No combativo CCSP, Linn da Quebrada se despede de “Pajubá” mirando o futuro

Texto por Renan Guerra
Fotos por Mariana Lima

Linn da Quebrada está encerrando um ciclo enquanto parece encontrar novos caminhos. Há dois anos ela lançava “Pajubá” (2017), seu icônico disco de estreia, que a levou para festivais ao redor do planeta e tornou a artista um dos principais nomes da música alternativa nacional. Nesses dois anos, entre muitos shows e perfomances, Linn buscou outras fronteiras: produziu um projeto experimental chamado Trava-Línguas, ao lado da DJ e produtora BadSista e se aventurou de vez na carreira de atriz – é possível ver Linn atualmente na série “Segunda Chamada”, da Rede Globo. Além, agora em novembro, dia 21, chega aos cinemas seu documentário “Bixa Travesty”, de Kiko Goifman e Claudia Priscilla, premiado com o Teddy Award no Festival de Berlim de 2018.

Listadas as glórias, é preciso relembrar que Linn é um corpo trans e negro num país que quer constantemente exterminá-los e, por isso mesmo, nem tudo são flores. Recentemente, a artista teve seu show cancelado na Parada LGBT de João Pessoa, já que os produtores consideram seu discurso “pejorativo demais”, num episódio que Linn claramente entendeu como censura. Além disso, o doc “Bixa Travesty” só chega agora aos cinemas por outros entraves: o longa foi premiado ano passado no Festival de Brasília, na categoria melhor filme segundo o voto do público. Com a premiação, que seria concedida pela Petrobras, a ideia era possibilitar a distribuição nacional do trabalho; porém com a eleição de Jair Bolsonaro e a troca de governo, a premiação foi suspensa, e a produção teve que buscar outros caminhos para o lançamento do filme. Dito isso, é simbólico que o encerramento de sua tour “Pajubá” seja feito no palco do Centro Cultural São Paulo, o CCSP, uma instituição pública da cidade. O CCSP tem apresentado agenda cultural forte e de resistência nos últimos tempos, incluindo aí o Festival MixBrasil de Cultura da Diversidade, que se inicia por lá dia 13 de novembro – incluindo um show solo de Jup do Bairro, parceira de paldo de Linn da Quebrada.

No palco de arena da Sala Adoniran Barbosa, Linn da Quebrada apresentou um show que mostra sua evolução e seu crescimento em todo esse processo do “Pajubá”. Acompanhada por sua Jup do Bairro, Dominique Vieira na percussão e EVEHIVE nas bases, Linn apresentou faixas fundamentais de seu disco, como “Bixa Travesty”, “Submissa do 7º dia”, “A Lenda”, “Dedo Nucué” e “Necomância”. Ao vivo, as canções são adornadas por um jogo cênico entre Linn e Jup, de verve bastante teatral, que ainda é complementado por uma performance de dança de Vévis Mutatis.

Além das faixas de “Pajubá”, também foram incluídas no setlist canções que Linn já vinha apresentando em seu show intitulado “Trava-Línguas”; se lá, as canções pareciam longas e repetitivas demais, aqui, embaladas em caixa mais pop, a poesia e os jogos de palavras homófonas funcionam bem melhor e parecem mais bem encaixadas. A cantora também apresentou alguns outros poemas e trechos de canções que parecem reforçar a busca da cantora por uma poética bastante pessoal e que já parece assumir caminhos distintos do que ela apresentou no primeiro disco.

Para encerrar a apresentação, Linn exibiu seu novo clipe, “Oração”, gravado com participação da cantora Liniker. Após a exibição, Linn apresentou a faixa ao vivo, contando com um coro formado por Maria Clara Araújo, Neon Cunha, Magô Tonhon, Ventura Profana, Alice Guél e Verónica Valenttino. As cantoras usavam roupas brancas e seguravam velas vermelhas em formato de coração. A nova faixa, que fala “não queimem as bruxas / mas que amem as bixas / […] / que amem as travas também”, é um passo mais delicado dentro do amplo universo de Linn e parece apresentar uma nova faceta da artista.

Os shows de despedida da turnê de “Pajubá” ainda passarão por São José do Rio Preto, Fortaleza, Teresina, João Pessoa, Brasília, Florianópolis e Porto Alegre e, certamente, seguirão buscando uma constante celebração da vida trans e dos corpos dissidentes. Esse encerramento de um ciclo, de algum modo, abre os caminhos para os próximos passos de Linn. Para 2020, está planejado o lançamento do disco de estreia da Jup do Bairro, intitulado “Corpo Sem Juízo”, assim como o lançamento do segundo disco de Linn, com título previsto de “Trava Línguas”. Com as artistas trabalhando de forma intensa em diferentes frentes, fica a ansiedade para que essa ebulição se mostre ainda mais fértil.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

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