Martinez e Renan Augusto Dias
introdução de
Eduardo Martinez

Ribeirão Preto, que fica a mais de 300km da capital paulista, é a casa do João Rock, festival que em 2023 realizou sua edição especial de 20 anos. Pra quem está na capital, ou em outros estados, talvez não seja muito fácil entender o João Rock. É um festival de música. Ok. Mas para o interior mais profundo de São Paulo é “o” festival. É quase que uma “obrigação” pra quem gosta de shows e sofre com a falta de possibilidades em sua cidade. Se você é de Bauru, por exemplo, certamente vai encontrar lá aquele seu amigo de São José do Rio Preto que gosta de música. É algo como um Rock in Rio caipira, ou uma exposição agropecuária sem música sertaneja. O aparentemente descabido paralelo com o mega festival do RJ não para por aí, pois a curadoria tem semelhanças também. Apostar em medalhões, nomes certeiros, a falta de pudor em repetir algumas atrações seguidamente, e ainda certo apoio a novos nomes que poderia ser bem maior.

Foto: Pridia

São cerca de 12 horas ininterruptas de shows e quase 30 artistas divididos em 4 palcos sendo que o Palco João Rock, na verdade, são dois palcos posicionados lado a lado onde os shows principais – bandas de pop e rock – se alternam. Tem também o Palco Brasil que, com o formato daquela bandeira tão desgastada nos últimos anos, é o lugar para se ver os medalhões da MPB. E, ainda, o Palco Fortalecendo a Cena de nome auto-explicativo que, nesse ano, basicamente só teve artistas de rap e trap. E ainda teve um palco estreante, “Aquarela”, só com mulheres à frente. Uma boa proposta, já que desde o início o festival coloca pouquíssimas mulheres nos lineups. O público é bastante heterogêneo, de juventude em geral (os murais instagramáveis foram sucesso) a pessoas mais velhas em decorrência do Palco Brasil.

Foto: Pridia
Foto: Pridia

Uma tendência que parece que vem se consolidando entre os frequentadores desses eventos é o sofá inflável. É possível que tenhamos visto mais pessoas tentando encher o sofá do que propriamente sentadas, mas eles estavam lá. Uma discussão que vale ser levantada é sobre a estrutura e o tamanho do festival. O Palco Brasil, menor que o Palco João Rock, parece ter ficado pequeno para a demanda de público. E ainda sem muitas alternativas, já que o espaço à frente é mais estreito em relação aos outros palcos. Sem contar que o vazamento de som foi notado por quase todos os artistas que ali estiveram. Teria o Parque Permanente de Exposições ficado pequeno para o João Rock? É algo a se pensar. Do mais, essa equipe caipira do Scream & Yell esteve entre as cerca de 70 mil pessoas presentes festival, percorreu os palcos desde o início e trouxe aqui suas impressões dos shows. Festivais são escolhas, você sabe, afinal nunca dá para ver tudo (desculpae Planet Hemp, Flora Matos, Capital Inicial e Don L – os dois últimos se apresentariam no dia seguinte no MITA Festival, em São Paulo) e o que temos a contar para você vem logo abaixo. Chega mais!

14h30 às 16h30

EDUARDO: Depois de algumas horas de van até chegar em Ribeirão Preto, o mais certo a se fazer seguindo o estatuto do bom frequentador de festivais é: almoçar bem. Ou ao menos o suficiente para não depender tanto das opções gastronômicas do festival, aquelas com preços não muito festivos pro público (Hot Dog a R$ 25, Pizza no cone a R$ 30 e por aí vai). A entrada no Parque Permanente de Exposições, casa do João Rock, foi incrivelmente tranquila nesse horário das 15h. Diferentemente de algumas edições anteriores, onde o congestionamento de ônibus e vans complicou a vida de muita gente. Já dentro do parque, ainda tentando entender onde ficava cada atração, fui quase que seguindo o som alto mais próximo. Ele vinha do Palco Aquarela, onde se apresentava a cantora Majur. Um já considerável público acompanhava o show. A voz poderosa e o corpo de baile bastante destacado eram pontos positivos, mas não o suficiente para sobrepor a fraca leva de músicas dos dois discos lançados da cantora (“Ojunifé”, 2021 e “Arrisca”, 2023). Algumas músicas depois, hora de ver Tom Zé no Palco Brasil. Naquele momento o sol vinha implacável. Na plateia as pessoas tentavam se esquivar de alguma forma, mas no palco não tinha muito o que fazer. Colocar nesse sol alguém de 86 anos, jovial como Tom Zé ou não, é no mínimo questionável. De toda forma, ele entrou em cena tirando onda com a situação. Não só onda, tirou também a camisa e a camiseta que vestia por baixo. Todos riram e parecia tudo bem, mas no decorrer das músicas o sol nitidamente começou a incomodar muito. A ponto do cantor baiano dizer claramente que estava puto com aquilo. O show em si foi aquela festa de sempre. “2001”, “Jimmy Renda-se”, “Menina, amanhã de Manhã” e várias outras daquelas pérolas do cancioneiro do tropicalista. O público não era tão numeroso, talvez porque no Palco João Rock se apresentavam os Gilsons, mas quem esteve ali se divertiu bastante com as músicas, os comentários e a figura emblemática de Tom Zé.

RENAN: Não foi tão complicado entrar no festival, como já foi em outras edições. Pelo contrário, foi até mais rápido do que o normal. Uma vez lá dentro, uma rápida pesquisa de campo para apresentar os aposentos para os amigos que ainda não o tinham visto, e já fomos direto ao ponto: Visitar a novidade, o palco Aquarela, e conhecer o show de um dos grandes nomes da nova MPB, Majur. E o Aquarela, que dividia território ferrenhamente com o Fortalecendo a Cena, que nesta edição e em pelo menos duas últimas já vinha focando no rap e suas vertentes, ficou pequeno pro ballet da cantora carioca, que segurou as pontas de um show que, mesmo animado, ficou refém do VS (que, por vezes, substituiu a voz da própria). Saímos pouco antes do fim, com medo de não conseguirmos um bom lugar para assistir ao grande Tom Zé. Mas foi muito mais tranquilo do que imaginávamos! Talvez pelo horário, que ainda era o de chegada de muita gente, ou até pelo sol, que estava castigando. Assim como castigou Tom Zé, que já entrou no palco despindo-se, literalmente. Reclamando do horário em que o show acontecia (com razão!), e algumas vezes até perdendo um pouco o tom engraçado e, gradualmente, mais “puto”, pelas palavras do próprio. De qualquer forma, foi um show repleto de sucessos e com a graciosidade de alguém que, mesmo puto, fez o show que todos esperavam: divertido e sincero.

16h30 às 18h30

EDUARDO: De volta ao Palco Aquarela pra ver Marina Sena debutar no João Rock. O show foi mais concentrado no disco recente (“Vício Inerente”, 2023), que foi representado por 7 músicas, enquanto entraram 4 do disco de estreia (“De Primeira”, 2021). O que também deixou bastante evidente o quanto a safra inicial é superior à atual. De toda forma, a dinâmica funcionou bem. A banda, embora enxuta, apareceu bem em meio às bases pré-gravadas, assim como as bailarinas, que são parte importante da apresentação. Quase todo o repertório foi cantado e bastante celebrado pelo público, mas um hit é um hit, não é mesmo? Quando começou ‘Por Supuesto”, a sensação era que tinha saído um gol do Brasil na final da copa do mundo (ok, talvez em outros tempos). Cada sílaba da música era cantada/gritada insanamente pelos fãs. O final, com Marina jogando pra galera o trecho “Meu sonho feliz era chegar e já cair no mar” e intercalando com berros ensurdecedores de “mais alto” foi impactante. Talvez o primeiro grande momento do festival. Encerrado o show da Marina Sena, parti em uma saga para encontrar um palco que não constava na programação inicial. Isso porque, no dia anterior, um amigo me alertou de uma postagem dos mineiros do Black Pantera (responsáveis por um dos grandes shows do Festival Casarão 2023, em Porto Velho), que diziam que iriam se apresentar nesse horário no festival nesse tal palco misterioso. Depois de rodar um tanto, encontrei. Não era um palco oficial. Era algo como um stand de um patrocinador. Nele um palquinho minúsculo atravessado pelo som do Palco João Rock e pelo DJ da pista de skate ao lado (!!!). Ainda assim, o trio de Uberaba fez um baita barulho pra quem se amotinou ali colado no palco. Até porque, se alguém saísse de um raio de uns 5 metros o som já se confundia com o dos arredores. A banda fez o que pôde e fez bonito. Rápida, pesada e caprichando nas versões de “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro” e de “A Carne”, com uma grande citação de “Nego Drama” no meio. Ficou aquela sensação de injustiça com uma banda tão promissora e que poderia estar fazendo bonito no palco Fortalecendo a Cena. É até estranho escrever o nome do palco nesse contexto. Ainda deu tempo de pegar as músicas finais dos Mutantes no Palco Brasil. Ou o que sobrou dos Mutantes. Ou só o Sérgio Dias mesmo. Se o final, que na teoria poderia ser o ápice do show, foi preenchido por versões capengas de  “Top Top”, “Balada do Louco”, Ando Meio Desligado” e “Panis Et Circenses”, essa última em modo interminável, imagino que o meio possa ter sido ainda mais complicado. Parecia uma banda cover com presença vip de um membro original. O tempo é cruel.

RENAN: Voltando ao palco Aquarela, que já ia se inflamando gradativamente, pegamos algumas Colorados inflacionadas pelo caminho (único caminho possível para quem queria beber Cerveja Colorado, natural da própria cidade, pois era o único bar que as vendia naquelas redondezas e, confesso não ter encontrado nenhum outro em todo o festival) e fomos ao encontro de um dos shows em que nutria mais curiosidade para conhecer. Marina Sena tinha o palco limpo, só pra ela e pro ballet. A banda foi montada nas extremidades, deixando um grande centro livre, que foi prontamente preenchido pelas dançarinas e pela presença forte da linda e despojada Marina, com um figurino versátil e com a voz super em dia, certamente pegando de surpresa alguns críticos desavisados. E, sem medo de deixar o melhor pro final, ‘Por Supuesto’ estava em meio a todo repertório do último lançamento da cantora, e foi celebrada como merece ser: euforia e cantada a plenos pulmões. O show aconteceu muito bem, com uma banda em formação clássica (bateria, baixo e guitarra) agregando bastante em meio aos beats. Bom repertório pode ser um adjetivo usado para o próximo show da ocasião, o da baiana Pitty, comemorando os 20 anos de seu primeiro e grande álbum, ‘Admirável Chip Novo’, lançado em, pasmem, 2003! O primeiro da noite no palco principal me deu uma certeza: o João Rock precisa aumentar. Não dá mais para ter uma experiência totalmente satisfatória naquele ambiente, que não comportava mais nenhuma pessoa, nem se posta de cima. Mas, Pitty não tinha nada a ver com isso, e abriu o show com as mesmas três primeiras do comemorado álbum: “Teto de Vitro”, “Admirável Chip Novo” e “Máscara”. Pro João Rock, essa escolha talvez tenha sido arriscada! Gastar vários de seus bons tiros de uma só vez, fez com que as próximas parecessem estar um degrau abaixo para quem não acompanhou a fundo a carreira da cantora. Pessoas ao meu redor questionavam aos amigos: “Você conhecia essa?”. Mas, pra mim e pra alguns que, tenho certeza, estavam lá para ver esse show especial, foi uma viagem no tempo. Grandes músicas como “O Lobo”, “Emboscada” e “I Wanna Be” impactaram demais, ainda mais se tratando de uma banda enxuta, também com bateria, baixo e guitarra segurando as pontas. Dentre os músicos, preciso salientar a performance visceral do novo baterista Jean Dolabella, ex-Sepultura e Ego Kill Talent, que está substituindo Dani, marido de Pitty e baterista do NX Zero em plena turnê de retorno. Jean está se saindo pra lá de bem. Entre as músicas do álbum, haviam pequenas intervenções em áudio que remetiam a coisas da época, como chamada a cobrar e afins, e entre elas, conversas simuladas entre Pitty e o produtor do disco. Todos sabemos que cantando, Pitty arrebenta. Mas atuando, especialmente usando a voz, não podemos dizer o mesmo, e os fãs de Mortal Kombat não me deixam mentir. Então, apesar desse teatrinho inexpressivo, o show aconteceu! E muito bem, como sempre é.

18h30 às 20h30

EDUARDO: Seguindo a saga, vi um pedaço do Ira! no palco João Rock e me impressionei com a coragem de bancarem no setlist o momento de comemoração do aniversário do disco “Psicoacústica”, de 1988. Digo coragem porque, o mais comum nesses festivais é a banda apostar nos clássicos. Depois disso, me atrevi a tentar voltar e ver Zé Ramalho no Palco Brasil, que a essa altura já estava quase impraticável com muita gente pra ver o trovador paraibano. Nesse perrengue todo consegui ouvir uma série de clássicos: “Táxi Lunar”, “Avôhai”, “Admirável Gado Novo”, “Chão de Giz”… (essa última acompanhada de uma comoção enorme). Estava bonito, mas logo começaria no palco João Rock uma das maiores bandas ao vivo da atualidade: BaianaSystem. O show é um espetáculo de som, performance e imagem (“A coisa do gráfico”, né? Carol?!). Depois da abertura com “Reza Forte”, veio uma versão arrasadora de “A Mosca”, de Raul Seixas. A releitura já havia sido lançada como single em 2022, em um feat. com Tropkillaz. Dog Murras e Vandal, mas ao vivo ganhou um peso impressionante. A massa sonora que vinha do palco era formada por baixo, guitarra, guitarra baiana, piano, sampler e percussão (alternada com bateria). Tudo isso capitaneado pelo Russo Passapusso, um frontman que, inegavelmente, tem a manha de tomar conta do palco e trazer a galera junto com ele. Outra presença importante foi a da cantora chilena Claudia Manzo, que além da bela voz e uma baita carreira solo, encaixa perfeitamente na dinâmica com Passapusso na apresentação. Nos shows do BaianaSystem já é uma tradição que, em algum momento, se forme uma grande roda. No entanto, mesmo antes da tal roda ser chamada pelo vocalista, muitas e muitas pequenas rodas já se formavam durante o show. Difícil achar alguém inerte por ali. O combo “Lucro”, “Miçanga”, “Panela / Calamatraca / Pagode Russo” e “Saci” encerrou o show em altíssima rotação. Uma das grandes apresentações do festival.

RENAN: A troca de palco do público entre Pitty e Ira! foi bem tranquila. Poucas pessoas buscavam a grade do show da banda paulista. Uma pena, pois independente de acharem bom ou não, era a história do rock brasileiro ao vivo e a cores. Ver Nasi e Scandurra juntos deveria ser celebrado. Mas, pra quem esteve ali, a abertura foi chocante! Telão sem muita informação, palco disposto de maneira simples, e “Dias de Luta” seguida bem de perto por “Flerte Fatal”, ótimos cartões de visita, mostrando que ali não estavam a passeio. Após isso, propuseram uma revisitação ao repertório do álbum “Psicoacústica”, de 1988, que completa 35 anos em 2023. E foi aí que o público esfriou um pouco. Galera de festival vai em busca dos hits, mas eles não demoraram a chegar, com “Tarde Vazia” e “Eu Quero Sempre Mais”, em que eu esperava uma participação de Pitty que, infelizmente não aconteceu. Após uma versão de “Foxy Lady”, de Jimi Hendrix, encerraram o show com “Envelheço na Cidade” e “Núcleo Base”, que, apesar de os finais das músicas me parecerem pouco ensaiados e mais longos que o normal, não deixaram de representar uma bela apresentação de rock. No palco ao lado, trocamos toda a crueza do Ira! por um verdadeiro espetáculo audiovisual: BaianaSystem. “Reza Forte” abriu o que seria o melhor show da noite, até então. Muito mais ‘extra-música’ do que os anos anteriores, com o acompanhamento mega simbólico da cantora chilena Claudia Manzo e de presenças pontuais de um bailarino mega expressivo e enérgico, o espetáculo não se restringiu apenas ao palco: como de praxe, a ‘roda baiana’ percorreu diversos momentos do show, mas especialmente em “Lucro: Descomprindo” e “Saci”, que encerrou o show, ela foi bem mais efusiva. Abrindo mão de sucessos como ‘Playsom’, que não fez falta, a banda passeou bem pelos seus registros, como na holística “Bola de Cristal” ou no single “Cabeça de Papel”. É impossível não se contagiar pela sinergia que acontece entre banda e plateia. Chega a emocionar. É assertivo falar que, quando se trata de BaianaSystem, trata-se também do futuro da música brasileira e de shows que impactam, até quem não os conhece.

20h30 às 22h30

EDUARDO: Se a tarde o sol castigava, quando a noite caiu a temperatura caiu junto. Hora de sacar aquela blusa que a mãe sempre te lembra de levar. Como as pernas também já não estavam com aquele vigor, hora de fazer escolhas. Decidi abrir mão de ver Alceu Valença no Palco Brasil para me manter posicionado no Palco João Rock, onde logo teria Emicida + Convidados. Antes, no mesmo palco (o do lado na verdade, já que era “duplo”), CPM 22 entregou aquele mesmo show de sempre. Aquela regrinha de tocar uma ou duas daquelas conhecidonas, mexendo com a nostalgia adolescente do começo dos anos 00, e em seguida uma ou duas mais novas ou menos prestigiadas. As músicas não tem lá grandes diferenças umas das outras em nenhum desses casos, mas funciona bem com o público. Tanto que, junto com a Pitty, CPM é uma das bandas que é presença quase certa em todo João Rock, já participou de 11 edições (Pitty esteve em 12. E uma com o projeto Agridoce). Terminado o show, hora de Emicida + Convidados. Convidados estes que não foram revelados previamente. A aposta mais segura era nos artistas do Lab Fantasma. O início foi aquele já conhecido da temporada do álbum “AmarElo” (2019): “A Ordem Natural das Coisas / Chiclete com Banana” e “Quem Tem Um Amigo Tem Tudo / A Amizade”. Na sequência começaram as participações com Rashid em “Pipa Voada”. Logo depois, a sorridente Drik Barbosa dividiu os vocais com Emicida em “9inha” e “Hoje Cedo”, fazendo com que ninguém se lembrasse que a voz original dessa última música estava por ali algumas horas atrás. Ainda com Drik no palco, veio “AmarElo”. Aqui cabe um parêntese: o João Rock teve edições anuais ininterruptamente de 2003 até 2019. Aí veio a pandemia e impossibilitou o festival por dois anos. Em 2022 teve a volta. Só que, agora em 2023, com o período pandêmico oficialmente terminado e também findado um governo de extrema direita, o verso de Belchior: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” ganhou um novo sabor ali em meio aquelas milhares de pessoas. Por mais que hoje já seja quase um clichê, uma fala desgastada pelo uso excessivo, a catarse foi inevitável. Mal deu tempo de enxugar as lágrimas e veio a terceira, última e mais impactante participação: “Existem pessoas que construíram isso que a gente aprendeu a amar e chamar de música brasileira. Nessa noite temos conosco um dos arquitetos, Marcos Valle senhoras e senhores”. Um tocando de frente pro outro fizeram, como no disco, “Pequenas Alegrias Da Vida Adulta”. Emicida, que não é de desperdiçar oportunidades, ainda manteve Valle por quatro músicas no palco. Vieram “Cinzento”, com Emicida na flauta, “Tik Tak”, dos Doctor’s MC’s (que tem sampler de “Linha do Horizonte”, do Azymuth,  grupo parceiro do pianista), essa também com Rashid no palco e, no telão, uma homenagem ao baterista do Azymuth, Mamão, que faleceu esse ano. Aí veio mais uma homenagem: “Rap é Compromisso” de Sabotage. No encerramento, “Principia” e a reafirmação que Emicida é um dos grandes artistas da atualidade.

RENAN: Depois da epopeia de sair do palco principal, pegando todo o trânsito de quem ia ver o CPM22 (que geralmente é boa parte do público), chegamos ao pequeno Palco Brasil, que pós Zé Ramalho, receberia um dos maiores nomes do baião, o mestre Alceu Valença. Como provavelmente boa parte do público do Zé já ficou para curtir um bom forrózinho, foi difícil galgar um bom lugar. Com jeito, chegamos numa vista privilegiada, que nos permitiu ver toda a energia que o homem tem, abrindo o show com “Pagode Russo” e levando todo mundo ao delírio. É um show sem erro! Já o vi em outras oportunidades, e sempre é muito bom, apesar de sempre ser o mesmo. É que, na verdade, não precisa de muito, de fato. Basta entoar os sucessos! Foi assim com “Girassol”, “La Belle de Jour” e em linda versão de ‘Coração Bobo”, com a bela revisitada em outros clássicos alheios como “Táxi Lunar”, e num fechamento sem mistérios: “Anunciação” e “Morena Tropicana”. Nesta última, propondo aquele jogo com a plateia em ritmo de repente, que bota nosso cérebro pra trabalhar e nosso pé pra seguir o ritmo. Nem há muito o que dizer de algo que já nasceu pronto! Alceu representa demais sua região, seu som e sua história. Se mostra cada vez mais polivalente, sendo querido por todos os públicos, e está pronto para galgar espaços maiores, inclusive no próprio João Rock, que precisa entender: o Palco Brasil está pequeno!

22h30 às 00h30

EDUARDO: Quase todo festival vive aquele conhecido paradoxo oferecendo atrações mais importantes pro final conforme nossas pernas vão pedindo arrego. Gilberto Gil já batia quase 30 minutos de atraso enquanto os comentários em volta iam de “Gil tem licença poética para atrasar” até “Gente, será que tá tudo bem com ele?”. Até que o baiano entrou no palco, sem muita cerimônia, já puxando “Tempo Rei”, seguida de “A Novidade” e “Vamos Fugir”. A apresentação toda foi um desfile de clássicos. Nada ali era “meio conhecido”, tudo fazia parte do imaginário da música brasileira mesmo. Logo no início, Gil agradeceu o “João DO Rock”, nome que repetiu durante todo o show e eu simplesmente não consigo mais chamar o festival pelo nome correto. O bloquinho de forró não precisava ocupar quatro músicas, mas não chegou a ficar maçante. Por outro lado, foi nesse momento que Mestrinho brilhou, a harmonização da melodia de “Eu Só Quero Um Xodó” foi de uma beleza impressionante. Logo depois, Gil explicou que a música seguinte ele havia feito para uma filha de um casal de amigos. E veio “Estrela”, um dos momentos mais bonitos do show, com o violão do cantor bastante destacado no arranjo. Se em 2018, nesse mesmo João Rock, o show especial do disco “Refavela” trouxe um Gilberto Gil com a saúde mais fragilizada, 2023 parece que deixou isso pra trás. Gil está bem, cantando bem, simpático, carismático e feliz. A banda contava com os filhos Bem (guitarra/baixo) e Nara Gil (backing vocal) mais Guilherme Lírio (baixo/guitarra), Marcelo Costa (bateria), Danilo Andrade (teclado) e Mestrinho (Acordeon). Os arranjos eram corretos, sem muitas novidades. Lírio e Andrade em alguns momentos iam por caminhos mais interessantes, mas sem desrespeitar a “retidão” das versões. O final foi com “Maracatu Atômico” e “Toda Menina Baiana”. Gil, do alto de seus 80 anos, deixou o palco em tom de comemoração e sem sinais de cansaço. Respondendo as perguntas antes do show começar: sim, mais uma vez, tá tudo bem com o Gil, obrigado. E sim, ele tem licença poética pra fazer uma apresentação sem maiores surpresas e, ainda assim, entregar um espetáculo bonito, competente e de fazer jus a sua carreira. Um belo encerramento para a edição de 2023 do, aceitem, “JOÃO DO ROCK”. Na verdade, no Palco João Rock, ainda se apresentavam L7nnon e Filipe Ret. Mas desses só vi as labaredas do palco de longe, enquanto dava uma sobrevida pras minhas pernas e apreciava um lanche de pernil.

RENAN: Voltando ao Palco Aquarela após presenciarmos dois espetáculos poderosos e dançantes, as expectativas estavam altas. E eu não imaginava que Ana Carolina teria um público tão efusivo quanto o que a esperava por lá. Não sei se eram fãs, ou curiosos, mas eles marcaram presença. Talvez tenha sido o apelo do especial Cássia Eller, pois quando ela abriu o show com ‘Malandragem’, o coro foi ensurdecedor. Como show, não deixou a desejar. Era uma banda bastante cheia e competente. Tinha até orquestra para versões mais sinuosas, como a de “Segundo Sol”, ou um belo piano para, sozinho, conduzir a cantora por uma releitura intimista de “Relicário”. O telão trazia belas texturas e as intervenções, ora na voz de Nando Reis e ora em palavras da própria Cássia, eram emocionantes. O problema do show foi… Ana Carolina. Ou melhor: a impaciência dela. Não só nos intervalos das músicas, mas durante elas, as reclamações sobre o som eram incessantes. A atingir pontos de desconforto, mesmo. O show, que tinha tudo pra ser mágico, perdeu um pouco do brilho pra quem a assistia. Recuperado, instantaneamente, em “Tempo Rei”, abertura do show de Gilberto Gil no Palco Brasil, que mesmo após quase meia hora de atraso, emocionou a todos. Inteiro, física e vocalmente, Gil não deixou a peteca cair em momento algum. Não deu tempo para nosso cansaço falar alto, que após seis horas de rolê já fazia o joelho clamar por ajuda. Encavalou “Vamos Fugir” e “Esotérico”, fez um bloquinho junino com grandes clássicos do baião (que pra quem tinha acabado de ver Alceu talvez não caísse tão bem, mas ele pode!) e tocou baladas perdidas na memória, como “Estrela”, que emocionou até o mais frio dos corações. Ir embora ouvindo “Toda Menina Baiana” ao fundo nos fez ter a certeza de que mais um João Rock aconteceu! Com os problemas de sempre, é bem verdade. Pouco espaço, curadoria questionável, preços exorbitantes e acessos pouco acessíveis. Mas, vendo os shows de quem vimos, não poderia ser ruim. É necessário celebrar (sem deixar de cobrar) o João Rock. O interior agradece!

Foto / Pridia

– Eduardo Martinez (@eduardoapm) é jornalista e baixista da banda Tropicadelia
– Renan Augusto Dias (@renanaugusto.dias) é baterista da banda Tropicadelia

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