Entrevista: Com 45 anos de barulheira, Discharge volta ao Brasil para shows

entrevista por Homero Pivotto Jr.

De postura punk e tocando um hardcore feroz, o Discharge levou a agressividade de sua produção para além do estilo no qual é tido como pioneiro. Nome seminal para o desenvolvimento dos sons extremos, o grupo inglês conquistou respeito e admiração das mais variadas linhas de música pesada: do metal aos pares do HC. Para se ter ideia, o conjunto surgido na terra da rainha em 1977 (ano emblemático para o punk) é citado como influência para artistas do naipe de Metallica, Soulfly, Sepultura, Napalm Death, Machine Head, Ratos de Porão, Celtic Frost e Anthrax – muitos deles já tendo, inclusive, feito releituras do Discharge. Fosse pouco, a banda inspirou até um subgênero do hardcore/crust: o d-beat, nomeado assim em homenagem à condução acelerada e bem característica de bateria que o conjunto britânico ajudou a popularizar.

Com 45 anos de experiência na barulheira, o Discharge volta ao Brasil para shows dia 10 (sábado) e 11 de dezembro (domingo), em São Paulo, no Fabrique Club – a segunda data conta com o reforço do Ratos de Porão na noite. Será a primeira apresentação no país com o vocalista JJ Janiak (que também passou pelo Broken Bones, conjunto formado por integrantes do Discharge), na banda desde 2014. Ao lado dele no front, estão os irmãos Tony e Tez Roberts (ambos da formação original nas guitarras), Roy “Rainy” Wainwright (também um dos que deu início ao grupo, no baixo) e Dave “Proper Caution” Bridgwood (bateria). Essa é a formação que gravou o até então mais recente álbum, “End of Days” (2016), um arregaço feito à base de andamento acelerado e elementos do metal, com destaque para os do thrash.

“Acho que o disco fala sobre a época em que ele foi lançado. Toda essa merda que rola no mundo, principalmente desde 2016. É um sinal dos tempos”, adianta JJ, em entrevista ao Scream & Yell. Além de dar suas impressões a respeito de seu primeiro registro com o Discharge, JJ também revela como conheceu a banda, dá sua visão de o que é punk e comenta sobre novos projetos. O papo, em inglês, também pode ser conferido no vídeo a seguir:

Você já era fã do Discharge antes de fazer parte da banda?
Sim, com certeza. Se eu não curtisse o que eles estavam fazendo, provavelmente não teria entrada para a banda.

E como rolou de entrar para o grupo? Você integrou o Broken Bones (banda formada por Anthony “Bones” Roberts Terrence “Tezz” Roberts, irmãos da formação clássica do Discharge)?
Isso, cantei no Broken Bones por alguns anos. Entrar para o Discharge foi meio que uma progressão natural. Na real, era para eu ter feito parte do Discharge antes do Broken Bones, mas o lance do Broken Bones acabou rolando primeiro.

O que te chamou a atenção no punk?
A agressividade, o lance interno da rebeldia. Sempre senti, quando mais jovem, que não me encaixava entre as pessoas ditas normais. Eu era um garoto rebelde, e o punk falava minha língua.

Qual sua idade atualmente?
Tenho 46 anos.

Lembra como tomou conhecido sobre o Discharge?
Sim, foi por causa da minha primeira banda, quando tinha 13 anos. Eu tocava bateria, a banda se chamava Chaotic Discharge. Mas, à época, eu não estava ligado no Discharge, ainda estava começando no punk, descobrindo as bandas. E, por causa do nome do nosso grupo, todo mundo pensava que éramos fãs do Discharge, que tocávamos d-beat, mas não. O pessoal ficava falando: “Discharge, Discharge, Discharge”. Então, fui descobrir o que era. O primeiro disco deles com o qual tive contato foi o “Live at City Garden” (New Jersey, 1983), que não é um disco muito bom. Não bateu na primeira vez que ouvi, aí não dei muita atenção. Mas pessoas faziam mixtapes em fitas k7 e eu tinha uma que abria com ‘Decontrol’, que era bem melhor do que o ao vivo no City Garden. A partir dali comecei a curtir.

Chegou a vê-los ao vivo nos anos 1980 ou começo dos 1990?
Não, eu sempre perdia de assisti-los. E durante os 1990’s a banda deu uma parada, acho que não voltaram até o começo dos 2000, quando fizeram um álbum de retorno. Foi quando o Rat (vocalista do Varukers) entrou para a banda (Nota: na verdade, Cal Morris, o cantor original, gravou o disco, autointitulado “Discharge”, e Rat entrou depois). Eu morava em New Jersey nessa época e lembro que eles tocaram no CBGB (que é em Nova Iorque), mas eu estava com alguns problemas e perdi.

E como rolou essa transição da bateria para o microfone?
Bom, quando eu era jovem costumava me envolver em várias encrencas. E acabei me dando mal, ficando alguns anos na prisão por causa de drogas e tal. E quando saí da cadeia, acabei me afastando da música. Então, quando voltei, um amigo deu início a uma nova banda e me convidou para cantar. Até então, nunca tinha sido vocalista. Acabei indo para o microfone e fui por esse caminho.

Você consegue viver da música ou tem algum outro trampo?
Eu tenho um trabalho de meio período. Acho que só é possível viver de som se você toca todas as noites, o que não é algo realista. Música, especialmente hoje em dia, não paga muita grana. A galera atualmente ouve muita música online e não rola grana daí. É preciso ter milhões de audições para ganhar uma migalha, 0,001 de centavo por streaming. Então, mesmo sendo bastante ouvido, não se vive disso. A não ser que você seja a porra do Iron Maiden. Para uma banda como o Discharge, não rola. Então, tenho um emprego de meio turno cuidando de crianças com problemas de comportamento ou dificuldade de aprendizagem.

Falando sobre punk: o que significava ser punk no passado e o que é hoje em dia?
Quando entrei nessa, significava algo, sabe? Era a personificação de quem eu era. Era como se você fizesse parte de algo e você brigava para mostrar que era real. Não era só a música que você ouvia. Era algo que eu vivia e respirava e que me definia completamente como pessoa, que tinha a ver a forma como eu pensava. Era o que eu era. À época, o punk era algo novo. Eu não sei quais as diferenças do passado e de agora, pois ainda me sinto como naquele tempo. Talvez seja diferente pra molecada que começa a se envolver com isso agora. Quando eu comecei era uma briga. Nós estávamos lutando contra tudo: contra a sociedade, a polícia, os professores a até nossos pais. Combatíamos toda a estrutura social, era rebeldia. Ao menos pra mim. Eu odeio essas conversas, quando as pessoas começam a dizer o que é e o que não é punk.

De volta ao tema dinheiro: li recentemente que o King Diamond comprou um Corvette com os primeiros royalties dos covers que o Metallica fez do Mercyful Fate. E com o Discharge, rolou algo do tipo? Houve um incremento financeiro ou ao menos expôs o Discharge para uma audiência mais ampla?
Teve um pagamento envolvido, mas não foi muito. Acho que alguns dos caras do Discharge estão ferrados com o acordo feito, pelo que entendi. Talvez tenha ocorrido de o Discharge ser apresentado a novos fãs. Creio que muitas pessoas que ouviram as releituras do Metallica devem ter pensado em conferir o Discharge para ver qual é.

Até o momento, você gravou só um disco com o Discharge, o “End of Days” (2016). Ficou satisfeito com o resultado desse trabalho, em como o álbum ficou?
Sim, gostei. Sempre tem alguma coisa que você pensa que poderia ter feito diferente ou ajeitado. Contudo, no geral, estou feliz com a forma que ficou. Acho o disco fala sobre a época em que ele foi lançado. Toda essa merda que rola no mundo, principalmente desde 2016. É um sinal dos tempos.

Você um cara de mentalidade “no future”? Ou é mais positivo, de alguma maneira?
Sempre fui meio “no future”, um tanto pessimista. Mas agora, mais velho, tento ser mais positivo. Tento buscar coisas boas agora. Acho que negatividade atrai negatividade. Sou total da positividade hoje em dia.

Mas é difícil, convenhamos.
É sim, muito em razão dessa doideira que vemos atualmente. Eu tento não assistir aos noticiários, porque me deixa com muita raiva. E, no geral, não parece que isso seja bom para nosso bem-estar. Você pode ficar louco seguindo políticos, vendo as notícias. Por um lado, acredito que é importante estar a par do que está acontecendo, ficar informado. Mas, como você comentou, é complicado, pois te deixa muito bravo. Eu tento me afastar da mentalidade negativa, por assim dizer.

Na sua opinião, é preciso ser uma pessoa raivosa para estar em bandas de hardcore?
Acho que sim, e eu sou um. Sempre fui assim. Mas estou em um momento da vida em que penso que a vida é muito curta para estar zangado o tempo todo. Você precisa lidar com o bom e com o ruim também.

O show em São Paulo será o seu primeiro no Brasil?
Sim, a banda já tocou n Brasil, mas será minha primeira vez.

Sabe algo sobre o nosso país?
Não muito, para ser honesto. Sei que há uma estátua no topo de uma montanha. Estou ciente de que temos uma boa base de fãs no Brasil. E, para ser justo, acho que grande parte das pessoas que curtem a banda está por aí. Sei que o país tem uma significativa cena de punk, hardcore e metal. Estou ansioso para tocar aí.

Conhece alguma banda brasileira?
Ratos de Portão e o Sepultura, claro.

Você tem um projeto com o Stig, do Amebix?
Sim, foi algo que começamos em meio à pandemia, pois não podíamos fazer nada. Estávamos trancados em casa. A banda chama-se False Fed, e tem, além de mim e do Stig, o Roy Mayorga (Nausa, Soufly, Ministry e outras) e um amigo local, o JP, no baixo. Foi um processo estranho começar esse projeto, já que tudo precisou ser feito em separado, cada um na sua casa. Foi uma nova experiência para os envolvidos gravar desse jeito, em diferentes partes do globo. O álbum está pronto, masterizado. No momento, estamos trabalhando na arte. O lançamento, espero, deve ser no início de 2023.

Vocês nunca se encontraram em uma sala de ensaio?
Eu conheço todos pessoalmente, mas nunca estivemos ao mesmo tempo no mesmo local fazendo música. Roy fez a parte dele em Los Angeles e o Stig na casa dele (na Inglaterra também). O Iggor, do Sepultura, que vive em Londres, gravou meus vocais na casa dele. Conheci ele e a esposa, Layma. Então, pode-se dizer que eles têm parte nesse trabalho.

Já que falamos em Amebix: ficou sabendo da história envolvendo o Rob Miller (baixista e vocalista) e sua banda nova, o Tau Cross? O lance que ele agradeceu a um autor revisionista nos créditos de um álbum que estava para ser lançado, e então a gravadora (Relapse) os largou e o resto da banda saiu fora.
O que sei é isso: ele agradeceu a alguém que não deveria e as coisas não ficaram bem. Não conheço o cara pessoalmente, então não posso comentar.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.