Cinema: “Wim Wenders – Desperado”, de Eric Fiedler e Andreas Frege

por Adolfo Gomes

Dos anos 1980 até metade da década de 90, Wim Wenders foi um dos mais influentes realizadores de sua época, comparável ao que representou Godard nos efervescentes sixties. Os filmes do cineasta alemão nesse período eram uma espécie de síntese de um modo de viver, entre o desencantado e errante, mas com alguma dose de esperança e de reconciliação com o passado. Hoje, a despeito de ser uma grife autorista, é difícil intuir o tamanho de sua envergadura no passado – é preciso ter vivido naquele tempo. A relevância do criador de “Paris, Texas” (1984) e “Asas do Desejo” (1987) é bem menor para as novas gerações de cinéfilos.

O documentário “Desperado”, da dupla Eric Fiedler e Andreas “Campino” Frege, entre outras coisas nos lembra daquele fenômeno criativo e comportamental que fora encarnado por Wenders, sua grandeza e, ainda, elabora uma tese, bastante sólida, do seu relativo declínio, sobretudo na sua filmografia ficcional a partir de 2000.

É um afetuoso e perspicaz Francis Ford Coppola, outro exilado do cinema, que dá a chave, em tom de ironia: “Cherchez la femme”. De fato, cabe a Donata Wenders, companheira de Wim, trazer à tona a eterna disputa arte/indústria e como a “profissionalização” do cinema, seus parâmetros e exigências comerciais, impactaram no estilo constitutivo da poética wenderiana. Acostumado a trabalhar sem roteiros definitivos, a aproveitar a jornada de filmagem como estratégia de criação, Wenders, pouco a pouco, foi se rendendo às demandas da “máquina cinematográfica”. Donata revela que o estilo sereno e otimista do artista foi incorporando traços quase autoritários e destemperados.

Há uma imagem do bastidor de uma rodagem recente de Wenders que ilustra bem a observação da esposa de Wenders. A equipe é tão grande que mal o cineasta se aproxima da câmera. Técnicos munidos de walkie talkies conduzem uma cena malsucedida para a irritação de Wenders. Ele que já chegou a realizar o doc “Quarto 666” (1982) apenas com a sua diretora de fotografia, Agnès Godard.

Mas embora “Desperado” ilumine muito da filmografia e estilo do realizador alemão, principalmente através das canções, invariavelmente o rock, e da incontornável trilha de Ry Cooder para “Paris, Texas” (filme referencial no documentário); a composição da obra não é só tradicional, como artificiosa. Os ótimos depoimentos – Patti Smith, Werner Herzog e Patrick Bauchau, em destaque – são intercalados por recriações de cenas seminais da obra de Wenders “interpretadas” pelo próprio cineasta, senão em claro constrangimento, pelo menos pouco à vontade.

Há certa altura, numa conversa entre Herzog e Wim, os dois concordam em não ver os filmes em que participam como “atores”. É algo que os desagrada e Wenders fecha o encontro reforçando: “Não verei esse filme!”. Será poupado. Nós não. Resta a oportunidade de passar duas horas na boa companhia dos pensamentos do cineasta alemão, seus colaboradores e amigos. E também lamentar que o cinema tenha mudado tanto e para pior a ponto de marginalizar um gigante como Wenders.

– Adolfo Gomes é cineclubista e crítico de cinema filiado à Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine)

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