Faixa faixa: “Retalho de Mundo”, de e por Isabella Bretz

por Herbert Moura
faixa a faixa por Isabella Bretz

Transformando uma jornada interna em caminho compartilhado, a cantora e compositora mineira Isabella Bretz lançou em dezembro passado seu mais novo disco, “Retalho de Mundo” (2020), fruto de um processo de imersão ao longo de seis anos e contando com a colaboração de cerca de 30 profissionais.

Retalho de Mundo” começou a ser concebido em 2014. O ano seguinte foi totalmente dedicado à sua viabilização, porém sem sucesso. Em 2016, Isabella decidiu transformar a produção em uma grande oportunidade de inovar no financiamento do projeto. A artista recolheu na comunidade doações de serviços usados para pagar os cachês dos músicos, que por sua vez receberam na forma de trabalhos de outros profissionais – entre contadores, pintores, professores e muitos outros. Foi assim que surgiu a “Operação Escambo”. A campanha foi um sucesso, acumulando o equivalente a R$50 mil em serviços compartilhados.

“Interrompemos o processo várias vezes, cada hora devido a uma questão diferente. Nesse meio tempo acabei gravando um outro disco, o ‘Canções Para Abreviar Distâncias: uma viagem pela Língua Portuguesa’ (2017). Como o escambo estava dando certo, o pianista e produtor musical Rodrigo Lana propôs fazermos um banco de permutas entre sua produtora musical e eu, para tornar realidade esse outro projeto que eu tinha. Fiz muitos trabalhos de produção e ele gravou o meu trabalho. É um disco de poemas musicados por mim, todos de autores lusófonos vivos, cada um de um país. Ele se tornou um projeto bem mais amplo que um álbum, inclusive nos levando a Portugal (continente e Açores), Cabo Verde, Islândia e Timor-Leste. Outras viagens estavam previstas mas a pandemia impediu. Enquanto isso, o segundo disco virou terceiro e continuou sendo gestado. Agora com outra perspectiva”, explica Isabella.

Assim como em outros trabalhos, Isabella canta sobre o ser humano em suas questões individuais e coletivas. Ao longo das 10 faixas, todas composições dela (duas em parceria), temas complexos são apresentados em forma de histórias e sons: um rio que teme a morte ao se aproximar do oceano (“O Rio e o Medo”); uma cidade que entra em guerra porque todos os seus cidadãos competem para ver quem sofre mais, quem é mais sugado pela sociedade, com um fim inesperado (“A Revolta”); o paradoxo entre sermos seres tão pequenos nesse universo e, ainda assim, infinitos (“Faísca de pó”); os conflitos da relação de pais e filhos em meio ao amor, proteção e busca por liberdade (“Oferenda”); a completa rede de pensamentos que se forma em nossas mentes em várias camadas, por vezes nos fazendo querer desligá-la (“Alguém me ensina”); a consciência do desejo e do amor (“Gente que passa”), o desprendimento da realidade, em alguns momentos necessário (“Devaneio”) e mais.

“Essas músicas foram parte de um processo interno muito importante pra mim e acho que podem ajudar outras pessoas. Podem trazer um pequeno conforto nesse momento histórico tão complicado, desafiante, desanimador. Compartilhar esse disco é como oferecer o abraço que não posso dar agora”, resume. Abaixo ela comenta o disco faixa a faixa!

Faixa-a-faixa, por Isabella Bretz:

01 – Retalho de Mundo: É a faixa de abertura do álbum. Traz uma reflexão sobre nossa relação com o território, nossas escolhas e a sorte.

02 – O Rio e o Medo: Essa canção surgiu após a leitura de um parágrafo escrito por Osho. Conta a história de um rio que se desespera ao se aproximar do oceano, pois sabe que ali será seu fim. Letra, melodia, harmonia, arranjo e vídeo clipe foram construídos pensando cuidadosamente em traduzir esse sentimento; inclusive, claro, no desfecho.

03 – Abajur: O excesso de demanda pode enfraquecer os elos. A luz e o conforto de um abajur podem ser suficientes para o que precisa ser contemplado.

04 – Gente que Passa: Fala sobre aprender a manter alguém dentro do peito sem que isso traga sofrimento. A energia que gastamos lutando contra algo pode ser mais bem aproveitada se a utilizarmos para aprender, de fato, a lidar com a situação ou sentimento. A posse pode sucumbir ao amor.

05 – Devaneio: Escrever essa música com o Jackson Abacatu foi extremamente divertido! Ríamos muito pensando em coisas absurdas, porém necessárias, que gostaríamos que existissem. Nessa eu tive a companhia do Khadhu Capanema nos vocais e a participação da banda Cartoon. No fim estão algumas manchetes que adoraríamos ver na TV ou nos jornais.

06 – A Revolta: Sabe quando você está numa conversa e quando menos percebe as pessoas estão competindo ferrenhamente pra ver quem está na pior situação? É isso. Essa é a história de uma cidade na qual todos os moradores, em todas as conversas, duelam pelo título do martírio mais profundo. Mas algo inesperado acontece e muda o destino da comunidade.

07 – Faísca de Pó: Essa é uma das canções que mais gosto. Apenas dois acordes, letra que não tem a obrigação de rimar. Livre. Fala sobre a simplicidade absurdamente complexa da vida. Seu resumo está na própria letra: “Sou faísca de pó no espaço sideral, a anos-luz de outra faísca em qualquer lugar. Mas e esse mundo aqui, bem cá dentro de mim? Sou pequena ou sou sem fim?”.

08 – Não se Esqueça: Fala sobre as dificuldades de expressão e de escuta que as pessoas têm ao se comunicarem, ocasionando muitos distanciamentos e solidão. Essa gravação tem a participação do Renato Motha, um cantor mineiro que eu admiro demais. A voz dele parece um instrumento musical. Por isso, convidei para que ele fizesse umas vocalizações. Com base no que ele criou eu gravei um coro, que responde às suas melodias.

09 – Oferenda: Essa apresenta as alegrias e inquietudes da relação entre pais e filhos. A música é do Rodrigo Lana. Quando ele estava lançando seu EP instrumental “Quebra-cabeça”, me pediu uma opinião sobre a mixagem. Mergulhei profundamente nessa composição e na sua interpretação no piano. Logo depois de ouvir, em 20 minutos escrevi atrevidamente toda a letra. Três anos depois, agora será a minha vez de interpretá-la. Dedico à minha mãe.

10 – Alguém me Ensina: Lembranças, análises, projeções, músicas, criações, diálogos… O alvoroço de nossas mentes por vezes nos faz querer um botão para desligá-la quando o cansaço vem. “Alguém me Ensina”, numa dança dos sopros, retrata esse sentimento e o universo que existe em nossos pensamentos. Conta com a linda participação de Patrícia Lobato e Renato Motha, representando a paz.

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