Festival Casarão 2023, Dia 1: Black Pantera faz show brutal e irretocável e Terno Rei vive dias de Beatlemania em Porto Velho

texto, vídeos e fotos por Bruno Capelas

Saiba como foi o Dia 2 e o Dia 3

“Eu voltei, agora para ficar, porque aqui é o meu lugar”. O refrão de “O Portão”, clássico máximo do rei Roberto Carlos, serve bem para explicar o clima em Porto Velho na primeira noite do Festival Casarão. Realizada na última sexta-feira de abril (28), no espaço de eventos Zé Beer, o dia de abertura da edição 2023 do festival trouxe bons shows de bandas locais como Gabi Shima e Bemvindo ao Pacífico, além de exibições marcantes de Black Pantera e Terno Rei. Mais que isso: mostrou que o hiato entre 2014 e 2021, vivido pelo evento em meio à baixa nos festivais independentes do Brasil, não merece se repetir, ao menos em termos artísticos.

Os versos do rei Roberto Carlos também servem para dar conta de explicar uma das principais mudanças do Casarão em 2023: o local dos shows. Em 2022, o evento tinha tom de celebração, buscando comemorar os 20 anos de sua história – celebrados com atraso por conta da pandemia da covid-19. A festa serviu para brindar o público com grandes shows de Emicida, Otto, Dead Fish e O Tronxo (AM), mas também teve seus percalços: a localização da casa de shows Talismã 2, distante do centro da cidade, e a qualidade do som do espaço foram desafios aos presentes. Neste ano, porém, o festival manteve o formato de dois palcos, mas retornou ao Zé Beer, onde já havia realizado edições na década de 2010. Mais próxima do centro, a casa de shows para cerca de 800 pessoas trouxe qualidade acústica superior, ajudando a valorizar muitas bandas locais.

Code

Quem abriu os trabalhos da noite, às 20h30, com protocolar meia hora de atraso, foi a banda Code, que trafegou de forma rápida entre o emo dos anos 2000, o hardcore noventista e alguma postura do hard rock festeiro – destaque para a baterista Talita Silveira. Na sequência, foi a vez da Benvindo ao Pacífico, um power trio vigoroso, com instrumental acima da média das bandas da cena local. Devidamente uniformizados, o guitarrista Rômulo Pacífico, o baixista Anderson Benvindo e o baterista Henrique Borges levantam voo em suas viagens sonoras, entre a psicodelia mais pesada, certo peso grunge e um cadinho de post-rock. Pena que, na hora em que Rômulo e Anderson soltam a voz, o discurso seja clichê, afetando a viagem dos ouvintes – ainda que o grupo tenha feito um dos bons momentos da noite.

Benvindo ao Pacífico

Em sua segunda apresentação seguida no Festival Casarão, a cantora Gabi Shima foi uma das que mais que se beneficiaram com a melhoria acústica do evento. Dona de um pop delicado e romântico, a artista de Vilhena (a 700 km ou 10 horas de viagem de Porto Velho) mostrou as canções de seu recém-lançado álbum “Faria Tudo de Novo” (2023), bem como do EP “Causos”, de 2021. Amparada por uma banda competente (que contou com Benvindo no baixo, já sem uniforme), Gabi trouxe forte influência de nomes como Anavitória, Maria Gadú e Roberta Campos e recebeu até participação especial da colega Gabriê em “Tudo Que Eu Nunca Te Disse”. Deu certo: o show teve até pedido de bis, atendido pela produção. Dos artistas locais da primeira noite, é Gabi quem teria maior chance de ganhar alguma projeção nacional, ainda que seu som esteja inserido num nicho de altíssima competitividade.

Gabi Shima

Além de destacar as bandas locais, o Casarão também tem a missão de dar circulação às bandas da região Norte, trazendo artistas de estados vizinhos. Nesta primeira noite, a honraria ficou com a amazonense Platinados, que trouxe clichês do rock de bar e alguma marra à la Cazuza, como ficou claro na balada barônica “Tudo em Comprimidos”. Destaque mesmo da apresentação ficou por conta da bateria de Ajota, que já havia chamado a atenção no ano passado com o trio de post-rock amazônico O Tronxo.

Platinados

Depois, foi a vez da cantora Gabriê, outra veterana de Casarão. Ex-participante do “The Voice Brasil”, ela tinha feito um show classudo em 2022, mas pouco efetivo. Ao retornar nesse ano com uma formatação mais pop (baixo, guitarra e bateria substituindo um conjunto que tinha até sanfona e flauta transversal), ela mostrou novamente sua boa voz e confirmou o status de estrela local. No entanto, é um som que ainda carece de uma identidade própria – é possível que cada capital brasileira tenha pelo menos duas ou três cantoras de Nova MPB parecidas com Gabriê, sem tirar nem por muitos detalhes. Para se destacar, é necessário investir em repertório, como deixou claro uma das melhores músicas da noite: inspirada em uma viagem que a cantora fez a Bahia, a canção ainda não lançada tem ritmo envolvente, mas… quem é que precisa de outra música falando de “saudades da Bahia” e citando “Itacaré, Bonfim, Pelô”?

Gabriê

Identidade, porém, foi o que não faltou ao rapper F-Dois, responsável por comandar um rápido encontro de vários artistas do hip hop local. Quem primeiro subiu ao palco foi Vision Apache, seguido por O Flores, que já havia tocado na última edição do festival e tentou convencer o público com uma sonoridade que lembra muito BK, Baco Exu do Blues e Djonga. Já o mestre de cerimônias da noite chamou a atenção com sua banda pesada, cheia de estilo e até um certo suingue.

F-Dois

Diretamente de Uberaba (MG), mas também de palcos como Rock in Rio e Lollapalooza 2023, o power trio Black Pantera fez o melhor show da noite. Entrando no palco ao som de “Cassius Marcelo Clay”, petardo de Jorge Ben no disco “Negro é Lindo” (1971), o trio Charles da Gama (guitarra e voz), Chaene da Gama (baixo e voz) e Rodrigo Pancho Augusto (bateria) esbanjou referências, peso e simpatia. Foi uma apresentação irretocável, baseada nos petardos thrash/hardcore de “Ascensão”, um dos grandes discos de 2022, bem como em releituras bem colocadas de O Rappa (“Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro”) e Elza Soares (“A Carne”) – esta última, número habitual do grupo, ganhou em Porto Velho um medley esperto com Chaene rimando “Negro Drama”, dos Racionais MC’s, para delírio dos presentes.

Black Pantera

Mais do que apenas executar suas músicas com vigor, o grupo mostrou uma capacidade absurda de conexão com o público, em mensagens diretas como as de “Padrão é o Caralho” ou “Não Fode Meu Rolê”. Isso para não falar em “Fogo nos Racistas”, trilha para uma roda que condenava não só o racismo, mas também o machismo, a homofobia e o fascismo, conectando diversas lutas. A mensagem ia além das letras: ao tocar “Abre a Roda e Senta o Pé”, a banda convidou as mulheres presentes para mosharem bem ao centro, sem medo de serem felizes. Foi só uma hora de show, mas ecos da passagem dos mineiros talvez ainda possam ser sentidos no Zé Beer dias depois, tamanho o abalo das estruturas. É daqueles fenômenos para não deixar de ver se passar do seu lado, caro leitor.

Coube ao grupo Os Últimos, veteranos da cena rondoniense, a difícil tarefa de suceder o Black Pantera. Vindos de Ariquemes, cerca de 200km de Porto Velho, o grupo fez sua quinta passagem consecutiva pelo Casarão (2012 a 2022) mostrando seu bom pop-rock. Foi uma apresentação muito competente, sendo capaz de abaixar a adrenalina do público, sem deixar a peteca cair – mérito, entre outros, da baterista Laura Branduber, que tocou grávida no palco dois do festival.

Os Últimos

Quem também fez dose dupla de passagem por Porto Velho foi a banda paulistana Terno Rei. Embalada pelo sucesso dos discos “Violeta” (2019) e “Gêmeos” (2022), muito escutados durante a pandemia, o grupo viveu dias de Beatlemania no Casarão em 2022. As cenas de euforia adolescente, gente cantando junto e chorando se repetiram no festival de 2023, mas com mudanças significativas.

Terno Rei

Em vez da postura tímida do ano passado, o grupo conversou com o público, agradeceu o carinho e se mostrou muito à vontade na capital de Rondônia – fruto, talvez, da descoberta pela banda de ícones da gastronomia local como o tambaqui e a cerveja suja, uma mistura de sal, limão e cerveja que é hit nos bares de Porto Velho. No festival, a cerveja suja era vendida por módicos R$ 13, em um copo de 300 ml a partir de chopp Pilsen da marca Louvada – já o chopp regular custava R$ 10, caso alguém esteja curioso.

Terno Rei

Mais do que apenas uma alteração de humor, a dinâmica do Terno Rei com o público mostra a evolução da banda em turnês pelo Brasil ao longo da última temporada. O quarteto liderado por Ale Sater (baixo e voz), versão 2023, é um grupo que já entende seu sucesso de maneira responsável e, aos poucos, vai descobrindo a beleza de ter suas vozes encobertas por multidões. Foi algo que aconteceu diversas vezes no show, em números como “Difícil”, “Solidão de Volta”, “93” ou “Sorte Ainda”. Isso para não falar na explosão de “Dias da Juventude”, um hit de novela em uma época que novelas já não fazem mais hits, ou nos inúmeros gritos de “delícia” e “gostoso” direcionados não só a Ale, mas também a Bruno Paschoal (guitarra, voz e synths), Greg Maya (guitarra e voz) e Luís Cardoso (bateria).

O relógio já batia quase 3h da manhã quando o Terno Rei saiu do palco praticamente direto para o aeroporto local, sentindo os percalços de uma malha aérea que desafia a produção do festival. Afinal, em uma cidade que fica a mais de 2,5 mil quilômetros de Brasília, o verso “longe demais das capitais” não é só força de expressão: Porto Velho só tem voos diretos chegando de Cuiabá, Manaus e da capital federal. E na mesma van que o Terno Rei foi embora, preenchido pelo carinho do público portovelhense, chegou a Tuyo – o trio de Curitiba é a atração principal da segunda noite de Casarão, ao lado de Menores Atos e Hateen. Até daqui a pouco, Porto Velho.

Saiba como foi o Dia 2 e o Dia 3

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.

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