Entrevista: Dry Cleaning num papo sobre origens, tocar alto, 4AD e a sociabilidade exercida em torno da comida

entrevista por Leonardo Tissot

Após alguns poucos anos de atividade em Londres, o quarteto pós-punk Dry Cleaning chamou a atenção de uma audiência global durante a pandemia, com o single “Scratchcard Lanyard”, em 2020, e o álbum “New Long Leg”, em 2021 — antes de assinar com a mítica 4AD, a banda já havia lançado os EPs “Sweet Princess” (2018) e “Boundary Road Snacks and Drinks” (2019) – tudo disponível no Bandcamp.

De posse de um contrato com uma das labels icônicas do cenário independente, o quarteto passou a gravar com produtores como John Parish (colaborador de PJ Harvey) e gravar no Rockfield Studios (local onde o Queen  começou a trabalhar em “Bohemian Rhapsody” e que ainda abrigou bandas como Motorhead, Stone Roses e Oasis). Vieram, então, o álbum “Stumpwork” (2022), e um EP recém-saído do forno, “Swampy” (2023).

Na estrada, poucas horas antes de uma apresentação no Chile, o guitarrista Tom Dowse e o baixista Lewis Maynard conversaram brevemente com Scream & Yell para relembrar suas origens, contar como é compor para uma vocalista tão única como Florence Shaw, sobre como tem sido a turnê mundial que já dura dois anos, a delícia de estar na 4AD, a sociabilidade exercida em torno da comida e por que planejar uma carreira de sucesso não teria dado certo. Leia tudo abaixo.

Vi que vocês fizeram show em Buenos Aires ontem (16), e hoje (17) estão em Santiago. Como a América do Sul tem tratado vocês?
Tom: A hospitalidade tem sido incrível. Fizemos bons amigos por aqui, e o show também foi ótimo. Uma energia muito bacana, com um som bem alto.

O que podemos esperar do show na próxima sexta, em São Paulo? Mais material dos últimos lançamentos ou também teremos músicas de “New Long Leg” e outras mais antigas?
Lewis: Sempre que tocamos em um país pela primeira vez, tentamos espalhar o setlist por todos os álbuns e EPs. Especialmente em um festival, porque você está tocando para pessoas que nunca te viram ao vivo antes, ou para pessoas que nem te conhecem. E temos alguns fãs que nos seguem desde os primeiros EPs, então vai ser legal tocar um pouco de tudo.

Tom: É diferente de um show no Reino Unido, onde as pessoas já nos viram várias vezes. Lá costumamos focar no material novo, mas tocando aqui pela primeira vez, vamos tocar algumas músicas mais antigas.

Pretendem ficar no Brasil por mais alguns dias e assistir outros shows do festival? Ou curtir a viagem de alguma outra forma?
Tom: Teremos que voltar no fim de semana. Dia 20 é aniversário do Lewis, então ele quer passar o dia em casa.

Lewis: Vou voltar cedo. Acho que os outros caras vão ter um dia e meio pra conhecer um pouco mais do Brasil.

A comida é um dos temas presentes em letras e em algumas entrevistas que vocês já deram ao longo dos anos… Todo mundo na banda gosta do assunto? Tem algo que queiram provar da culinária brasileira?
Tom: Não diria que somos foodies, mas socializamos sempre ao redor da comida. A banda começou assim: a gente curtia junto, comia alguma coisa, tocava um pouco de música, jogava no computador… E isso meio que continua até hoje.

Lewis: Se o pessoal tiver alguma recomendação do que comer… As pessoas também podem nos trazer comida, ficaríamos felizes. Mas ninguém nunca faz isso.

Capa do álbum “New Long Leg”, do Dry Cleaning

Vocês começaram a tocar juntos há 5 anos, e praticamente metade desse tempo envolveu uma emergência sanitária global. Como isso afetou a banda, seja no material produzido durante os anos de pandemia, seja na retomada dos shows?
Tom: Acho que não influenciou as composições diretamente ou conscientemente. Mas a pandemia nos deu bastante tempo, porque ficávamos em casa tocando. Então, quando pudemos nos juntar numa sala novamente, as coisas fluíram. Uma banda como a nossa, depois que lança o primeiro disco, geralmente não tem muito tempo para fazer o segundo. Mas acabamos conseguindo ter esse tempo para compor e chegar ao som que queríamos. E, desde então, estamos em turnê praticamente há dois anos sem parar.

E como foi esse retorno para a estrada?
Lewis: Fizemos alguns shows antes da pandemia, mas nunca tivemos turnês como as que estamos fazendo agora. E nunca estivemos em bandas que viajassem o mundo como fazemos agora. E nunca estivemos em um selo como o 4AD. E nunca gravamos com um produtor como John Parish ou fomos para o Rockfield Studios (local onde o Queen gravou “Sheer Heart Attack” e começou a trabalhar em “Bohemian Rhapsody” e que ainda abrigou bandas como Motorhead, Stone Roses e Oasis). É tudo novo pra nós.

Assisti a alguns shows de vocês na internet e fiquei impressionado com a forma como vocês têm muita energia no palco. As músicas parecem que ganham um boost de eletricidade em relação às versões em estúdio. Tem alguma preparação especial antes de subirem ao palco?
Tom: O principal é não comer demais, porque isso te deixa meio lento. E também não beber demais, porque isso te deixa acelerado [risos]. Falando sério, a única coisa que fazemos é curtir juntos nos bastidores e tentamos ter uma noite agradável. Antes de gravar nossas músicas, nós as tocamos ao vivo algumas vezes. Mas quando as gravamos, tentamos registrá-las de um jeito diferente de como elas soam no palco. A forma como as tocamos ao vivo é a maneira como queremos que elas soem nos shows, o que acaba sendo diferente do estúdio.

Apesar de serem uma banda ainda jovem, vocês já tocaram em muitos países e, como comentaram, já gravaram com John Parish (conhecido produtor de PJ Harvey) e integram o cast da gravadora 4AD (casa dos Pixies nos anos 80). Vocês planejam a carreira ou deixam as coisas rolarem naturalmente?
Tom: Acho que seria impossível planejar algo assim e ter sucesso. Começamos a banda de forma casual entre eu, Nick (Buxton, baterista) e Lewis. Daí pensamos em dar um passo adiante e ter uma cantora. Foi quando convidamos a Flo. E apenas curtimos o que estávamos fazendo. Levamos um ano até gravar o primeiro EP. Não tínhamos grandes ambições.

Lewis: E mesmo quando a 4AD apareceu, ficamos surpresos e tivemos uma conversa séria entre nós para definir se queríamos assinar o contrato e seguir uma carreira na música, porque estávamos felizes com a forma como as coisas estavam acontecendo.

Tom: Todos nós tínhamos outros empregos. Acho que há um equívoco que muitas pessoas cometem, que é acreditar que se você tem uma banda, quer fazer dela sua carreira profissional. Nem sempre é o caso. Às vezes é o caso de uma oportunidade surgir e você aproveitar.

Nas outras bandas que vocês tiveram antes do Dry Cleaning, imagino que vocês contavam com vocalistas que tinham um estilo mais tradicional, mais cantado do que falado, como é o estilo da Florence. É muito diferente compor para uma vocalista como ela, que tem uma forma única de cantar?
Tom: Acho que o jeito como tocamos é diferente, porque permite ter mais espaço para todos. Essa é a principal diferença pra mim. Tentamos tocar ao redor do ritmo da Flo. Mesmo nos estágios iniciais de composição, tentamos escrever as canções juntos. Gravamos nos nossos telefones, depois ouvimos novamente e escolhemos os momentos favoritos das nossas jams.

“New Long Leg” foi bastante comentado e elogiado, aparecendo em dezenas de listas de melhores discos do ano em 2021, inclusive a do nosso site aqui no Brasil. Pelas respostas que deram até aqui, vocês não esperavam essa repercussão toda. Então, como lidaram com esse sucesso?
Tom: Ficamos muito surpresos. Gravamos durante o lockdown, então ficamos aliviados só de o disco ter saído. Ficamos felizes.

Lewis: Até a gravadora ficou surpresa. Duas semanas antes de o disco sair, nos disseram que poderia chegar ao top 20 do Reino Unido. Uma semana antes, disseram que poderia ser top 10. Na semana que saiu, falaram em top 5. Então, realmente, ficamos bastante surpresos com o desempenho do álbum.

Capa de “Stumpwork”, do Dry Cleaning

A capa de “Stumpwork” causou polêmica… Como ela foi criada?
Tom: Ela foi feita por uma dupla de designers chamada Rottingdean Bazaar. Eles já tinham feito o vídeo para “Scratchcard Lanyard”. Basicamente mandamos o novo álbum pra eles e eles nos responderam com essa capa. Não interferimos em nada — na verdade, se interferimos em algo foi pedir para que a imagem ficasse ainda mais parecida com pelos pubianos. Quando nós quatro vimos a capa, amamos instantaneamente. Mas o crédito vai para eles.

Espero que gostem do nosso país e façam um bom show. Alguma mensagem para os fãs brasileiros?
Tom: Estamos ansiosos para conhecê-los… Quer dizer… [jocosamente] Estamos ansiosos para conhecer cada um deles pessoalmente [risos].

Vamos tentar organizar uma fila…
Tom: Estamos ansiosos pra tocar pra eles. Tem sido uma experiência incrível estar na América do Sul. Recebemos muito amor do Brasil, especialmente no nosso Instagram. Então, agora é uma grande oportunidade para eles verem quem somos de verdade.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!. A foto que abre o texto é de Guy Bolongaro.

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