Jónatas Pires ao vivo no Teatro Maria Matos, em Lisboa

Texto por Pedro Salgado, especial de Lisboa
Fotos por Vera Marmelo

“Boa noite! Está aí alguém?”, perguntou Jónatas Pires ao entrar no palco do Teatro Maria Matos, num misto de graça e de estímulo, para que o público animasse, quando se preparava para iniciar a apresentação lisboeta de lançamento de seu novo  álbum, “Terra Prometida” (2021). O auditório inaugurado em 1969 e reduzido a metade de seus 447 lugares, devido às restrições impostas pela pandemia, estava composto majoritariamente por fãs, que compareceram e transmitiram o seu entusiasmo numa noite de segunda-feira convidativa para assistir a um show.

A atuação principiou com o tema “Rosto Negro”, uma ode sentimental definida pelo refrão: ”Tenho o rosto negro de tanto chorar”, na qual a banda aproveitou para explorar o seu potencial sonoro. Com o single “Eu Só Preciso”, a faixa que marcou o regresso de Jónatas às canções, veio o primeiro grande momento da noite, pela energia interpretativa colocada pelo artista e por uma toada animada, que não dispensou um bom crescendo instrumental.

Na terceira canção, “Primavera”, apareceu o primeiro convidado do show: Samuel Úria. Durante a execução da música, num registo pop agradável, em que Jónatas tocou guitarra acústica e Úria harmónica, veio um pedido do palco para o público acompanhar os músicos e cantar os versos: “Amanhã a Primavera vai chegar”, que foi bem correspondido. Seguiu-se a pegada roqueira do single “Terra Prometida”, uma faixa com letras fortes, onde Samuel Úria emprestou o seu ímpeto vocal e Jónatas não esqueceu as suas raízes e fez um solo de guitarra apropriado.

Com “Fogo Posto”, continuou-se no território do rock e o passo seguinte não foi menos interessante. “Há um tempo tive uma banda: Os Pontos Negros”, disse Jónatas para gáudio da plateia e avançou para uma excelente versão de “Gabriela” (do álbum “Soba Lobi”, de 2012), que relembrou o valor e a alma de um dos mais importantes grupos de rock portugueses da sua geração. Para a execução de “O Padeiro de Portalegre” subiu ao palco Manuel Palha (dos Capitão Fausto). O virtuosismo e a interpretação bluesy de Palha na guitarra elétrica empolgaram, bem como a emotividade de Jónatas ao cantar: “Senhor Salgado, quanto do seu sal são lágrimas de Portugal”. Mais um ponto alto da apresentação.

Depois da balada “Epílogo”, entrou em cena Selma Uamusse, que foi apresentada como “Uma amiga e uma artista com enorme talento”. A cantora retribuiu os votos de amizade e sublinhou a sua “admiração por Jónatas como compositor”. Juntos, interpretaram um tema mais antigo, “Tive Tudo”, que foi dedicado aos milhares de refugiados que sofrem com a violência jihadista na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique. O regresso ao álbum “Terra Prometida” fez-se ao som da encantadora “Falsa Partida”, a meio gás, na qual voltou a evidenciar-se a capacidade interpretativa de Selma e um encontro feliz entre os dois músicos.

Voltando ao universo d´Os Pontos Negros, onde foi vocalista, guitarrista e compositor, Jónatas brindou a assistência com a eficaz “Conto de Fadas de Sintra a Lisboa” (do álbum “Magnífico Material Inútil”) e a radiante “Há Lugar” (outra recordação), demonstrou a vitalidade da sua música e o fervor da mensagem que a acompanha: “Há uma festa que nunca termina onde todos cantam ninguém desafina”. Com entusiasmo, apresentou a banda, formada por Silas Ferreira (teclados, coros), Joana Wagner Pinto (teclados, coros), Bruno Mira (guitarras elétricas e acústicas, coros), David Pires (bateria, coros) e António Quintino (baixo, coros).

Com poucas paradas, porque os espetáculos em Lisboa têm hora limite até às 22h30, a atuação aproximou-se rapidamente da fase derradeira. Por último, evidenciou-se o lado pessoal do artista na roqueira “Quando o Vendaval Vier” e na intimista “Mesa Posta”. Após a despedida coletiva e ao fim de 80 minutos a sensação dominante é de ter assistido a um show especial, marcado pela entrega total de Jónatas Pires, que mantém o espírito indie e tem em mãos um excelente disco de temática comunitária. Importa observar que ele contou com uma banda à altura da responsabilidade da espetáculo, onde o papel de Silas Ferreira (produtor de “Terra Prometida”) é cada vez mais proeminente e teve um bom lote de convidados (todos eles participaram nas sessões de gravação do disco), que valorizaram muito uma noite agradável.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.
– Vera Marmelo é fotografa. Confira seu trabalho em https://veramarmelo.pt/

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