Entrevista: Após sair do Ghost, Martin Persner reativa o Magna Carta Cartel, que está lançando o álbum “The Dying Option”

entrevista por Guilherme Lage

“Tudo bem? É verão aqui na Suécia, está um calorão, tô até estranhando, por aí parece estar um pouco mais frio, né?”, diz um animado (e simpatisíssimo) Martin Persner ao notar minhas mangas longas. Um pouco sem graça por dizer a um sueco que faz frio na sempre ensolarada Vila Velha, nosso papo pré-entrevista é contornado para uma boa e velha conversa fiada.

Acompanhado pelo irmão Arvid, os dois estão empolgados em falar sobre “The Dying Option” (2022), primeiro disco de inéditas do Magna Carta Cartel em 13 anos. O motivo de tal hiato? Durante sete anos (2009/2016), Martin esteve envolvido em outro pequeno projeto, atualmente uma das maiores bandas do mundo: o Ghost, grupo com quem excursionou o mundo (Brasil incluso) como guitarrista base e em 2016 empunhou um Grammy com o single “Cirice” na categoria Melhor Performance de Metal.

Durante este período, o Magna Carta Cartel entrou em sono foçado, e o que deveria ser um breve cochilo, se tornou uma hibernação total enquanto Papa Emeritus e seus Nameless Ghouls espalhavam suas garras através do globo. Mas como o passado é o lugar dos fantasmas, a conversa é direcionada ao recém-desperto “The Dying Option”, que debutou no sétimo lugar do chart de vendas do país escandinavo.

Atualmente um trio com Martin (guitarra / vocal), o irmão Arvid (guitarra / bateria) e Pär (baixo / sintetizador), o Magna Carta Cartel já não conta mais com os riffs do ex-guitarrista Simon Söderberg e nem com o então baixista Tobias Forge (por motivos óbvios), ambos fundadores da banda ao lado de Persner. O som do grupo traz belíssimas inspirações que vão do rock clássico ao post e art-rock, trazendo nova roupagem aos estilos. Confira o bate-papo!

Para a gente começar, como foi o início de vocês na música? Vocês cresceram em um ambiente musical?
Martin: Sim, nosso pai era um professor de música e tinha uma loja de discos no centro, minha mãe também adorava música. Ela sabia cantar, arranhava um ou outro instrumento, mas não era uma cantora por assim dizer (risos), então sim, crescemos em um ambiente muito musical e que nos inspirava bastante. Depois disso, meus pais se separaram e minha mãe se casou com outro cara que, adivinha só, também era dono de uma loja de discos e sempre nos interessamos bastante por esse tipo de coisa, o que foi muito legal!

E isso inspirou vocês a começar a tocar? Experimentar com instrumentos?
Martin: Não, pra mim não, porque eu nunca pensei sequer em pedir ao meu pai por um instrumento ou por algum disco. Comecei a tocar guitarra sozinho, quando tinha uns 10 anos e então diria que essa foi a minha formação no instrumento. Não sei bem como toco (risos), não sei ler música e nem nada disso, mas me viro. Meu irmão, Arvid, é oito anos mais novo do que eu e eu ensinei ele a tocar um pouco de guitarra, mas foi isso.

Arvid: Foi nessa mesma época que eu comecei a tocar bateria, mas tive que parar, porque nos mudamos de casa e aí você sabe como é, né? (risos), tive que passar para a guitarra.

Martin: Era um apartamento pequeno, então não tinha jeito (risos).

E como era o cenário musical em Linköping (cidade de 110 mil habitantes a cerca de 200 quilômetros da capital Estocolmo) quando vocês estavam crescendo? Imagino que seja uma cidade bem pequena, certo? Havia uma cena musical forte por aí?
Martin: Sim! No meio dos anos 90 Linköping se tornou uma das três cidades da Suécia que começaram a bombar na cena hardcore. Então havia muitos shows por aqui, mesmo sendo uma cidade pequena, sabe? Eu nunca me liguei muito em hardcore, eu ouvia mesmo era thrash metal, death metal, mas também muita música pop, o que me inspirou muito depois. Esse era o tipo de música que eu gostava na época, então acabei não indo a esses shows, não era muito a minha praia naquele tempo (risos), mas imagina só, todas essas grandes bandas de hardcore desde Fugazi a Biohazard vieram tocar em Linköping.

Falando um pouco sobre o disco agora, o título “The Dying Option” me remeteu muito a algo introspectivo, um pensamento que vem de dentro. Era mesmo essa a ideia?
Martin: Sim, acho que fizemos isso já pensando que as pessoas teriam interpretações muito diferentes sobre o título e isso é o que é mais legal. Mas não deveríamos levar todo o crédito. Na verdade, esse nome é ideia de um primo nosso, chamado Pelle. Ele tinha uma banda chamada “The Dying Option” e quando estávamos pensando em um nome para o disco, entrei em contato com ele e perguntei “ei, podemos usar o nome da sua banda para o título do nosso álbum?” e ele disse: claro! Então, acabou sendo ótimo para nós já ter esse nome à disposição quando precisamos (risos). E ah, também foi ele que deu o nome “Papa Emeritus” quando começamos o Ghost.

Arvid: Ele nos ajudou bastante, não só nessa parte, mas também em questões de estética e também com ideias que nem tínhamos pensado, foi muito bom poder contar com ele nesse momento (risos).

O vídeo de “Silence” ficou simplesmente demais! Vocês acham que esta faixa é a que melhor simboliza o álbum? Foi por isso que a escolheram para um clipe?
Martin: Não, na verdade não achamos (risos). Esse foi justamente o motivo de termos feito ela o primeiro single, porque ficamos receosos de que se não fosse, muitas pessoas não ouviriam a faixa no disco. Queríamos que ela tivesse um pouco de atenção, justamente por acharmos que ela destoa um pouco do resto do álbum. O primeiro single era para ser “Darling”, mas então, levamos tudo em consideração e chegamos à conclusão de que “Silence” seria mais bem aproveitada como um single, o que também traria um pouco de curiosidade às pessoas. Fiquei feliz por poder esclarecer essa questão do single agora (risos).

Arvid: Pois é, é exatamente isso! Queríamos que a faixa tivesse mais atenção das pessoas e, principalmente nós dois, tínhamos essa preocupação de que ela passasse batido, a decisão pode não ser a mais óbvia, mas fez muito sentido pra gente!

Me corrijam se eu estiver errado, mas sempre que ouço o Magna Carta Cartel noto uma certa semelhança em bandas como ISIS, Red Sparowes, God is Na Astronaut, uma levada bastante post-rock, eles são influências para vocês?
Martin: Nós ouvíamos muito Isis há uns 20 anos e sempre adoramos a música deles, mas não diria que foram necessariamente uma influência, sabe? Claro, entendo que possa haver algumas semelhanças e gostamos muito desse tipo de música com camadas e que despertam esses tipos variados de sentimentos nas pessoas. Temos outra banda chamada Tid que acho que pode ser mais comum a isso, porque ali sim temos algumas coisas que lembram bastante post-rock e tudo isso. Mas ali, levamos como um projeto extremamente artístico, o que talvez explique todas essas coisas que você nota na nossa música. E desculpe, se não me engano, acho que não cheguei a ouvir Red Sparowes.

Arvid: Eu cheguei a comprar o primeiro disco do Red Sparowes na época, eles têm mais de um? (Nota do editor: eles lançaram três álbuns). Não sei, mas sempre gostei muito da música que eles fazem também. Acho que, na verdade, o que acontece com essas bandas é que eles parecem ter as mesmas influências que nós, como Pink Floyd e essas coisas, e isso acaba refletindo na forma que nossa música é feita, talvez por isso exista essa conexão e essa semelhança.

Martin: Isso! Acho que seria mesmo esse ponto de conversão, mas gostamos bastante dessas bandas que você citou!

Legal você ter citado o Tid, não sei se você viu, mas cheguei a bater um papo com o Claudio! E aí, existem planos para a banda? Um disco, uma tour ou estão totalmente focados no Magna Carta Cartel?
Martin: Sim, eu vi isso, achei muito legal! Acho que no momento estamos completamente focados no Magna Carta Cartel, queremos gravar mais, tocar mais! É por isso que divulgamos tanto nosso trabalho, damos entrevistas, trocamos ideias com pessoas de diversas partes do mundo, é onde está nossa concentração total no momento! Eu diria que o Tid é mais um projeto artístico do que tudo, não necessariamente apenas musical. Claro, utilizamos muitos elementos artísticos no Magna Carta Cartel também, mas o Tid é puramente artístico, então é uma coisa que por enquanto não pensamos. Mas claro, tenho certeza que um dia vamos acordar e pensar “quer saber? Vamos fazer um monte de músicas para o Tid”, só porque vamos estar com vontade! (risos), realmente depende do tempo e também um pouco de concentração.

Cara, quando escuto a música de vocês, tenho uma certa sensação de “nostalgia por algo que nunca vivi”, um sentimento um pouco diferente. Você entende esse sentimento? É algo que falam com vocês com frequência?
Martin: Sim, sim! Entendo muito bem o que você descreveu, sinto isso com muita coisa também. Acho que isso é muito legal. Todos nós gostamos de segurança, de sentir algum tipo de conforto em certas situações. E a nostalgia é algo maravilhoso nesse aspecto. Nos leva a um tempo em que já sabemos o que aconteceu, por isso nos traz essa sensação tão boa de familiaridade. Por exemplo, se você tivesse uma máquina do tempo e voltasse para 1985, aquele ano não seria tão especial se 1986 não existisse. Porque ali você criou lembranças, sabe exatamente o que aconteceu e como as coisas foram boas. É muito bom poder ouvir músicas que tragam esse tipo de sentimento, em que você sente conforto, se identifica, se permite sentir.

E como foi a ideia de reviver a banda? Normalmente, quando algum membro de uma banda grande se afasta, prefere começar um novo projeto, como foi esse processo de ressurreição?
Martin: Acho que nunca terminamos o Magna Carta Cartel de fato. Não sabíamos quanto tempo ia rolar com o Ghost, então colocamos o Magna Carta Cartel numa cama, jogamos uma manta quentinha e falamos “a gente volta daqui um minutinho”, mas claro, isso acabou levando vários anos para acontecer. Era mesmo uma questão de que eu não tinha tempo para mais nada da época do Ghost. Até pensamos em gravar o segundo disco em 2015 quando eu tive um tempinho, uns meses em casa, mas ainda bem que não fizemos nada disso (risos).

Arvid: Pois é, cara, era sempre algo que quisemos fazer, mas todos estavam envolvidos em outras coisas e não havia muito tempo para nos concentrar.

Martin: Na verdade, o Magna Carta Cartel ainda é uma banda muito nova, mesmo considerando que existe há vários anos. Porque, acho que mesmo antes do Ghost, tocamos o que? Uns quatro ou cinco shows?

Arvid: Isso, acho que foi isso mesmo e olhe lá. Nunca foi algo que tivemos muito tempo para fazer, por isso não demos tantos shows ou nada, agora é que realmente estamos com foco total na banda.

Martin: Existem coisas que fizemos sei lá, umas gravações antigas de tipo 2005 ou 2006 e que nunca foram lançadas. Estamos agora pensando em como fazer tudo isso de uma forma legal, sabe? É, não queremos que o Magna Carta Cartel seja um projeto que lança um disco a cada 13 anos. Agora que temos tempo, queremos que exista continuidade e que o projeto siga em frente. Fazendo novas músicas, pensando novos conceitos, realmente nos focar na banda. É por isso que damos entrevistas, que mostramos todo esse novo disco, estamos muito entusiasmados para poder fazer o que quisermos.

Arvid: É realmente nisso que estamos focados agora em fazer com que a banda chegue até as pessoas!

Martin, falando um pouquinho sobre o passado. Meus amigos e eu vimos você com o Ghost em 2014, no Rio de Janeiro, você se lembra desse show?
Martin: Claro que me lembro, simplesmente inesquecível!

Como você avalia o seu tempo no Ghost? Como se lembra daquela época e o que mais aprendeu tendo essa experiência tão única? É algo que você pensa sobre?
Martin: Eu penso nisso quase que todo dia, é muito difícil não lembrar de momentos bons. Foi uma viagem e tanto poder viver tudo o que vivemos, inacreditável até, sou extremamente grato por essa oportunidade, porque muitas pessoas não têm essa chance. Fico pensando: eu, Arvid, Simon, Tobias, nós costumávamos sair e nos divertir o tempo todo e fazer isso numa banda foi simplesmente incrível, maravilhoso. Aquele tempo me mostrou também muitas coisas do lado profissional disso tudo. O que eu quero fazer, o que definitivamente não quero. Onde errei, onde acertei. É claro, há momentos em que eu ainda gostaria de estar tocando com o Ghost, mas também estamos vivendo uma coisa muito legal agora. Fica a lembrança das turnês, dos shows, de tudo aquilo que foi incrível e de tudo que aprendi como músico na estrada e tocando com outros grandes músicos. Acho que essa é minha reflexão principal quando penso em tudo aquilo.

E Arvid, você esteve envolvido em outros projetos musicais enquanto o seu irmão estava com o Ghost?
Arvid: Não, na verdade, não! Eu tive até algumas boas propostas para entrar em algumas bandas, mas achei que ainda não era o momento certo de me envolver, então me foquei principalmente no meu trabalho e nos meus estudos.

Martin: Um homem sério (risos).

Novamente sobre o Magna Carta Cartel: eu vi que todos vocês tocam guitarra, no estúdio isso tem um impacto ou, quando gravam, Martin é mesmo o responsável pelas guitarras?
Martin: Sim, todos nós tocamos guitarra. Eu, o Arvid e o Pär (Glendor), nosso baixista. Ele não pôde vir hoje, porque está atarefado com outras coisas, ele tem uma fascinação por academia e essas coisas, é meio monstrão, aí não pôde vir (risos).

Arvid: De vez em quando mostramos algumas coisas diferentes que fazemos e tudo. Acho que nada é desperdiçado enquanto estamos compondo, todos nós sempre temos muitas ideias para as músicas!

Martin: É, se meu irmão me mostra algo interessante eu deixo ele fazer (risos), a mesma coisa com o Pär, mas no disco, sim, eu fiz a maior parte das guitarras. Mas é sempre bom ouvir novas ideias. É até engraçado, porque no primeiro disco, “Goodmorning Restrained” (2009), não sei se você já ouviu, eram muitos riffs. De cima embaixo só de riffs. Fiquei até um pouco receoso de as pessoas ficarem bravas comigo por nesse disco termos usado menos guitarras, mas parece que ficou tudo ok com todo mundo (risos). Era até algo preocupante no passado essa questão das guitarras, eu ficava me perguntando: como vamos tocar isso ao vivo? Vamos precisar de umas 16 guitarras (risos), hoje já sabemos como contornar bem essas situações.

Uma grata surpresa que tive com o disco novo: a regravação de “Sleepy Eye June”, como foi a ideia de fazer uma nova versão da música?
Arvid: Na verdade, essa é a primeira gravação de verdade dessa música. A primeira vez que saiu foi um vazamento de uma versão bem ruim, mas as pessoas acabaram gostando. Quando fizemos nossa mini turnê europeia em 2018, passamos por alguns países e muita gente, em todos os shows, pediam essa música, aí foi que decidimos regravá-la de uma forma mais profissional dessa vez.

Martin: Pois é, a versão anterior era uma demo ainda, não tínhamos trabalhado nela totalmente, eu ainda estava terminando a letra e era só uma demo mesmo. Hoje em dia vejo pessoas que tatuaram a letra daquela versão e fico “meu deus, cara, me desculpe! Tem uma versão nova”. (risos). É uma música antiga e achávamos que ela merecia uma versão melhor, pelo visto, as pessoas estão curtindo e obrigado pelo elogio à ela! (risos).

Por falar em turnê, existe alguma previsão? Vocês vão excursionar para apresentar o disco ao vivo?
Martin: Sim, sim, vamos fazer uma turnê. Só que ainda não posso, infelizmente, te contar quando e onde serão os shows, não tenho essa autorização. Mas vocês vão ter que esperar só mais um pouquinho (risos). Me perdoe por isso, viu? Realmente precisamos manter esse segredo.

Arvid: Estamos ansiosos de verdade para poder sair em turnê! Por mais que gostemos de compor, de gravar, e tudo isso, o que mais gostamos, de fato, é de tocar, estar no palco. Então precisamos nos focar para poder fazer o que amamos.

E para finalizarmos: como foi o processo de gravação? Foi prazeroso poder fazer música juntos novamente?
Martin: Foi muito, inclusive estamos conversando com você agora direto do estúdio em que gravamos o disco e que estamos ensaiando todo dia! Foi tudo muito tranquilo e sabíamos exatamente o que queríamos fazer. A única coisa engraçada é que no andar debaixo trabalha uma moça que faz um tipo de ‘healing’ ou sei lá o que com cachorros e ela ficava louca com a gente (risos).

Arvid: É sério, cara, ela faz isso mesmo! (risos).

Martin: Lembro de alguns dias em que ela ficava completamente perdida e gritava “não consigo ouvir os cachorros, não consigo fazer o meu trabalho” e eu só pensava: poxa, isso é ruim, mas eu consigo e… sabe, preciso fazer o meu! (risos).

Arvid: Fora isso, foi tudo muito tranquilo e não poderíamos estar mais felizes com o resultado do disco.

Muito obrigado pelo tempo de vocês, gente! Boa sorte com a turnê e meus parabéns pelo disco, ficou ótimo!
Arvid: Nós é que agradecemos, muito obrigado pela entrevista e pela atenção à nossa banda!

Martin: Agradeço muito o elogio, “muito obrigado, Guilherme” (nas aspas, uma tentativa de português muito amigável).

– Guilherme Lage (fb.com/lage.guilherme66) é jornalista e mora em Vila Velha, ES.

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