Entrevista: Aldan

entrevista por Bruno Lisboa

Formada por Marcus Vinícius Evaristo (voz e guitarra), Fernando Bones (voz e baixo), Davi Brêtas (guitarra) e Bruno Carlos (bateria), a Aldan é mais um grande exemplo da boa música que vem sendo produzida nas Gerais. Com 10 anos de atividade, o quarteto lançou nesse entremeio os álbuns “Você Já Roubou Hoje?” (2010, Coletivo Pegada), “Uma Nova Humilhação” (2012, Membrana), “Pode Ser Que Daqui a Algum Tempo eu Tenha 30” (2015, Independente) e, no final de 2017, “daDAdaDAdaDAdaDAdaDAdaDA…”, disco em que inauguram a parceria com o coletivo Geração Perdida (Free Download aqui).

“daDAdaDAdaDAdaDAdaDAdaDA…” tem 11 faixas e conta com a produção do baixista Fernando Bones. Neste novo disco, a Aldan atinge a esperada maturidade musical, o que o álbum anterior já dava sinais, ao apostar em letras complexas e bem elaboradas (numa ode ao quotidiano) e sonoridades diversas unindo elementos da música africana e punk rock. No hall das participações especiais, o grupo contou com um grade time de colaboradores passando por Jair Naves, Gabriel de Sousa (maquinas), Bruna Vilela (Miêta), Thales Silva (Minimalista/A Fase Rosa), Daniel Nunes (Lise/Constantina), Fábio de Carvalho e seu pai, Ricardo Penido.

Nesta entrevista Marcus Vinicius e Fernando Bones falam sobre o processo de gravação e criação do novo trabalho (“Queríamos uma dinâmica radical entre minimalismo e maximalismo”), a entrada para a Geração Perdida, a parceria com Jair Naves, a complexidade das letras (“Temos total aversão a letras panfletárias e didáticas”), a importância de se firmar parcerias (“Estamos ao lado de quem se propõe a compartilhar informação, técnica, networking, espaço, música, editais e público”), turnês, planos futuros e muito mais. Confira!

É visível certa maturidade sonora no novo disco. Como foi o processo de criação e gravação?
Marcus Vinicius – Acho que estamos mais à vontade com som que estamos fazendo. Logo quando começamos a pensar no disco, veio a ideia de fazer um trabalho mais fluído, variado e sem um conceito rígido. Eu e Fernando nos reunimos para mostrar nossas novas composições e pré-selecionamos umas 19 músicas. Enquanto íamos fazendo as demos pra enviar pra banda, conversamos sobre espiritualidade, política, relações pessoais, etc. Acabamos criando umas tags referenciadas basicamente pelo punk operário paulista, novos rappers americanos e a música africana. Nesse período, ficamos empolgados, por exemplo, com o Basquiat, um cara que resumia bem o que a gente estava buscando. Queríamos uma dinâmica radical entre minimalismo e maximalismo. Logo depois a banda foi para o sítio dos meus pais em Itatiaiuçú (MG) com tudo isso na cabeça e arranjamos tudo lá. Adquirimos uma confiança na produção do Fernando (e ele sentiu também que era a hora de fazer uma autoprodução integral), aí mesclamos estúdios profissionais e caseiros na gravação, convidamos muita gente e a coisa andou. Foi bom. Foi rápido.

Desde o início da Geração Perdida vocês eram “membros honorários” do coletivo. Por que só agora vocês oficializaram a entrada? Qual a importância de fazer parte do mesmo?
Marcus Vinicius – Bom, passamos por uma ruptura sonora muito grande entre o “Uma Nova Humilhação” (2012) e o “Pode Ser Que Daqui a Algum Tempo eu Tenha 30” (2015) . Até 2015, rolava um distanciamento estético claro com o coletivo, mesmo com o Jonathan Tadeu fazendo os nossos clipes. Ficaria meio esquizofrênico colocar “Praça 7” ao lado de um disco de spoken word. De qualquer forma, sempre fomos amigos e tanto eles quanto nós sabíamos que a Aldan não era uma banda genérica de pop rock, por mais que algumas escolhas estéticas nossas sugerissem isso. Quando lançamos o “Pode ser…”, o maior escoamento do trabalho se deu com o público das bandas da Geração – com muita ajuda do Vitor Brauer – como sempre. Fomos pra várias cidades no Nordeste e do Sudeste e sempre éramos apresentados como uma banda da Geração, mesmo não sendo. Uma redenção que contrastava com todo o público que perdemos por causa da mudança de som. A cumplicidade se consolidou. O momento do coletivo é muito bom, de muita produtividade e amizade. Deve rolar até uma TV Geração Perdida por agora. Estamos na mais pura charlação com a galera.

Ainda falando sobre o coletivo é interessante observar o quão aberto o mesmo se tornou, dando espaço para artistas das mais variadas searas sonoras. Estar atento ao que acontece alheio ao gênero ou ideologia é uma das marcas que a Geração Perdida quer levar adiante?
Marcus Vinicius – Assim, cada um da Geração tem uma visão sobre isso. Porque a gente não se reúne como um grupo formal para conversar e deliberar critérios, métodos e ações. Talvez a única sistematização seja a agenda de lançamentos. Os encontros são pra produzir o disco um do outro, criar, mostrar novos sons, formar novas bandas e por aí vai. Depois vamos pra Rua Sapucaí beber, fumar e discutir sobre o Kendrick Lamar no Grammy. Acho que o coletivo cresceu. Temos portas abertas em mais de 100 cidades brasileiras, um integrante vivendo da sua música, vários eventos autoproduzidos, e, principalmente, muitos lançamentos por ano. Isso transformou muito o que era um manifesto ou um recorte artístico. A meu ver, hoje em dia, bom texto, experimentação estética e produtividade comportam mais o que é o grupo. A abertura também é um fato. Um exemplo foi a recente entrada da Aldan e do Grupo Porco, que são bandas com mais de 10 anos de atividade. Sendo que, ao mesmo tempo, os próximos três lançamentos marcarão a estreia de artistas muito jovens: o Wagner Almeida, que vai ser o Pavement de BH, o Mafius, um maluco de 16 anos que quer explodir a cena, e a escritora Daniele Gomez, com dois livros muito fortes, pedradas mesmo.

Jair Naves fez uma participação especial no disco na faixa “Big Data/Wishfull Thinking”. Como se deu esta aproximação?
Fernando Bones – O Jair sempre foi uma referência pra gente. O disco “E você se sente numa cela escura, planejando a sua fuga, cavando o chão com as próprias unhas” foi o que mais ouvi em 2012. Fizemos até uma versão para “Cármen, Todos Falam Por Você” para um projeto de uma produtora de BH (minha primeira produção “oficial”, inclusive) e acabamos tocando com ele e o Ludovic em algumas ocasiões. Nisso os laços foram se estreitando. Quando compus essa música, a única voz possível na minha cabeça era a dele. Mandei uma mensagem pra ele com a pré-produção e ele topou na hora. Ele gravou em SP e me mandou de volta. Quando abri os vocais dele na sessão do Pro Tools, quase cai da cadeira pois era EXATAMENTE o que eu ouvia na minha cabeça.

As letras geralmente revelam o ponto de vista político social do grupo. Por que relativizar o quotidiano é importante para o fazer musical de vocês?
Fernando Bones – Acho que é um processo natural de ser quem nós somos. Eu e o Marcus conversamos muito sobre esse tipo de coisa, então é natural que surjam nas letras. Mas, da mesma forma, temos total aversão a letras panfletárias e didáticas. Então vamos colocando ali nas entrelinhas e deixando pra cada um interpretar. Outra coisa é que não acreditamos nessa coisa de “música seria / música não-séria”. Quaisquer ocasiões do cotidiano, desde as mais banais e até mesmo as divertidas, entregam reflexões e insights potentes sobre a vida num plano maior.

O suprassumo da efervescente cena independente mineira participa do disco. Como se deu a seleção dos convidados? E quais as contribuições os mesmos trouxeram para a banda?
Fernando Bones – Foi tudo meio que na onda do que rolou com o Jair. A gente pensava: “pô, essa parte aqui tem a cara do fulano, essa aqui tal pessoa podia fazer algo hein”. Na própria concepção do disco já estava essa questão de abrir mais o processo de criação e ter convidados. E todos trouxeram contribuições incríveis! O sax no wave do Gabriel de Sousa, a interpretação perfeita do Jair, a guitarra fluidamente yin da Bruna Vilela (que ajudou a quebrar o “yanguismo” do riff em “Monoteísmo”), a performance surpreendente do Fábio de Carvalho e do seu pai, Ricardo Penido, a musicalidade incrível do Daniel Nunes (que simplesmente SALVOU a ponte de “Quinquênio”) e a voz malemolente do Thales Silva, todos levaram o disco pra lugares que não conseguiríamos levá-lo sozinhos!

Visivelmente vocês sempre estabeleceram um bom diálogo com artistas daqui, independente da cena a qual pertencem ou sonoridade. Vocês acreditam que isto é importante para fazer com que o circuito local cresça?
Marcus Vinicius – É verdade. Acho que meu trampo como produtor do Festival Transborda ajuda nisso porque acabo conhecendo muita gente daqui. Além disso, a banda sempre participou e/ou esteve próximo de coletivos formais ou informais. Estamos ao lado de quem se propõe a compartilhar informação, técnica, networking, espaço, música, editais e público. Não consigo ter um distanciamento pra saber se isso é importante pra prosperidade do circuito e tal. Sei que a mistura de gente e o compartilhamento do know-how é imperativo na escola pública. Nosso cérebro foi moldado assim.

Vocês ocasionalmente excursionam para fora do eixo Sul/Sudeste como a maioria das bandas não o fazem. O quão interessante / viável é fazer estas turnês?
Marcus Vinicius – É a melhor parte. Um show e um day off em Maceió pra vida melhorar 100%. Primeiro é achar quem quer te levar, então isso já exclui os festivais e as casas de show. Quem quer te levar são os selos/coletivos, bandas locais ou algum fã doidão. Depois a gente planeja rotas econômicas e negociamos previamente um mínimo de grana com cada galera. O merchan ajuda bastante também. Já tivemos prejuízo em algumas situações, mas sempre vale a pena.

Tempos atrás lembro-me certa vez de ver nas redes sociais de vocês um comentário quanto ao uso, sem prévia autorização, de canções da Aldan em programas televisivos. Como vocês lidam com essa situação?
Marcus Vinicius – Ah, sim! Assinamos com a Punks S/A, uma licenciadora que insere nossas músicas em filmes, publicidade e TV. Aí, pelo jeito, tem um programador da Globosat que gosta de “Praça 7”. Já rolou no Fantástico, Autoesporte, Tempero de Família, Olho Mágico, etc. A TV, sobretudo a aberta, tem um alcance imensurável e louco. Então, às vezes, tem um pequeno trecho de uma música nossa como BG quase inaudível de uma reportagem e o pessoal já vem nos avisar nas redes. Normalmente em tom de aviso, pra nos ajudar: “olha aí, estão usando a música de vocês. Cobrem deles”. Mas recebemos grana sim, pela licenciadora e pelo ECAD.

Quais são os planos futuros da Aldan?
Marcus Vinicius – Bom, pro primeiro semestre temos dois clipes em produção, o de “Sua voz é Grave Linda” e o de “Hipernormalização”. Confirmamos alguns shows com o Fábio de Carvalho no Rio Janeiro e há uma negociação para fazer a rota Uberlândia / Uberaba / Goiânia / Brasília. Também deve rolar um show de lançamento disco físico, que contará com a maioria da galera que participou da gravação. Por enquanto é isso. É Curto Prazo Futebol Clube.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. Escreve para o Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Flávio Charchar / Divulgação.

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