Boteco: 10 cervejas nacionais

por Marcelo Costa

Abrindo uma nova série nacional por São Paulo, casa do rock putaria alcoólico dos Velhas Virgens, banda formada em 1986 que entrou com receita e tudo nas cervejas artesanais em primeira hora, e agora lança seu sexto rótulo, produzido na fábrica da Invicta, em Ribeirão Preto (assim como os cinco rótulos anteriores). Produzida exclusivamente para o clube Beer, a Madrugada e Meia é uma English Pale Ale de coloração âmbar e creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura caramelada e leve presença herbal no aroma acrescidos ainda de sugestão de panificação. Na boca, panificação mais presente do que doçura no primeiro com o herbal também fazendo a diferença. Na sequencia, leve doçura caramelada e amargor leve, mas perceptível. A textura é suave e dai pra frente segue um conjunto que remete a uma Bitter inglesa, com herbal, panificação e caramelo presentes. No final, leve amargor e herbal. No retrogosto, caramelo, herbal suave e panificação.

A segunda da série continua em São Paulo, pois é mais um rótulo da cigana Urbana, e atende pelo divertido nome de Xá Comigo (Tea With Me), mantendo a tradição da cervejaria em apostar nos nomes engraçadinhos, que aqui brinca com o estilo English Bitter (com direito a dry-hopping do lúpulo inglês East Kent Goldings). Na taça, a Xá Comigo apresenta uma coloração âmbar com creme bege clarinho de boa formação e retenção. No nariz, notas que remetem a panificação dominam o conjunto remetendo tanto a pão branco quanto pão de forma além de herbal bem discreto e um sutil amanteigado. Na boca, leve herbal e pão de forma no primeiro toque seguido de doçura baixa e, também, amargor baixo. A textura é leve e, dai pra frente, surge um conjunto que busca equilibrar doçura, panificação e herbal, tudo isso de maneira leve. No final, docinho. No retrogosto, herbal leve, pão sutil e doçura discreta.

Após duas receitas de tendência inglesa saltamos para uma belga produzida pela gaúcha Suricato na fábrica paulista da Dádiva. Trata-se da Goblin Girl, uma Brett Saison (produzida com exclusividade para o clube Beer) que recebe adição de levedura selvagem para refermentação na garrafa. De coloração dourada com leve turbidez e intensa profusão de espuma, de longa permanência, a Suricato Goblin Girl exibe um aroma que junta frutado cítrico sutil (abacaxi), funky intenso, condimentação e notas de fazenda (celeiro, feno e couro). Na boca, doçura e abacaxi com leve funky no primeiro toque seguidos de um funky levemente mais intenso, mais doçura e toques campestres (feno, celeiro e couro). O amargor é baixo e não é o lance aqui – quem dá o norte é o funky da levedura. A textura é cremosa e menos funky do que se espera. Dai pra frente segue-se um conjunto levemente arisco, bastante frutado e muito saboroso, que termina levemente cítrica e funky. No retrogosto, abacaxi, celeiro e funky. Delícia.

Do Sul voltamos ao Sudeste com mais uma cerveja da mineira Zalaz, que costumeiramente utiliza frutos da Fazenda Santa Terezinha, em Paraisópolis, em todas as suas receitas. Com a Perfume da Laranjeira (também produzida com exclusividade para o clube Beer) não foi diferente, e, como o nome adianta, há laranja (plantada na Serra da Mantiqueira) nesta receita de Tripel belga. De coloração amarela dourada com creme bege claro, quase branco, de baixa formação e média retenção, a Zalaz Perfume da Laranjeira apresenta um aroma bastante adocicado (como uma tradicional Tripel belga), com doçura caramelada, mel de laranjeira (mais do que laranja) e condimentação de levedura bastante presentes. Na boca, a doçura e bem contrabalanceada com o frutado derivado das raspas de laranja já no primeiro toque. Na sequencia, leve condimentação e álcool (9%) muito bem inserido. A textura é suave, quase sedosa, e picante (de álcool). Dai pra frente, um belo conjunto de Tripel com laranja que finaliza picante. No retrogosto, casca de laranja, caramelo e calor alcoólico. Delicinha.

De Minas Gerais partimos para Saquarema, no Rio de Janeiro, mais precisamente na Cervejaria Lagos, responsável pela produção da cigana Quatro Graus Tastes Like Birthday, uma Sweet Stout com adição de nozes, cacau, avelã e grãos de café maturados em barris de Bourbon (produzida com exclusividade para o clube Beer). De coloração marrom translucida com creme bege de baixa formação e nenhuma retenção, a Quatro Graus Tastes Like Birthday apresenta um aroma que espanca o bebedor com avelã, lembrando aquela bolacha (biscoito?) Amandita. Há, ainda, chocolate ao leite e um tiquinho de café. Na boca, um replay dedicado do que o aroma adianta, com uma pancada de avelã no primeiro toque, e mais avelã com leves nuances de chocolate ao leite, cacau e café. Amargor? Esqueça. Já a textura é suave, mas não tão suave quanto se espera de uma Sweet Stout. Dai pra frente, a promessa de “um bolo de chocolate com recheio de creme de avelãs” se cumpre… o problema é comer o bolo inteiro. No final, avelã. No retrogosto, avelã, chocolate, café sutil.


A sexta cerveja da sequencia é a estreia da ciagana paulistana Cervejaria Treze, que produziu está Berlin / SP 01 na fábrica da Dádiva, em Várzea Paulista. O número 01 é porque esta é a primeira de uma série de cervejas que pretendem revisitar estilos alemães pouco difundidos no Brasil. No caso da 01, o estilo escolhido foi o Roggenbier, um estilo de cerveja cujo malte de centeio é seu ingrediente principal. Nesta receita da Treze foi adicionado chips de jaqueira na maturação. O resultado é uma cerveja de coloração âmbar escura translucida com creme bege claro de boa formação e permanência. No nariz, doçura caramelizada remetendo a frutas como figo, banana, castanha e nozes. Há, ainda, leve madeira e também sugestão de biscoito. Na boca, doçura caramelizada tostada no primeiro toque com frutado e madeira mais presentes do que no aroma na sequencia. A textura é cremosa e levemente picante (possivelmente da madeira?). Dai pra frente segue um conjunto interessante, com sugestão de muita fruta escura. No final, doçura e madeira. No retrogosto, figo, banana assada caramelada e nozes.

Do polo cervejeiro de Várzea Paulista, em São Paulo, para o polo cervejeiro de Nova Lima, em Minas Gerais, com uma receita produzida especialmente pela Kud Cervejaria para a banda Skip Jack, que retornou a ativa após 20 anos para lançar seu primeiro CD, autointitulado, em 2018. O estilo escolhido foi o American Pale Ale e a cerveja apresenta uma coloração âmbar alaranjada com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, delicadas notas herbais com um cítrico distante sobre um base leve de malte caramelo. Na boca, doçura com herbal suave, na medida, no primeiro toque, seguida de leve herbal e caramelo discreto na sequencia. O amargor é pontual (não há descrição, mas deve estar por volta dos 35 IBUs). A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente surge uma cerveja bastante refrescante, uma Session APA de amargor moderado, herbal predominante e cítrico leve. No final, refrescancia. No retrogosto, herbal, caramelo e refrescancia. Delicinha.

Retornando ao polo cervejeiro de Várzea Paulista com mais uma Dogma, aqui representada pela Prelúdio 01, da série inspirada nos cinco prelúdios para violão de Villa-Lobos, lançada em seis versões no terceiro aniversário da cervejaria paulistana, em julho de 2018. Esta número 1 é uma American IPA com os lúpulos Loral, Equinox e Mosaic. Na taça, ela apresenta uma coloração amarela levemente âmbar, com creme branco de ótima formação e permanência. No nariz, destaque para frutado cítrico e herbal com maracujá se sobrepondo ao pinho sobre uma deliciosa base doce que remete a mel, que chega antes no primeiro toque, mas depois cede espaço para uma bela combinação de maracujá e de pinho. O amargor é eficiente (chuto uns 60 IBUs, limpos), a textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente segue-se um conjunto sublime, com bastante cítrico, um pouco de herbal, mel e picancia condimentada de levedura. No final, doçura de mel, maracujá e amargor leve. No retrogosto, mais maracujá, mais mel, mais amor.

Colaborativa entre as cervejarias cariocas Hocus Pocus e Oceânica, produzida na fábrica da primeira em Matias Barbosa, Minas Gerais, a Magic Ocean é uma American Wheat Wine que busca reproduzir a sensação de uma barra de chocolate branco alcoólica com adição de cacau, baunilha e leite condensado alcançando 10.9% de álcool. De coloração dourada translucida com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Magic Ocean apresenta um aroma extremamente doce e alcoólico com muita baunilha e muito álcool remetendo a uma Malt Liquor muito mais doce. Na boca, doçura intensa no primeiro toque que, na sequencia, permanece em destaque, mas surge embebida em álcool, que aquece e pica a garganta. A textura é sedosa com uma picância alcoólica intensa. Dai pra frente segue-se um conjunto extremo e extremamente doce, com o álcool acrescentando picância. No final, baunilha intensa e calor alcoólico. No retrogosto, álcool em primeiro plano mais baunilha.

Fechando o rolê com uma mineira, da Cervejaria Antuérpia, que assim como a Hocus Pocus, produz suas cervejas em Matias Barbosa, MG. A versão aqui presente foi retirada em growler no Prazer do Malte Growler Station, em Uberaba, e trata-se da Névoa Northeast American Pale Ale, uma New England APA de coloração amarela turva, tal como um suco (como o estilo exige), e creme branco de boa formação e retenção. No nariz, notas frutadas deliciosas sugerindo mamão, pêssego e laranja além de leve presença herbal (pinho) e de doçura de cereais. Na boca, frutado com leve picância no primeiro toque seguida de mais picância (de levedura), mais frutado e leve doçura. O amargor é bem suave, mas há um leve harsch de cryo hops marcando presença. A textura é aveludada e levemente picante com doçura frutada deliciosa na sequencia, que ainda traz presença de levedura, discreta. No final, harsch de cryo hops e picância de levedura. No retrogosto, frutado, cereais, harsch e pícancia. Muito boa.

Balanço
A Velhas Virgens Madrugada e Meia é uma inglesinha bem mediana, adjetivo que também pode ser compartilhado com a Xá Comigo, da Urbana. Das duas para a Suricato Goblin Girl é um salto! Essa Saison gaúcha feita em Várzea Paulista é um capricho delicioso, arisquinha e frutada. A Zalaz Perfume da Laranjeira consegue unir com capricho a doçura caramelada do estilo Tripel com o toque de laranja mineira. Já a Quatro Graus Tastes Like a Birthday é, realmente, um bolo de chocolate com recheio de creme de avelãs, como a cervejaria promete. Se fosse só uma fatia seria muito boa, mas “comer” (beber) o bolo inteiro fica difícil. A Treze Berlin / SP 01, uma Roggenbier, é interessante, mas achei também frutada e doce demais (ainda que menos enjoativa que a Tastes Like a Birthday), mas é ótima para apresentar esse antigo estilo alemão aos brasileiros. Kud Skip Jack é APA excelente para dias quentes enquanto a Dogma Prelúdio 01 abre a série de forma majestosa. A parceria da Hocus Pocus & Oceanica, Magic Ocean, me decepcionou (doooooce demais) enquanto a NE da Antuérpia, a Névoa, no growler, desceu bonito!

Velhas Virgens Madrugada e Meia
– Produto: English Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.3%
– Nota: 2.75/5

Urbana Xá Comigo
– Produto: English Bitter
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 2.75/5

Suricato Goblin Girl
– Produto: Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3.61/5

Zalaz Perfume da Laranjeira
– Produto: Tripel
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3.44/5

Quatro Graus Tastes Like a Birthday
– Produto: Sweet Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.31/5

Treze Berlin / SP 01
– Produto: Roggenbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.8%
– Nota: 3.34/5

Kud Skip Jack
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3.30/5

Dogma Prelúdio 01
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 4.00/5

Hocus Pocus & Oceanica Magic Ocean
– Produto: American Wheat Wine
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 10.9%
– Nota: 2.70/5

Antuérpia Névoa Northeast American Pale Ale
– Produto: New England American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3.76/5

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