Entrevista: “Eu já quis ser jornalista. Eu sempre quis escrever. (Mas) sou feliz fazendo música”, revela Arlo Parks

entrevista por Bruno Capelas

Arlo Parks está feliz – e essa frase parece uma novidade na vida da cantora britânica de 22 anos. Novidade também é o disco “My Soft Machine”, seu segundo trabalho, previsto para chegar às plataformas de streaming no dia 26 de maio. Produzido em Los Angeles, para onde a artista se mudou após o sucesso da estreia “Collapsed in Sunbeams” (2021), o disco tem a difícil missão de suceder o primeiro álbum, que venceu o Mercury Prize desbancando nomes gigantes da música como Mogwai e Pharaoh Sanders. Pressão? Não é o caso, diz Parks.

“Eu só me preocupo em fazer música: queria voltar para o estúdio e fazer algo que eu achasse legal. Esse disco é como um dia ensolarado em Los Angeles, um disco para ouvir no carro, com seus melhores amigos, janelas abaixadas, o sol se pondo e todo mundo curtindo as músicas”, conta a cantora dona do primeiro lugar no posto de melhor disco internacional de 2021 no Melhores do Ano S&Y..

Mais do que a mudança para Los Angeles, dois fatores também influenciaram o novo disco. O primeiro é o fim da pandemia: enquanto o contemplativo e “quentinho” “Collapsed in Sunbeams” foi feito durante o período de isolamento social, “My Soft Machine” nasceu na estrada e nas pequenas pausas entre as turnês feitas por Parks nos últimos dois anos. Além disso, a cantora também engatou um namoro com a rapper americana Ashnikko – o que a fez ver o mundo com “óculos cor-de-rosa”.

Na entrevista a seguir, Parks fala um pouco mais sobre o novo trabalho, declara seu amor a Caetano Veloso, confessa que ainda não leu Sally Rooney e também lista o que ouviu durante a confecção de “My Soft Machine”. A playlist variada, diz ela, ia de MF Doom a Nine Inch Nails, passando por Can, Sufjan Stevens e o maestro Arthur Verocai. A amiga Phoebe Bridgers, com quem gravou a recém-lançada canção “Pegasus”, também estava na lista. Além disso, o tema de saúde mental – que Parks já discutiu bastante nos últimos meses e até a fez cancelar shows nos EUA no ano passado – também entra na pauta, ainda que o sorriso contagiante da cantora durante a entrevista confirme a impressão: os tempos difíceis ficaram para trás.

Você está lançando um novo disco, “My Soft Machine”, na semana que vem. Sua estreia, “Collapsed in Sunbeams” foi não só lançado, mas também feito durante a pandemia. Já este álbum é fruto do período em que a gente estava descobrindo como sair de casa e voltar para a rua de novo. A energia desse momento se reflete no disco?
Sim, acho que sim. Quando a gente saiu da pandemia, eu vivi um momento muito especial, começando a fazer turnês. Eu estava na mira das pessoas, viajando muito, foi uma época bem movimentada. Por outro lado, acho que a minha música se tornou mais pessoal, porque estar no estúdio era o único momento em que eu estava realmente em silêncio, em que eu podia fazer algo sozinha, quieta. O disco reflete essa energia de poder viajar, de estar junto das pessoas: eu fiz grande parte das músicas em Los Angeles, em salas cheias de pessoas, com todo mundo tocando junto, meio suados, foi um trabalho de comunidade. “My Soft Machine” é um disco que veio de uma comunidade, é música que surgiu como uma espécie de terapia para mim.

É interessante o que você disse, porque as primeiras vezes que eu escutei “Collapsed in Sunbeams”, eu tive a sensação de ter um cobertor musical – algo que me deixasse quentinho e confortável. Qual será a sensação de ouvir “My Soft Machine”? Ensolarado?
É ensolarado, mas é como um dia ensolarado em Los Angeles. É um disco de road trip! É para ouvir no carro, com os seus melhores amigos, com as janelas abaixadas, o sol se pondo e todo mundo curtindo as músicas.

Não gosto de fazer perguntas pessoais, mas recentemente você se apaixonou e começou um relacionamento. Você já disse que algumas das músicas novas são sobre a sensação de se apaixonar. Como o teu relacionamento influencia o disco?
Acho que o amor… o amor te dá uma nova lente para olhar o mundo. Especialmente quando um relacionamento te faz sentir tão saudável, feliz, apoiada mesmo, sabe? E claro que isso tudo acaba entrando e passando para a música. Algumas das minhas canções favoritas no mundo são canções de amor. Nesse disco, eu tentei fazer mais canções de amor alegres, que falem sobre alguém se sentindo feliz, apoiada ou vista pelo outro.

E qual é a cor dessa lente, Arlo?
É rosa! São óculos cor-de-rosa, com certeza!

É sua primeira vez aqui no Brasil, e o show vai acontecer nesse período bem específico, de transição entre dois discos. De um lado, você já lançou alguns singles de “My Soft Machine”, mas não o álbum inteiro. Do outro, o público está sedento pra ouvir “Collapsed in Sunbeams”. Como você equilibra o repertório?
Eu quero tocar as músicas novas, porque passei muito tempo pensando nelas, já pensando em como seria o novo show, o novo cenário, as texturas que estão no novo disco. Ao mesmo tempo, as pessoas já passaram um bom tempo com o álbum anterior, então quero tocar os “greatest hits” do disco, talvez toque uns 40% a 60% do “Collapsed in Sunbeams”.

Será uma espécie de soft-opening pros shows do “My Soft Machine”?
Hmmm… Não… É um show que começa esparso e vai crescendo, é bem bacana. Acho que os fãs vão gostar.

Teremos surpresas?
Surpresas! Sempre temos surpresas, eu adoro surpresas (risos).

Existe um mito na indústria fonográfica: o “teste do segundo disco”. Depois que um artista grava um álbum muito bem-sucedido, parece haver uma pressão enorme em torno do trabalho seguinte. Você está bem nesse momento: “Collapsed in Sunbeams” é um disco que ganhou, entre outros prêmios, o Mercury Prize – competindo contra artistas como Mogwai e Pharaoh Sanders, entre outros. Você se sentiu pressionada fazendo “My Soft Machine”? Ou você não liga muito para prêmios?
Não sei… eu me importo com prêmios, me sinto honrada recebendo prêmios, de verdade. Mas prêmios vão e vêm, não é algo que se possa controlar. Eu só me preocupo em fazer música, eu só queria voltar para o estúdio e fazer algo que eu achasse legal, sabe. É o motivo pelo qual eu faço música. Eu não me senti pressionada [gravando o disco], mesmo, eu só estava me divertindo (dá risada).

O que você estava ouvindo enquanto gravava o disco novo?
Essa é boa… eu estava ouvindo Souls of Mischief, Nine Inch Nails, Sufjan Stevens, Phoebe Bridgers, MF Doom, Can. Ouvi também Arthur Verocai, de tudo um pouco, é um grande caleidoscópio, eu gosto mesmo de ouvir música!

Além do Arthur Verocai, do que mais você gosta de música brasileira?
Caetano Veloso! Ele é o meu favorito, eu o adoro! Você viu aquele filme do Almodóvar, em que ele canta “Cucurrucucú Paloma”? (para tentar lembrar o nome). “’Tudo Sobre Minha Mãe’, é esse?” É tão bonito, a voz dele é tão incrível, tão frágil. A língua portuguesa é tão bonita! Eu não entendo nada, mas é tão bonito.

Voltando a falar sobre pressão. Você tem sido muito aberta e falado bastante sobre a importância da saúde mental para os artistas, um tema cada vez mais relevante. Você inclusive chegou a cancelar algumas datas no ano passado por conta disso. Por outro lado, a economia também é um fator de pressão: hotéis, passagens de avião, gasolina, tudo está mais caro – e isso se reflete no preço dos ingressos. Para tentar economizar, os artistas fazem turnês cada vez mais apertadas. Quão difícil é fazer turnê sendo um artista que não é super mainstream nos dias de hoje? (E quando digo mainstream, estou falando de figuras como sei lá, Metallica ou Lady Gaga).
Claro, claro, eu não levo para o pessoal! Para mim, uma artista independente, que ainda está construindo sua carreira, é definitivamente difícil. Por outro lado, não há nada mais no mundo que eu estaria mais disposta a gastar meu tempo fazendo. É o meu trabalho, é o que eu faço todos os dias, e claro que há dias que são mais difíceis que outros. Eu me sinto sortuda por ter esse espaço. Muita gente supertalentosa trabalhou a vida toda e nunca conseguiu o holofote, a oportunidade que tenho de fazer o que faço. São aspectos difíceis, claro, mas existem coisas difíceis em quase tudo, não é mesmo?

É trabalho, não é um pudim, né?
Exatamente!

Suas canções são bastante pessoais. Como é ver as pessoas gritando o que você escreveu sobre a sua vida, ou até mesmo fazendo uma tatuagem com as suas letras? Para mim, ia ser super estranho.
E é! Especialmente depois da pandemia: lembro quando eu cantei “Caroline” ao vivo pela primeira vez – e a plateia veio gritando comigo junto, “Ca-ro-li-ne!”. Foi tão alto! Eu faço essas músicas em salas e quartos bem pequenos, junto com meus amigos.

Menores que essa sala que estamos? [A entrevista acontece em uma sala de vidro de uns 20 metros quadrados no subsolo do Hotel Renaissance, em São Paulo]
Sim, às vezes sim. A primeira música que eu fiz foi em um pequenino apartamento, que tinha uma sala pequenininha e uma cozinha, e nós enfiamos um baixo, uma guitarra, teclados, um computador e um microfone, claro. Eu criei músicas dentro de uma pequena bolha ao redor de mim. Poder viajar e cantar algo que significa tanto para as pessoas, que toca tanto as pessoas, isso é muito incrível.

Aqui no Brasil, nós temos novelas, programas que passam na TV todos os dias. São quatro novelas por dia apenas na maior emissora, a Globo. E sua música “Hope” está numa dessas novelas, que passa às 19h. Você sabia disso?
Eu ouvi dizer! Meus fãs brasileiros me avisaram disso. Eu não sei muita coisa sobre novelas, mas é legal que as pessoas estejam descobrindo a minha música desse jeito. É a música de abertura?

Não, é o tema de um personagem dentro da “novela das 7”, toda vez que ele aparece a música toca. E é bacana porque a “novela das 7” é um pouco mais divertida, mais jovem, em comparação com a “novela das 9”, que é mais séria, mais dramática…
Olha que legal! Vou tentar ver nos próximos dias.

Ah, você pode ver no streaming, não precisa ficar parada na frente da TV assistindo!
Você assiste?

Não, eu quase sempre estou trabalhando na hora da novela. Mas eu costumava assistir novelas quando era mais novo.
Olha só.

Você acabou de gravar com Phoebe Bridgers, que já disse ser uma influência pro teu trabalho. Também ganhou elogios da Patti Smith, de quem você gravou “Redondo Beach”. Se você pudesse escolher um artista, qualquer artista, para gravar uma música junto, quem seria?
Agora… deixa eu pensar. Ok, eu tenho duas respostas. A primeira é que eu faria alguma coisa com o Pharrell. Eu adoro o Pharrell! Ele fez muita coisa incrível, com o Omar Apollo, com o Travis Scott, ele é um dos grandes para mim. Ou eu faria algo muito esquisito, muito doido, com o Trent Reznor, do Nine Inch Nails. Ele é tão selvagem, tão crazy, eu adoro ele.

Por que não os dois juntos?
Eu já estou pegando meu telefone agora!

Recentemente, eu conversei com a Phoebe Bridgers aqui neste mesmo hotel, quando ela veio para o Primavera Sound São Paulo. E perguntei para ela qual personagem da Sally Rooney ela seria e ela disse que era a Frances. E eu fiquei curioso para saber com quem você se identifica na obra dela.
Eu não sei… foi ela que escreveu “Normal People”, né? Poxa, eu não li nada dela ainda. Desculpa! Se eu dissesse alguma coisa, eu estaria falando besteira pra você, mas eu não sei nada dela.

Tudo certo! Por falar nisso, como foi gravar com a Phoebe Bridgers?
Ela é incrível! É uma pessoa muito inteligente, uma pessoa única! Ela sabe exatamente quem ela é e o que ela quer, é incrível. Dá para ver, só pelo jeito que ela fala e escreve, que ela é uma pessoa brilhante.

E qual é a pergunta que eu devia ter feito e não fiz?
Eu gostei das suas perguntas, cara!

Ah, mas isso é um truque de jornalista no fim da entrevista!
Eu não sei a resposta para isso. Gosto só de ver o que as pessoas perguntam naturalmente.

Não sei, essas entrevistas são tão rápidas, a gente tem normalmente 10, 12, 15 minutos para conseguir extrair boas respostas dos artistas – e respostas diferentes do que os outros jornalistas vão conseguir. É um desafio!
Deve ser difícil, ainda mais quando você precisa dar uma visão completa sobre alguém, quando é um texto de introdução sobre um artista. Dar contexto para as pessoas, deve ser um trabalho difícil. Sabia que eu já quis ser jornalista?

Sério?
Eu quis mesmo. Eu sempre quis escrever, sabe? Eu pensei muito em ser uma escritora, escrever romances, mas é tão difícil! (risos).

Poxa, mas você está contando boas histórias.
Estou, estou sim! Eu sou feliz fazendo música.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010. A foto que abre o texto é de Vince Aung.

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