Ao vivo: Elogiada em estúdio, parceria de Russo Passapusso com Antonio Carlos & Jocafi se cristaliza ainda mais no palco

texto de Marco Antonio Barbosa
fotos de Marcelo Costa

Juntar Russo Passapusso à dupla Antonio Carlos & Jocafi era uma daquelas ideias a princípio inusitadas, mas que sempre fizeram muito sentido. Russo, farol da nova música pop soteropolitana (solo ou com o BaianaSystem), não deixa de ser afilhado espiritual do duo Antonio Carlos & Jocafi, dupla baiana que emplacou hits nos anos 70 sincretizando sambão, MPB e afro-brasilidade. Não faltaram elogios ao primeiro trabalho conjunto em estúdio, “Alto da Maravilha” (2022), que foi eleito disco do ano para a APCA. Mas a parceria parece ter sido feita mesmo para o palco, como o público paulistano pôde conferir em uma curta temporada no Sesc Pinheiros, no segundo fim de semana de março.

O show abre da mesma forma que o álbum, com o literal convite à dança de “Aperta o Pé”. A plateia não precisa de mais argumentos: uma pequena multidão abandona suas poltronas, corre para a frente do palco e de lá não sai mais. Ninguém mais senta; o resto do público fica suingando ali mesmo, de pé, junto a seus assentos.

A arrumação do palco e a direção de cena sintetizam a proposta da parceria. Russo, irrequieto, transborda energia e se alterna entre a função de frontman carismático e o reverente aprendiz. Antonio Carlos & Jocafi, setentões enxutos, passam a maior parte do show sentados à uma mesa no centro, emulando a descontração de um sambão de boteco. Mas há muito mais camadas a se penetrar aqui do que num simples pagode de mesa.

Não demora muito para atingirmos o primeiro grande momento da noite, no qual o conceito Russo + Antonio Carlos & Jocafi afinal se mostra com brilho maior ainda que no disco. É a versão de “Quem Vem Lá” de 1971, um samba-rock psicodélico cujo arranjo original demarca uma das fontes do DNA musical de Passapusso. A banda formada por Curumin (bateria e vocal), Zé Nigro (teclado, synths e vocal), Lucas Martins (baixo e vocal), Saulo Duarte (guitarra e vocal), Loiá Fernandes (percussão), Edy Trombone (trombone e percussão) e Maestro Ubiratan Marques (Fender Rhodes) se desdobra entre solos hendrixianos, breaks funkeados e passagens com cheiro de high life – enquanto Russo conduz o coro da massa.

A interação, aliás, é a tônica da presença do vocalista. Puxa a galera mais uma vez para engrossar seus vocais em “Mirê Mirê” e conjura uma ciranda mântrica com “Ponta Pólen”. Entre uma e outra corrida à beira do palco, Russo também instiga os veteranos a participarem mais do espetáculo. Jocafi responde mais, com maior presença ao microfone (chega a emular uma cuíca em “Sapato”, faixa de “Paraíso da Miragem”, primeiro solo de Passapusso). Antonio Carlos prefere a linha me-engana-que-eu-gosto, sorrindo muito, arriscando dancinhas, sem usar muito o gogó.

É Jocafi quem protagoniza o ápice da emoção, inevitável e inevitavelmente pungente: a versão de “Você Abusou” no qual brilha, além da voz em boa forma do veterano, o piano elétrico de Ubiratan Marques. O mega-hit foi precedido de outro resgate setentista, “Catendê”, de arranjo assemelhado à versão original de 1970, com a mesma interpretação vocal delicada que Curumin concedeu à regravação de “Alto da Maravilha”.

Daí pra frente, a gangorra do show pende mais para Russo do que para Antonio Carlos & Jocafi. E ninguém reclama. “Eu achava que fazia um som jamaicano. Quando fui ver, era repente”, explica ele antes de cantar “Duas Cidades”, do repertório do BaianaSystem. E dá-lhe samba-reggae funkeado, forró com embolada, afrossambarock & outras bossas. Tudo desemboca em uma potente versão de “Pitanga” – talvez a melhor do álbum – e no fechamento com a sempre aguardada “Paraquedas”, que vem ultraestendida, com longos solos de trombone, Rhodes e percussão. O encanto dos veteranos por estarem participando da celebração é evidente. “Ver essa moçada animada, há quanto tempo”, rejubila-se Jocafi. (Antonio Carlos dançava… sentado.)

O show não tem bis; os números de encerramento são precedidos pela aparição do poeta e ator Luiz Carlos Bahia, que declama entre o lúcido e o transcendente: “Num tempo de paz como este / Bala e bala e dor e flor / Deixa a flor cair da boca desse canhão”. Impossível não ligar os versos ao novo tempo que vivemos. Afinal, “Alto da Maravilha” foi lançado em 7 de novembro de 2022, apenas oito dias depois do anúncio do resultado do segundo turno da última eleição presidencial. Segundo Russo, ainda há pelo menos umas 20 músicas inéditas de sua parceria com Antonio Carlos & Jocafi. Que venha a paz – embalada no suingue baiano de duas gerações.

– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br).
– Marcelo Costa  (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

One thought on “Ao vivo: Elogiada em estúdio, parceria de Russo Passapusso com Antonio Carlos & Jocafi se cristaliza ainda mais no palco

  1. Ficou faltando colocar o nome da mina que toca/canta junto com o Edy Trombone. Vocês sabem o nome dela? Obrigada!!

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